segunda-feira, 15 de julho de 2013

Escutas. PJ excluída das investigações em “fase avançada”

Escutas
PJ excluída de investigações em fase avançada
Tutela responde a uma das maiores preocupações do meio judiciário: o que aconteceria se a necessidade de escutas surgisse a meio de uma investigação?
Advogados aplaudem concentração de escutas na PJ, juizes e MP temem paralisação dos processos
SÍLVIA CANECO
O Ministério da Justiça admite que, quando a intercepção das comunicações telefónicas surgir “numa fase já mais avançada do processo”, a investigação poderá “prosseguir pelo órgão de polícia criminal que a iniciou”. Mas isso só acontecerá, acrescenta o gabinete da ministra Paula Teixeira cia Cruz em resposta enviada ao í, se o Ministério Público, órgão que coordena a investigação, considerar que, “no caso concreto, tal será mais adequado ao bom andamento da investigação”. Mesmo assim, a excepção só será permitida com mais uma salvaguarda: “A execução das intercepções” deverá “ser sempre feita pela Polícia Judiciária (PJ)”.
A excepção não estava prevista no projecto paia alteração da Lei de Organização da Investigação Criminal enviada pela tutela aos parceiros e que visa atribuir o monopólio das escutas à PJ. No entanto, foi uma das maiores preocupações manifestadas nos últimos dias nos pareceres enviados por representantes do Ministério Público (MP) e dos juizes.
A Associação Sindical dos Juizes Portugueses (ASJP). presidida por Mouraz Lopes, temia precisamente o que iria acontecer se não fossem salvaguardados os casos de “investigação avançada, liderada pela polícia conhecedora do terreno”. O sindicato dos juizes usava como exemplo processos de tráfico de estupefacientes, hoje investigados pela GNR e pela PSP. “A tónica é a da eficiência, já que pode apanhar a investigação em fase bastante avançada, com necessidade de estudo e conhecimento de todo um processo.”
Também o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) levantou a voz contra a perspectiva de um órgão de polícia criminal ter de abandonar a investigação caso se viesse a revelar necessário fazer escutas, já que. se o MP “tem reduzidíssimos meios próprios de investigação” para poder investigar sozinho, a PJ também não tem “meios humanos” suficientes. Mesmo com a salvaguarda prevista agora pelo ministério – a de que haverá investigações que não vão mudar de mãos -, Rui Cardoso, presidente do SMMP, diz que a proposta terá de esclarecer exactamente os critérios, nomeadamente o que se considera uma “investigação adiantada”.
Carlos Filipe, procurador do Departamento de Investigação c Acção Penal (DIAP) de Aveiro, chama à passagem de testemunho “entrar na investigação em cenário de autópsia”: “Quem vai querer apanhar uma investigação a meio?” O procurador do MP até concebe a ideia de ver todas as escutas concentradas na PJ, mas não sem outras alterações. “A lei como está agora é absolutamente inexequível”, já que equipara as escutas a outros meios de obtenção de prova como as localizações celulares ou facturação detalhada. Isto significaria que, por arrastamento, a PJ ficaria até com a incumbência de investigar furtos qualificados ou injúrias e ameaças, desde que cometidas através da internet: “Sem um substancial reforço dos meios íamos ter uma paralisação dos inquéritos.”
QUEM escuta QUEM O objectivo de Paula Teixeira da Cruz é concentrar “numa única entidade a responsabilidade pelo cumprimento da legalidade de um meio de prova que não se compadece com a sua dispersão por diversos órgãos de polícia criminal”. Segundo a tutela, são 18 as entidades com competências para fazer escutas: além da PSP, da GNR, da RI e do SFF. também órgãos como a ASAE, a Autoridade da Concorrência, a Comissão de Mercado de Valores Mobiliários, a PJ Militar, a Autoridade Tributária ou a Direcção-Geral das Alfândegas podem escutar conversas. Pelo menos em teoria, porque será sempre necessário que o crime sob investigação tenha uma pena superior a três anos de prisão ou se enquadre na legislação que determina os casos em que são admitidas as escutas
Rui Cardoso admite haver “órgãos de polícia criminal a mais” e que muitos deles “estão habituados a ser autoridades administrativas”, mas não considera esse fenómeno o cerne da questão: “O meio de obtenção de prova não está ao serviço de um órgão mas de um crime. E quem autoriza c sempre um juiz de instrução.”
Os mais favoráveis à proposta de Teixeira da Cruz são mesmo os advogados: a Ordem emitiu um parecer favorável. O penalista Saragoça da Matta, ouvido pelo i, defende que a limitação “faz todo o sentido pois está em causa um meio de obtenção de prova que nunca devia estar nas mãos de uma infinidade de instituições”. “Que sentido faz que até entidades de fiscalização económica possam fazer escutas?”, questiona, lembrando que “nem sempre é claro em que condições podem ser feitas, já que os procedimentos variam de diploma para diploma”.
COMO SE ESCUTAM CHAMADAS
A lei O Código de Processo Penal (CPP) reserva quatro artigos às escutas. A gravação das conversas telefónicas só pode ser autorizada durante um inquérito se houver razões para crer que é um instrumento indispensável à descoberta da verdade. E só se aplica nalguns crimes, nomeadamente os puníveis com pena de prisão superior a três anos, tráfico de estupefacientes, detenção de arma proibida, tráfico de armas, contrabando ou outros como a ameaça, desde que seja cometida através do telefone.
Espaço Todas as conversas ficam gravadas num sistema que só existe nas delegações da PJ, mas as escutas podem ser pedidas por outros órgãos de polícia criminal, desde que as suspeitas recaiam sobre aqueles crimes.
Burocracia Esqueça a ideia de que a PJ carrega num botão e começa a ouvir as suas conversas telefónicas. O processo para chegar a uma escuta telefónica legal é muito mais burocrático e longe de instantâneo: as polícias têm de ter fortes suspeitas do seu envolvimento num crime, o MP tem de concordar que ter o seu número sob escuta será útil à investigação e o juiz, por fim, terá de aprovar.
Autorização A autorização é comunicada em envelope fechado ou por correio registado à PJ. O inspector contacta a respectiva operadora telefónica e pede que todas as chamadas feitas e recebidas por aquele número passem a ser desviadas para a Judiciária. É como se fosse uma conferência a três.
Regras O acesso às salas da PJ só pode ser feito por funcionários devidamente autorizados e através de um cartão magnético. Cada um tem um username e uma senha, pessoais e intransmissíveis. No final gravam-se num CD as conversas que o funcionário considera relevantes e noutro as irrelevantes e levam-se ao juiz. Todas as conversas são depois apagadas do sistema.
i | Segunda, 15 Julho 2013

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