Estão
há 18 anos à espera de uma decisão judicial no âmbito de um processo de
falência. Tribunal europeu condenou Estado a indemnizá-los por danos morais.
É uma das maiores indemnizações a
que o Estado português foi condenado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do
Homem: 1,087 milhões de euros, um montante superior ao total de multas contra
Portugal decididas em 2012 pelos juízes de Estrasburgo.
Em causa está mais uma vez a
morosidade da justiça portuguesa. Num acórdão divulgado nesta terça-feira, o
tribunal decidiu que 217 cidadãos, entre os quais alguns de nacionalidade
estrangeira, devem ser indemnizados por “danos morais” por
continuarem à espera de decisões judiciais em processos que têm entre 14 a 18
anos de duração e que dizem respeito à devolução de 11,5 milhões de
euros de que os queixosos se afirmam credores na sequência de um processo de
falência de uma sociedade hoteleira iniciado em 1993.
A 203 dos
queixosos o tribunal decidiu que devem ser pagas indemnizações de cinco mil
euros. Os outros 15 receberão 4800 euros. “Fez-se alguma justiça”,
comentou ao PÚBLICO o advogado Bernardino Duarte, que os tem representado desde
o início nesta saga. Conta que muitos destes seus clientes têm agora 80 ou mais
anos e que a sua situação económica também mudou: “Vários deles estão em lares
e têm problemas financeiros. Este dinheiro sempre é uma ajuda”.
Na queixa
apresentada em 2009 ao tribunal de Estrasburgo, Bernardino Duarte acusava o
Tribunal de Vila real de Santo António e a 6ª Vara Cível de Lisboa de terem
ignorado o que se encontra estipulado na Convenção Europeia dos Direitos
do Homem, que reconhece a qualquer pessoa o direito de ver a sua causa
examinada por um tribunal num “prazo razoável”. Durante o processo, o
Governo português, embora tenha reconhecido a demora nos processos,
apelou ao tribunal que tivesse em conta na sua decisão tanto a
“complexidade” do caso, como o montante dos créditos ( 34 milhões de euros)
reclamados pelas diversas partes lesadas no processo de falência da antiga
sociedade proprietária do Hotel Neptuno , em Monte Gordo.
No
acórdão ontem divulgado, os juízes de Estrasburgo reconhecem que o processo
reveste “uma certa complexidade”, mas que esta não justifica uma demora
que apelidam de “excessiva” e que não responde à exigência do “prazo razoável”
requerido na convenção dos direitos humanos, que consideram ter sido violada
pelo Estado português. “O tribunal reafirma que compete ao Estados organizar o
seu sistema judiciário de modo a que possa garantir a cada um o direito de
obter uma decisão definitiva num prazo razoável”, argumenta-se também na
sentença.
Os
lesados são pessoas que no final dos anos 80 celebraram contratos promessa para
a aquisição de apartamentos situados no então Hotel Neptuno ( agora
Yellow Hotel) ou para habitação periódica (timeshare). Em 1993, com o
início do processo de falência da sociedade proprietária daquele hotel,
reclamaram que lhes fosse devolvido o que tinham investido. O processo passou
de Lisboa para Vila Real de Santo António e a falência foi decretada em 1996,
depois de uma primeira sentença nesse sentido ter sido anulada, mas a lei
aplicada pelo tribunal neste caso foi contestada pelos lesados porque não era a
que se encontrava em vigor à data do início do processo de falência. Esta
ilegalidade foi reconhecida, em 2001 e 2002, em acórdãos do Tribunal da
Relação de Évora e do Supremo Tribunal de Justiça. Só que quando tal
aconteceu já o edifício do hotel tinha sido vendido, o que segundo
Bernardino Duarte foi possível apenas devido à aplicação, pelo tribunal,
da legislação errada.
Entretanto,
e ainda antes da venda do edifício, o liquidatário judicial nomeado pelo
tribunal vedou a entrada nos apartamentos aos seus proprietários. Foram
interpostas sete providências cautelares de restituição da posse
destes apartamentos junto do Tribunal d e Vila Real de Santo António. Só
duas foram deferidas, apesar de todos elas terem requerimentos idênticos.
Em Outubro de 2001, o edifício entrou em obras de remodelação
profunda e todos os apartamentos foram destruídos para dar origem a suites.
Em 2007,
através de Bernardino Duarte, os lesados apresentaram uma acção contra o
Estado português no Tribunal de Vila Real de Santo António que passou depois
para o Tribunal Administrativo de Loulé, onde ainda se encontra pendente.
Afirmam que foram violados, entre outros, o direito à propriedade privada
e à inviolabilidade do domicílio e também “o principio da confiança”. Foi
ainda violado, frisam, o “direito a uma justiça célere”. Segundo o
advogado, o processo de reclamação dos créditos foi entretanto retirado ao
tribunal de Vila Real de Santo António e entregue pelo Conselho Superior de
Magistratura a uma juíza de Castelo Branco. Pelo menos 13 dos lesados
morreram desde que o caso foi entregue à justiça.
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