O
estudo revela, a diversos níveis, uma dimensão alargada e realista da justiça,
enquanto actividade confluente mas dialéctica, conduzida por distintas
profissões
Tomei conhecimento,
recentemente, de uma valiosa tese de doutoramento em Sociologia, de João Paulo
Dias, que trata do papel do Ministério Público (MP) no acesso ao direito e à
justiça.
É um estudo aprofundado, que observa a questão da efectividade da
justiça de um ângulo inovador e profícuo. Revela, a diversos níveis, uma
dimensão alargada e realista da justiça enquanto actividade confluente mas
dialéctica, conduzida por distintas profissões que contribuem para a sua
realização.
Esta tese debruça-se especialmente sobre o papel do MP. Não
essencialmente sobre o seu papel de titular da acção penal, aquele pelo qual
tal instituição é mais conhecida, mas sobre um outro, de que o Ministério
Público também está incumbido: o de constituir uma ponte privilegiada na ligação
entre os tribunais e os cidadãos.
Esta dimensão tem estado, na verdade, muito arredada das
preocupações políticas com a justiça.
Isto não resulta apenas dos interesses económicos de certas
corporações, que algumas políticas de justiça coniventes foram capazes de impor
num passado recente, mas derivou, inclusive, de um esmorecimento identitário
próprio, que desviou o olhar do MP e, bem assim, da sua hierarquia daquela
relevante função social.
Mobilizado para um “produtivismo” estatístico de resultados
visíveis e mediáticos, o MP passou a preocupar-se mais com os números dos
arquivamentos, a proporção das acusações ou - infelizmente menos - com os
sucessos obtidos em julgamento de processos-crime.
Na sombra - interna e externa - quedou-se, entretanto, o seu papel
na jurisdição laboral, na de menores e família e na administrativa, actividades
que ainda fazem do MP português um exemplo de proactividade na concretização
dos direitos e da cidadania e que nenhuma outra instituição, pública ou
privada, é, por ora, capaz de assegurar com mais eficiência e economia.
A recente nomeação para a chefia do DCIAP - no caso um magistrado
da área administrativa - constitui, por isso, uma feliz novidade que, estou
seguro, muito poderá contribuir para iluminar de novo a importância sistémica
daquelas outras vocações do MP.
O que quero destacar da referida tese de doutoramento é, todavia,
a importância dada a uma actividade, hoje pouco realçada e que o MP, com
proveito público, já desenvolveu mais empenhadamente: refiro-me ao atendimento
regular, próximo e gratuito dos cidadãos.
Tal função, além de contribuir para a eficiência da justiça e a
realização de uma cidadania mais completa, sempre permitiu, e bem, o
desenvolvimento humano e profissional dos magistrados do MP.
O contacto directo e pessoal com os cidadãos e os seus problemas
conduziu a que muitos magistrados não começassem demasiado cedo a olhar a
realidade da vida através de uma folha de papel A4 ou de um visor de
computador.
Quando hoje se fala da necessidade de os magistrados compreenderem
melhor a realidade e, por isso, agirem com mais sentido do razoável, seria pois
imperativo que se atentasse mais nesta outra dimensão dessa função.
Se a formação permanente, a especialização e a
interdisciplinaridade das equipas são fundamentais para a eficiência e a
eficácia de um MP moderno, o contacto directo dos magistrados com os cidadãos
reais e os seus problemas prementes é também essencial para que todos os
assuntos, mesmo os mais relevantes, possam depois ser tratados com a sensatez,
que só a experiência da vida pode proporcionar.
Jurista e presidente da MEDEL
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