por JOSÉ
MANUEL PUREZA
Caros senhores, junto-me à inesperada troca de
correspondência que vos tem tido como destinatários, convicto de que, enquanto
altos funcionários de instituições que juntam Estados democráticos, vos
interessa, mais que tudo, saber o que pensam sobre o vosso desempenho os
cidadãos dos países que mantêm vivas as vossas organizações, vos dão emprego e
vos pagam. Aqui fica a minha, em três pontos.
Primeiro,
acho que a vossa incompetência é confrangedora. Não há uma previsão vossa sobre
o meu país que esteja certa e não há uma política por vós advogada que não
agrave os problemas. Francamente não tenho dúvidas de que, se vos fossem
aplicados a vós os critérios que quereis aplicar à grande maioria dos meus
concidadãos, seríeis despedidos num ápice por inadaptação ao rigor exigido
pelos vossos postos de trabalho. Permitam-me aliás que chame a vossa atenção
para que, nos partidos que formam a coligação de governo que é vossa
representante em Portugal, é muito forte a ideia de criminalizar os decisores
de políticas que endividam brutalmente o país. Logo se verá se defendem isso
para os membros do atual governo mas, estando a vossa incompetência a gerar um
adicional mensal de dívida de muitas centenas de milhares de milhões de euros,
deveis temer vir a ser atirados para os calabouços por estes vossos
apaniguados.
Em segundo
lugar, acho que sois responsáveis pelo maior ataque à democracia em Portugal
desde 1974. Sei que isso não vos incomoda, desde logo porque o vosso trabalho é
governar países sem a legitimação do voto. Governais no mais autocrático dos
registos porque não prestais contas a ninguém a não ser aos manipuladores de
gigantescos fluxos de dinheiro para ganhos especulativos. Essa vossa cultura
não democrática está a matar a democracia em Portugal. E não, não é um efeito
colateral das políticas por vós impostas, é mesmo o efeito central. Porque ao
degradardes até ao limite as vidas de quem pouco ou nada tem e ao impordes a
continuação deste caminho por décadas à nossa frente, tendes plena consciência
de que tirais o direito a ter direitos a milhões de compatriotas meus. E ao
quererdes amarrar às vossas políticas áreas da oposição ao vosso governo estais
a dizer-nos que isto de ser governo ou ser oposição é a mesma coisa, só muda o
pormenor ou o estilo. Pois que a democracia seja para vós um pormenor é
suficiente para que um país democrático vos considere companhias indesejáveis.
Em terceiro
lugar, acho que estais a destruir o meu país. Nada que não tenhais feito um
pouco por todo o mundo antes. Os que contrariaram corajosamente os vossos
delírios sobreviveram e cresceram. Foi assim na Argentina, na Malásia, na
Islândia. Agora é a nossa vez. A vossa receita é a dos físicos medievais que
sangravam o doente supostamente para lhe dar mais força mas que de tanto o
sangrarem o matavam. As vossas imposições de despedimentos baratos de milhões
de pessoas, de salários miseráveis para a maioria, de tratamento desapiedado
dos desempregados, dos velhos e dos doentes, da condenação dos jovens mais
talentosos à precariedade e de extinção dos serviços públicos de saúde, de
educação ou de segurança social são as sangrias deste tempo. O país exangue que
estais a criar é evidentemente incapaz de pagar uma dívida que, às vossas mãos,
fica cada dia mais sufocante. A vossa estratégia é pois a da nossa destruição.
Deixai que,
com a mesma franqueza com que vos dei a minha opinião sobre o vosso desempenho,
acrescente apenas uma nota. A vossa política incompetente e irresponsável
quer-nos roubar a democracia e destruir-nos. Resistiremos. Porque somos
daqueles a quem nem isto nos tira a força anímica. E sobretudo não nos tira o
sentido da dignidade como povo e como país.
Diário de
Notícias, 20-4-2013
Sem comentários:
Enviar um comentário