sábado, 20 de abril de 2013

A minha carta à "troika"


por JOSÉ MANUEL PUREZA
Caros senhores, junto-me à inesperada troca de correspondência que vos tem tido como destinatários, convicto de que, enquanto altos funcionários de instituições que juntam Estados democráticos, vos interessa, mais que tudo, saber o que pensam sobre o vosso desempenho os cidadãos dos países que mantêm vivas as vossas organizações, vos dão emprego e vos pagam. Aqui fica a minha, em três pontos.
Primeiro, acho que a vossa incompetência é confrangedora. Não há uma previsão vossa sobre o meu país que esteja certa e não há uma política por vós advogada que não agrave os problemas. Francamente não tenho dúvidas de que, se vos fossem aplicados a vós os critérios que quereis aplicar à grande maioria dos meus concidadãos, seríeis despedidos num ápice por inadaptação ao rigor exigido pelos vossos postos de trabalho. Permitam-me aliás que chame a vossa atenção para que, nos partidos que formam a coligação de governo que é vossa representante em Portugal, é muito forte a ideia de criminalizar os decisores de políticas que endividam brutalmente o país. Logo se verá se defendem isso para os membros do atual governo mas, estando a vossa incompetência a gerar um adicional mensal de dívida de muitas centenas de milhares de milhões de euros, deveis temer vir a ser atirados para os calabouços por estes vossos apaniguados.
Em segundo lugar, acho que sois responsáveis pelo maior ataque à democracia em Portugal desde 1974. Sei que isso não vos incomoda, desde logo porque o vosso trabalho é governar países sem a legitimação do voto. Governais no mais autocrático dos registos porque não prestais contas a ninguém a não ser aos manipuladores de gigantescos fluxos de dinheiro para ganhos especulativos. Essa vossa cultura não democrática está a matar a democracia em Portugal. E não, não é um efeito colateral das políticas por vós impostas, é mesmo o efeito central. Porque ao degradardes até ao limite as vidas de quem pouco ou nada tem e ao impordes a continuação deste caminho por décadas à nossa frente, tendes plena consciência de que tirais o direito a ter direitos a milhões de compatriotas meus. E ao quererdes amarrar às vossas políticas áreas da oposição ao vosso governo estais a dizer-nos que isto de ser governo ou ser oposição é a mesma coisa, só muda o pormenor ou o estilo. Pois que a democracia seja para vós um pormenor é suficiente para que um país democrático vos considere companhias indesejáveis.
Em terceiro lugar, acho que estais a destruir o meu país. Nada que não tenhais feito um pouco por todo o mundo antes. Os que contrariaram corajosamente os vossos delírios sobreviveram e cresceram. Foi assim na Argentina, na Malásia, na Islândia. Agora é a nossa vez. A vossa receita é a dos físicos medievais que sangravam o doente supostamente para lhe dar mais força mas que de tanto o sangrarem o matavam. As vossas imposições de despedimentos baratos de milhões de pessoas, de salários miseráveis para a maioria, de tratamento desapiedado dos desempregados, dos velhos e dos doentes, da condenação dos jovens mais talentosos à precariedade e de extinção dos serviços públicos de saúde, de educação ou de segurança social são as sangrias deste tempo. O país exangue que estais a criar é evidentemente incapaz de pagar uma dívida que, às vossas mãos, fica cada dia mais sufocante. A vossa estratégia é pois a da nossa destruição.
Deixai que, com a mesma franqueza com que vos dei a minha opinião sobre o vosso desempenho, acrescente apenas uma nota. A vossa política incompetente e irresponsável quer-nos roubar a democracia e destruir-nos. Resistiremos. Porque somos daqueles a quem nem isto nos tira a força anímica. E sobretudo não nos tira o sentido da dignidade como povo e como país.
Diário de Notícias, 20-4-2013

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