Público - 04/02/2013 - 00:00
Segundo o TC, os contratos não podiam ser renovados. Dirigente
alegou que as prisões ficariam sem comida por três meses
A Direcção-Geral dos
Serviços Prisionais (DGSP) prorrogou quatro contratos de fornecimento de
serviços de alimentação confeccionada a 32 cadeias em todo o país de forma
ilegal. Em causa estão contratos no valor de mais de três milhões de euros
renovados em 2011. O Tribunal de Contas (TC), num relatório recente ao qual o
PÚBLICO teve acesso, considera que quatro dos 14 contratos, celebrados já em
2007, 2008 e 2009, não poderiam ser prorrogados. Já tinham sido renovados duas
vezes e alcançado o limite previsto.
De acordo com os
magistrados, os contratos, usados pela DGSP em Março de 2011, só poderiam ter
legalmente vigorado até Dezembro de 2010. O TC considera que os contratos
"adicionais" eram, na verdade, contratos novos, pelo que deveriam ter
sido sujeitos a concurso público e à fiscalização prévia do tribunal - o que
não se verificou. "A prorrogação do respectivo prazo não era admissível.
Tratando-se de contratos novos e não meras prorrogações, o procedimento prévio
à adjudicação legalmente exigível era o concurso público", diz o tribunal.
Os magistrados imputam as
irregularidades à directora dos Serviços de Gestão de Recursos Financeiros e
Patrimoniais e à subdirectora-geral dos Serviços Prisionais, mas concluem pela
inexistência de responsabilidade financeira das mesmas, por não terem agido com
dolo e por atender aos seus argumentos, não aplicando sanção. "É uma
opinião do tribunal. O processo foi arquivado", disse ao PÚBLICO o
director-geral dos Serviços Prisionais, Rui Sá Gomes.
As responsáveis indicadas alertam,
na fase de alegações citadas no relatório do tribunal, que o lançamento de um
concurso público "com publicidade internacional" como os magistrados
exigem "nos termos preconizados no relato de auditoria, deixaria a
população reclusa sem se alimentar aproximadamente três meses". Isto
porque, alegam, o concurso teria "um prazo de execução de 85 dias", o
que iria ultrapassar o mês de Janeiro e criar um vazio de tempo entre a
impossibilidade de renovar contratos anteriores e a necessidade de novos contratos.
Dizem ainda que esta "se mostrou a única via possível para que o Estado
pudesse cumprir uma obrigação vital que sobre si impende, de ordem
constitucional e supraconstitucional", remetendo para a Convenção Europeia
dos Direitos Humanos, que é a "obrigação de assegurar que a população
reclusa é alimentada". O próprio tribunal assume que essas "são
circunstâncias relevantes que militam a favor" das responsáveis, assim
como o facto de "não terem agido com dolo".
Para além disso, a
celebração dos contratos adicionais foi autorizada por despacho dos então
ministro da Justiça e do ministro de Estado e das Finanças em Março de 2011,
sublinha o relatório do tribunal datado de final do ano passado.
Segundo o TC, as ordens de
pagamento, que permitiram realizar a despesa em causa, foram assinadas, quando
os contratos em causa já não vigoravam legalmente. O Tribunal de Contas
salienta também que, apesar das etapas legais não cumpridas, o montante
previsto nos contratos foi quase todo utilizado. "Constatou-se, porém, que
os contratos em apreço produziram todos os efeitos materiais e quase todos os
efeitos financeiros antes que este tribunal se pronunciasse, em sede de
fiscalização prévia, sobre os mesmos", refere o documento que evidencia
"ilegalidades" na contratação.
"Tendo-se verificado
que a quase totalidade dos pagamentos foram autorizados e efectivamente
realizados, sem que os contratos que lhes deram origem tenham sido apreciados
por este tribunal, em sede de fiscalização prévia, conclui-se que com a prática
destes actos (...) se está perante violação das normas sobre pagamento de
despesas públicas", referem ainda os juízes.
Os magistrados lembram ainda
no relatório que a "DGSP é uma entidade compradora vinculada, pelo que lhe
está vedada a possibilidade de adoptar procedimentos tendentes à contratação
directa de bens ou serviços relativamente aos quais já existam acordos quadro
celebrados pela Agência Nacional de Compras Públicas". A DGSP pretendia
estender o prazo dos contratos para assegurar o fornecimento do serviço até à
conclusão de um concurso em curso, mas um dos concorrentes apresentou uma
providência cautelar que "fez suspender os prazos", sendo por isso
necessário celebrar "novos adicionais", admite o Tribunal de Contas.
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