segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Tribunal de Contas aponta ilegalidades em 14 contratos para fornecer comida a cadeias

PEDRO SALES DIAS 
Público - 04/02/2013 - 00:00
Segundo o TC, os contratos não podiam ser renovados. Dirigente alegou que as prisões ficariam sem comida por três meses
A Direcção-Geral dos Serviços Prisionais (DGSP) prorrogou quatro contratos de fornecimento de serviços de alimentação confeccionada a 32 cadeias em todo o país de forma ilegal. Em causa estão contratos no valor de mais de três milhões de euros renovados em 2011. O Tribunal de Contas (TC), num relatório recente ao qual o PÚBLICO teve acesso, considera que quatro dos 14 contratos, celebrados já em 2007, 2008 e 2009, não poderiam ser prorrogados. Já tinham sido renovados duas vezes e alcançado o limite previsto.
De acordo com os magistrados, os contratos, usados pela DGSP em Março de 2011, só poderiam ter legalmente vigorado até Dezembro de 2010. O TC considera que os contratos "adicionais" eram, na verdade, contratos novos, pelo que deveriam ter sido sujeitos a concurso público e à fiscalização prévia do tribunal - o que não se verificou. "A prorrogação do respectivo prazo não era admissível. Tratando-se de contratos novos e não meras prorrogações, o procedimento prévio à adjudicação legalmente exigível era o concurso público", diz o tribunal.
Os magistrados imputam as irregularidades à directora dos Serviços de Gestão de Recursos Financeiros e Patrimoniais e à subdirectora-geral dos Serviços Prisionais, mas concluem pela inexistência de responsabilidade financeira das mesmas, por não terem agido com dolo e por atender aos seus argumentos, não aplicando sanção. "É uma opinião do tribunal. O processo foi arquivado", disse ao PÚBLICO o director-geral dos Serviços Prisionais, Rui Sá Gomes.
As responsáveis indicadas alertam, na fase de alegações citadas no relatório do tribunal, que o lançamento de um concurso público "com publicidade internacional" como os magistrados exigem "nos termos preconizados no relato de auditoria, deixaria a população reclusa sem se alimentar aproximadamente três meses". Isto porque, alegam, o concurso teria "um prazo de execução de 85 dias", o que iria ultrapassar o mês de Janeiro e criar um vazio de tempo entre a impossibilidade de renovar contratos anteriores e a necessidade de novos contratos. Dizem ainda que esta "se mostrou a única via possível para que o Estado pudesse cumprir uma obrigação vital que sobre si impende, de ordem constitucional e supraconstitucional", remetendo para a Convenção Europeia dos Direitos Humanos, que é a "obrigação de assegurar que a população reclusa é alimentada". O próprio tribunal assume que essas "são circunstâncias relevantes que militam a favor" das responsáveis, assim como o facto de "não terem agido com dolo".
Para além disso, a celebração dos contratos adicionais foi autorizada por despacho dos então ministro da Justiça e do ministro de Estado e das Finanças em Março de 2011, sublinha o relatório do tribunal datado de final do ano passado.
Segundo o TC, as ordens de pagamento, que permitiram realizar a despesa em causa, foram assinadas, quando os contratos em causa já não vigoravam legalmente. O Tribunal de Contas salienta também que, apesar das etapas legais não cumpridas, o montante previsto nos contratos foi quase todo utilizado. "Constatou-se, porém, que os contratos em apreço produziram todos os efeitos materiais e quase todos os efeitos financeiros antes que este tribunal se pronunciasse, em sede de fiscalização prévia, sobre os mesmos", refere o documento que evidencia "ilegalidades" na contratação.
"Tendo-se verificado que a quase totalidade dos pagamentos foram autorizados e efectivamente realizados, sem que os contratos que lhes deram origem tenham sido apreciados por este tribunal, em sede de fiscalização prévia, conclui-se que com a prática destes actos (...) se está perante violação das normas sobre pagamento de despesas públicas", referem ainda os juízes.
Os magistrados lembram ainda no relatório que a "DGSP é uma entidade compradora vinculada, pelo que lhe está vedada a possibilidade de adoptar procedimentos tendentes à contratação directa de bens ou serviços relativamente aos quais já existam acordos quadro celebrados pela Agência Nacional de Compras Públicas". A DGSP pretendia estender o prazo dos contratos para assegurar o fornecimento do serviço até à conclusão de um concurso em curso, mas um dos concorrentes apresentou uma providência cautelar que "fez suspender os prazos", sendo por isso necessário celebrar "novos adicionais", admite o Tribunal de Contas.

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