Público - 08/01/2013 - 15:43
Não foi mais do que o sonho de
uma noite de Verão, a de que o modelo americano de Justiça se poderia transpor
para Portugal. A operação foi bem organizada mas o poder político não arriscou.
Danos colaterais: ficaram evidentes as fragilidades do sistema.
As condições pareciam propícias.
Primeiro, Pinto Monteiro chegava
ao fim do seu consulado como Procurador-Geral da República ante a ideia de que
o Ministério Público eram bolsas autónomas de poder e não uma hierarquia
organizada sob a regência do Palácio de Palmela.
O PGR vivia sob a suspeita
permanente de que os processos de “certas e determinadas pessoas” corriam sob a
sua alçada. Exigia-se, pois, a fiscalização democrática da Justiça pela
participação popular, uma justiça pelo povo e para o povo.
Depois, a lentidão dos processos
fazia constante notícia nos jornais, estava no auge a campanha de que os
poderosos conseguiam através do expediente processual retardar a Lei,
salvando-se dela. Reclamava-se, por isso, a celeridade e a eficácia, os
critérios de excelência eram os que o senhor Henry Ford impôs nas suas fábricas
de automóveis.
O admirável mundo novo tinha
então o seu tempo histórico.
Politicamente, a esquerda
judiciária tinha tido a sua oportunidade na geração antecedente, guindada ao
sindicalismo e mesmo à função de modo a prosseguir com ela, até no foro, a luta
de classes por outros meios. Tinham sido os tempos da gestão processual por
critérios de selectividade, a criminalização retumbante de uns em detrimento de
outros, a prescrição como modo de agraciamento do incómodo, a estigmatização de
certas classes, de certas pessoas, de determinadas organizações.
Agora, supostamente mortas as
ideologias, rendidos os seus radicais antecessores, os soixante-huitards das barricadas, às prebendas do
capitalismo financeiro e às alcatifas do poder eurocrático, surgia a nova vaga
da tecnocracia intelectual, misto de pragmatismo moral e de funcionalismo
estatutário, para quem a Justiça era em breve uma forma de resolver processos
com rapidez já que, afinal, anos de cultura inspectiva fazia com que a
estatística contasse decisivamente para a promoção e, por essa forma, uma
engenharia social, tal como a sanitária.
O “sonho americano” teve, então a
sua janela de oportunidade. Foi título da revista Sub
Judice na
primavera de 1998, cantando então loas às virtudes do Supremo Tribunal enquanto
órgão de poder na Federação dos Estados Unidos da América.
Seria o 2011 que traria, enfim, a
possibilidade de se ir mais longe. De Coimbra o professor Figueiredo Dias
emprestaria a sua indiscutível autoridade académica a uma ideia discutível: a
da justiça negociada na forma dos acordos sobre a sentença penal,
transacionada, em regime paritário, entre o acusador público o acusado e seu
defensor e com envolvimento do próprio juiz a quem caberia julgar o caso. Com
uma precisão científica a Associação Sindical dos Juízes Portugueses, em
mudança de direcção, traria a ideia como bandeira programática para o campo da
discussão.
Que resultou? No plano legal,
nada, porque a Constituição impede esta justiça da combina e da transacção,
permitindo embora que o consenso opere nos casos em que já foi consagrado por
lei no domínio do Código de Processo Penal.
Mostraram-se, isso foi, as
fissuras do edifício judiciário: ante a inacção do PGR, houve Procuradorias
Distritais que emitiram orientações que viabilizam o sistema, outras omitiram
conhecê-lo. Há, pois tribunais em que sim e tribunais em que não.
Sem comentários:
Enviar um comentário