quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Empresas querem tribunal para grandes conflitos económicos



Empresários entendem que os grandes litígios devem ser julgados por juizes com vocação económica. Ministério da Justiça descarta a sugestão no momento em que se inicia mais um ano judicial.

Empresas querem tribunal para grandes conflitos económicos

Empresários entendem que mega-litígios deviam ser julgados por juizes com vocação económica. Ministério descarta sugestão. Arranca hoje ano judicial.

Inês David Bastos

As empresas querem que seja criada em Portugal um 'tribunal' especializado nos mega-processos económicos, isto é, nos conflitos de maior complexidade. Esta é uma das propostas que as empresas portuguesas deixam ao poder executivo no recente estudo sobre "Justiça Económica", com o objectivo de tornar mais rápidas e eficazes as decisões judiciais e de colocar a justiça ao serviço da economia, uma das exigências da 'troika'.

Com mais um ano judicial a começar simbolicamente - a cerimónia de abertura decorre esta tarde no Supremo Tribunal de Justiça (ver texto ao lado) -, as empresas vivem na expectativa de que as reformas em curso possam trazer nos próximos anos boas notícias para a actividade económica. Mas as dúvidas de especialistas, de alguns empresários e de advogados são muitas, porque o revisão do Código de Processo Civil e do modelo judiciário não abarcam grande parte das exigências das empresas. Nomeadamente, a criação de uma "secção especializada para litigância complexa".

No estudo levado a cabo pela Fundação Francisco Manuel dos Santos e pela Associação Comercial de Lisboa, onde as empresas dão nota negativa ao funcionamento da justiça, é sugerida a conversão de varas cíveis de Lisboa e Porto numa secção especializada para mega-processos económicos, onde a complexidade dos instrumentos financeiros em causa justifica a intervenção de um juiz com formação e "vocação" específica em economia e negócios, tal como existe no modelo irlandês. 

"Esta secção dedicar-se-ia a casos mais complexos escolhidos de acordo com o seu valor, impacto económico e complexidade de facto e direito", lêse no documento. Nuno Garoupa, coordenador do estudo, diz ao Diário Económico que a ideia de criar um tribunal específico para os litígios económico-financeiros complexos "esteve em cima da mesa" quando foi debatida a criação dos tribunais da concorrência e propriedade intelectual, tendo sido abandonada por questões de competência com os tribunais de comércio (ver entrevista em baixo) . 

A escolha do juiz seria feita por "recrutamento próprio", ou seja, concurso em separado, e os magistrados afectos à secção poderiam variar fendo em conta a variação da litigância complexa de acordo com a conjuntura económica. Isto é, se actualmente, em período de crise, os processos de maior complexidade podem estar relacionados com o incumprimento de operações de financiamento ou de falências, no futuro, em períodos de pujança económica, as acções mais complexas serão, por exemplo, as relacionadas com a execução de projectos de valor avultado.

"Existem litígios hiper-complexos que estão nàs varas cíveis e que estariam melhor integrados num tribunal especializado", comenta em declarações ao Diário Económico Nuno Líbano Monteiro, da PLMJ, que lembra que, em Paris, no Tribunal de Comércio, já existe esta especialização.

A morosidade da justiça e a demora na tomada de uma decisão judicial continua a ser apontada como um dos principais problemas do sistema e responsável pelo descrédito dos operadores e a falta de confiança dos cidadãos. As empresas confirmam que esta morosidade cria mais entraves à sua actividade e à economia do que os impostos e até a obtenção de crédito. Só mesmo a crise económico, afiançam, causa mais preocupação que o "mau funcionamento da justiça".

Em declarações ao Diário Económico, fonte oficial do Ministério da Justiça descarta, contudo, esta possibilidade, lembrando que ela não está prevista no projecto da reorganização judiciária. Esta fonte explica que o que "faz sentido" é que os tribunais que existem actualmente dêem uma resposta rápida às solicitações das empresas. E acrescenta: "É essa a aposta do nosso trabalho".

A batalha judicial da empresa Kyaia

A Kyaia, o maior grupo de calçado português, tem a correr no tribunal um processo contra as empresas Seaside e Bianca há mais de dois anos por cópia de modelos da sua marca própria Fly London. Para Fortunato Frederico, presidente da Kyaia, a decisão judicial é demasiado lenta, o que acaba por beneficiar os prevaricadores. "Os processos deste género, que não implicam crime, ofensas corporais, deviam ter um julgamento rápido, que demonstrasse que não vale a pena copiar", diz o empresário. Os custos do processo não são relevantes para o grupo Kyaia. 0 tempo perdido na justiça e os prejuízos que derivam da cópia dos modelos tardam é a resolverse. "A justiça tem de ser mais rápida para certo tipo de abusos, o tribunal deveria decidir rapidamente o valor da indemnização e obrigar a pagar", salienta Fortunato Frederico. Para o empresário, a morosidade da justiça é um problema para a actividade das empresas. S.S.P.

TRÊS PERGUNTAS A...

NUNO GAROUPA

Investigador e coordenador do estudo sobre "Justiça Económica"

"É preciso juizes especializados em litígios económicos

Nuno Garoupa diz que 2013 ainda não será o ano em que a Justiça estará ao serviço da economia.

- Que tipo de conflitos complexos é que ficariam a cargo deste tribunal especializado?

- Este tribunal já existe em Dublin e é um sistema em que os conflitos económicos complexos saem dos tribunais comuns porque exige-se um maior conhecimento económico. Estamos a falar de grandes negócios entre empresas ou com o Estado em que os contratos incluem instrumentos financeiros complexos, como 'project finance'. Ou de conflitos no campo das PPP. Não temos juizes especializados nestes grandes conflitos económicos e é necessário ter.

- É possível aplicar este sistema em Portugal?

- Já esteve em cima da mesa a criação de um tribunal mas a ideia foi abandonada. Basta reorganizar as varas cíveis de Lisboa e Porto, onde estão estes litígios.

- Vai ser este ano que a Justiça muda e fica ao serviço da economia?

- Ainda não, os problemas vão continuar por muitos anos, embora as reformas em curso tragam algumas melhorias. Muitas das propostas das empresas não têm acolhimento neste código de processo civil. I.D.B.

Estreia da Procuradora e despedida de Noronha

Será a primeira vez que Joana Marques Vidal, nomeada em Outubro como nova Procuradora Geral da República, falará numa cerimónia de abertura do ano judicial. Em contrapartida, Noronha do Nascimento intervirá pela última vez. 0 presidente do Supremo Tribunal de Justiça atinge o limite de idade a 2 de Dezembro e deverá abandonar antes o cargo.

Magistrados em protesto contra Governo

Os magistrados do Ministério Público estão a mobilizar-se para aparecem hoje nas instalações do Supremo Tribunal de Justiça, onde decorre a cerimónia de abertura do ano judicial, vestidos de beca. Uma forma simbólica de protesto contra a forma como o Governo está a consolidar as contas públicas. Na óptica dos magistrados, violando a Constituição.

Marinho Pinto está de saída e voltará ao discurso político

Marinho Pinto, bastonário da Ordem dos Advogados, que mantém há muito uma relação tensa e conflituosa com a ministra da Justiça, será hoje o primeiro a discursar e fará, de novo, um discurso marcadamente político e crítico para Governo e juizes. Marinho cumpre o último ano como bastonário. A campanha para eleições na Ordem já está no terreno. Reformas estão para aprovação no Parlamento Aquelas que são tidas como as duas principais reformas já estão no Parlamento para aprovação e farão parte, certamente, dos discursos que hoje serão feitos no STJ, nomeadamente do Presidente da República e Ministra. O Código de Processo Civil e o novo Mapa Judiciário vão marcar o mundo judiciário em 2013 e 2014.
Diário Económico, 30-01-2013

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