Por:
Fernanda Palma, Professora Catedrática de Direito Penal
Pode o Presidente da
República, apesar de ter dúvidas sobre a constitucionalidade do Orçamento do
Estado, não utilizar o mecanismo consagrado na Constituição para pedir a sua
fiscalização preventiva? É legítimo que ele opte por um pedido de fiscalização sucessiva,
por razões políticas – nomeadamente, para evitar que o País fique sem
Orçamento?
Apesar
de se tratar de uma utilização ‘anormal’ dos poderes presidenciais, não há, na
Constituição, qualquer obstáculo formal que impeça essa opção. No entanto,
devemos ter presente que a fiscalização preventiva desempenha uma função
insubstituível, traduzindo-se no único meio de impedir a efetiva entrada em
vigor de qualquer lei inconstitucional.
Se existirem dúvidas acerca da constitucionalidade da lei, o
Presidente da República tem o poder/dever de tentar evitar a sua entrada em
vigor. Nessa fase, aliás, não vale a presunção de constitucionalidade das leis,
que só é aplicável após a sua promulgação e justifica, no âmbito da
fiscalização sucessiva, uma possível salvaguarda de efeitos já produzidos.
A fiscalização preventiva é, por conseguinte, um poder exclusivo
do Presidente que serve para evitar que a Constituição seja violada. O
Presidente só deve utilizar a fiscalização sucessiva quando não pôde pedir a
fiscalização preventiva (quanto a normas anteriores à sua entrada em funções ou
quando só mais tarde adquiriu a convicção da inconstitucionalidade).
A fiscalização sucessiva assenta na convicção de que a lei em
vigor é inconstitucional. Só isso justifica a destruição dos seus efeitos. Não
se trata já de um mecanismo de depuração prévia de eventuais inconstitucionalidades.
Nessa fase, o Presidente não deve utilizar o Tribunal Constitucional para
colocar dúvidas, pois a lei já está em vigor.
A possibilidade de o Presidente promulgar o Orçamento do Estado
para pedir depois a sua fiscalização sucessiva é uma espécie de fraude à lei,
porque perverte a razão de ser dos poderes presidenciais. Se o Presidente
promulga, os portugueses têm de confiar no significado constitucional desse
juízo, não devendo pensar que ele agiu com reserva mental.
No limite, só questões de pormenor que não afetassem o conjunto do
Orçamento (o que não é o caso) poderiam justificar a instrumentalização dos
meios de controlo da constitucionalidade. Por outro lado, o superior interesse
nacional nunca pode ser contrário à Constituição e justificar
inconstitucionalidades. Afinal, é a Constituição que define o interesse
nacional.
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