domingo, 23 de dezembro de 2012

Interesse nacional e Constituição

Sentir o Direito
Por: Fernanda Palma, Professora Catedrática de Direito Penal
Pode o Presidente da República, apesar de ter dúvidas sobre a constitucionalidade do Orçamento do Estado, não utilizar o mecanismo consagrado na Constituição para pedir a sua fiscalização preventiva? É legítimo que ele opte por um pedido de fiscalização sucessiva, por razões políticas – nomeadamente, para evitar que o País fique sem Orçamento?
Apesar de se tratar de uma utilização ‘anormal’ dos poderes presidenciais, não há, na Constituição, qualquer obstáculo formal que impeça essa opção. No entanto, devemos ter presente que a fiscalização preventiva desempenha uma função insubstituível, traduzindo-se no único meio de impedir a efetiva entrada em vigor de qualquer lei inconstitucional.
Se existirem dúvidas acerca da constitucionalidade da lei, o Presidente da República tem o poder/dever de tentar evitar a sua entrada em vigor. Nessa fase, aliás, não vale a presunção de constitucionalidade das leis, que só é aplicável após a sua promulgação e justifica, no âmbito da fiscalização sucessiva, uma possível salvaguarda de efeitos já produzidos.
A fiscalização preventiva é, por conseguinte, um poder exclusivo do Presidente que serve para evitar que a Constituição seja violada. O Presidente só deve utilizar a fiscalização sucessiva quando não pôde pedir a fiscalização preventiva (quanto a normas anteriores à sua entrada em funções ou quando só mais tarde adquiriu a convicção da inconstitucionalidade).
A fiscalização sucessiva assenta na convicção de que a lei em vigor é inconstitucional. Só isso justifica a destruição dos seus efeitos. Não se trata já de um mecanismo de depuração prévia de eventuais inconstitucionalidades. Nessa fase, o Presidente não deve utilizar o Tribunal Constitucional para colocar dúvidas, pois a lei já está em vigor.
A possibilidade de o Presidente promulgar o Orçamento do Estado para pedir depois a sua fiscalização sucessiva é uma espécie de fraude à lei, porque perverte a razão de ser dos poderes presidenciais. Se o Presidente promulga, os portugueses têm de confiar no significado constitucional desse juízo, não devendo pensar que ele agiu com reserva mental.
No limite, só questões de pormenor que não afetassem o conjunto do Orçamento (o que não é o caso) poderiam justificar a instrumentalização dos meios de controlo da constitucionalidade. Por outro lado, o superior interesse nacional nunca pode ser contrário à Constituição e justificar inconstitucionalidades. Afinal, é a Constituição que define o interesse nacional.

Sem comentários: