Saragoça da Matta - Nunca ninguém me conseguirá
convencer da validade jurídico-constitucional do conceito (aconstitucional) de
"disciplina de voto".
"A República Portuguesa é um estado de direito
democrático, baseado na soberania popular [...] e na separação e
interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica,
social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa" (art°
2.º Constituição da República Portuguesa).
"A soberania, una e indivisível, reside no
povo, que a exerce segundo as formas previstas na Constituição" (3.° CRP).
A forma do exercício dessa soberania pelo povo é "através do sufrágio
universal, igual, directo, secreto e periódico, do referendo e das demais
formas previstas na Constituição" (10.° CRP). É através das eleições que o
povo exerce o poder político, elegendo representantes seus para serem titulares
dos diversos órgãos de soberania (com excepção dos tribunais, que estão isentos
de escrutínio popular!).
Assim o povo elege, quadrienalmente, um parlamento,
do qual "sai" o governo da República (110.° CRP). Esse parlamento
"é a assembleia representativa de todos os cidadãos portugueses"
(147.° CRP), representado os deputados "todo o país" (152.° CRP).
Esses deputados "exercem livremente o seu mandato, sendo-lhes garantidas
condições adequadas ao eficaz exercício das suas funções" (155.° CRP). Por
isso, podem os deputados apresentar projectos de lei, de referendo, de
resoluções, participar e intervir em debates parlamentares, fazer perguntas ao
governo, requerer ao governo elementos e informações e votar (156.° CRP). E
também por isso "não respondem civil, criminal ou disciplinarmente pelos
votos e opiniões que emitirem no exercício das suas funções" (157.° CRP).
Em contrapartida, estão obrigados apenas a "comparecer às reuniões",
"desempenhar os cargos [...] para que sejam designados" e
"participar nas votações" (159.° CRP).
Compete-lhes, portanto, fiscalizar o governo e
tomar as opções fundamentais para a vida dos portugueses, por serem o
repositório último da nossa soberania. Os nossos 230 (!) deputados são o último
garante de que a vontade do povo que os elegeu é respeitada, que a soberania é
exercida pelo verdadeiro titular, que os actos do governo são fiscalizados, e
até impedidos, caso violem a Constituição ou sejam nocivos para o povo.
Assim que não consiga compreender, nem nunca
ninguém me conseguirá convencer, da validade jurídico-constitucional do
conceito (aconstitucional) de "disciplina de voto". Com tal
mecanismo, os partidos atiram pela janela a prerrogativa máxima de um deputado,
que é agir e votar apenas de acordo com a sua consciência e em obediência à
Constituição, à lei, à "salus populi". Com tal mecanismo, o deputado
verga-se à vontade de quem lhe permitiu ter o cargo, subjuga-se a quem lhe franqueou
a porta do parlamento e age conforme o intermediário lhe dita.
Como pode então fiscalizar seja o que for, promover
o que quer que seja, representar quem o mandatou? Nesta votação do Orçamento do
Estado para 2013, estas reflexões mostram que o nosso parlamentarismo está
muito longe do objectivo teórico de um sistema parlamentar. Cá Soberanos são os
partidos, não já o povo!
Saragoça da Matta, Advogado | ionline | 30-11-2012
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