sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Soberanos são os partidos, não o povo


Saragoça da Matta - Nunca ninguém me conseguirá convencer da validade jurídico-constitucional do conceito (aconstitucional) de "disciplina de voto".
"A República Portuguesa é um estado de direito democrático, baseado na soberania popular [...] e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa" (art° 2.º Constituição da República Portuguesa).
"A soberania, una e indivisível, reside no povo, que a exerce segundo as formas previstas na Constituição" (3.° CRP). A forma do exercício dessa soberania pelo povo é "através do sufrágio universal, igual, directo, secreto e periódico, do referendo e das demais formas previstas na Constituição" (10.° CRP). É através das eleições que o povo exerce o poder político, elegendo representantes seus para serem titulares dos diversos órgãos de soberania (com excepção dos tribunais, que estão isentos de escrutínio popular!).
Assim o povo elege, quadrienalmente, um parlamento, do qual "sai" o governo da República (110.° CRP). Esse parlamento "é a assembleia representativa de todos os cidadãos portugueses" (147.° CRP), representado os deputados "todo o país" (152.° CRP). Esses deputados "exercem livremente o seu mandato, sendo-lhes garantidas condições adequadas ao eficaz exercício das suas funções" (155.° CRP). Por isso, podem os deputados apresentar projectos de lei, de referendo, de resoluções, participar e intervir em debates parlamentares, fazer perguntas ao governo, requerer ao governo elementos e informações e votar (156.° CRP). E também por isso "não respondem civil, criminal ou disciplinarmente pelos votos e opiniões que emitirem no exercício das suas funções" (157.° CRP). Em contrapartida, estão obrigados apenas a "comparecer às reuniões", "desempenhar os cargos [...] para que sejam designados" e "participar nas votações" (159.° CRP).
Compete-lhes, portanto, fiscalizar o governo e tomar as opções fundamentais para a vida dos portugueses, por serem o repositório último da nossa soberania. Os nossos 230 (!) deputados são o último garante de que a vontade do povo que os elegeu é respeitada, que a soberania é exercida pelo verdadeiro titular, que os actos do governo são fiscalizados, e até impedidos, caso violem a Constituição ou sejam nocivos para o povo.
Assim que não consiga compreender, nem nunca ninguém me conseguirá convencer, da validade jurídico-constitucional do conceito (aconstitucional) de "disciplina de voto". Com tal mecanismo, os partidos atiram pela janela a prerrogativa máxima de um deputado, que é agir e votar apenas de acordo com a sua consciência e em obediência à Constituição, à lei, à "salus populi". Com tal mecanismo, o deputado verga-se à vontade de quem lhe permitiu ter o cargo, subjuga-se a quem lhe franqueou a porta do parlamento e age conforme o intermediário lhe dita.
Como pode então fiscalizar seja o que for, promover o que quer que seja, representar quem o mandatou? Nesta votação do Orçamento do Estado para 2013, estas reflexões mostram que o nosso parlamentarismo está muito longe do objectivo teórico de um sistema parlamentar. Cá Soberanos são os partidos, não já o povo!
Saragoça da Matta, Advogado | ionline | 30-11-2012

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