Chefe do Estado ouviu o Conselho de Estado e garante que o cenário de instabilidade política está afastado
LUÍSA MEIRELES
Depois de uma semana de alta tensão, Cavaco Silva, apostado em colocar água na fervura, deu ontem o primeiro sinal de distensão quando, horas antes da inédita reunião do Conselho de Estado com o ministro Vítor Gaspar, disse em Évora (onde foi recebido com protestos por populares) que a possibilidade de o país mergulhar numa crise política estava ultrapassada.
Segundo apurou o Expresso, ao longo dos últimos dias, e apesar de as campainhas de alarme soarem, o Presidente da República nunca colocou a hipótese de formar um Governo de “iniciativa presidencial” e, ao contrário, sempre apostou tudo numa “reconciliação” da coligação. Ao mesmo tempo, envolveu-se diretamente, juntamente com os parceiros sociais, na procura de uma solução global que possibilitasse uma alternativa à descida da taxa social única (TSU) — (ver página 8).
Em Belém, a semana foi de trabalho intenso, de concertação passo a passo com múltiplos intervenientes em cada momento. A surpresa de Cavaco com a decisão do Governo — que não foi discutida com Belém e apenas comunicada a escassas horas da sua apresentação pública por Passos Coelho — foi ultrapassada com a busca de alternativas. A resolução do problema TSU poderá ser também a chave para o desanuviamento político e social, permitindo um novo fôlego ao Governo e à coligação. E mesmo a hipótese que chegou a colocar-se de uma remodelação imediata não foi bem encarada.
Belém esteve sempre consciente de que o fim da coligação não era pretendido por ninguém sem ser os sectores mais radicais, e que o próprio PS deu sinais mais do que evidentes de que não queria nem a queda do Governo nem a realização de eleições. Cavaco Silva terá assim sempre jogado nos dois planos, político e técnico, num “verdadeiro trabalho de artesanato” e que envolveu dezenas de interlocutores.
Se a medida agora sugerida permite tornear a questão mais gritante e que constituiu o rastilho da contestação social, está ainda por resolver o problema de encontrar os 1,7 mil milhões de euros que fazem falta ao orçamento para equilibrar as contas em 2013. Também aqui a ideia de Belém é que tem de haver soluções que, em simultâneo, permitam garantir o consenso na coligação, respeitem o acórdão do Tribunal Constitucional e o acordo com a troika e, ao mesmo tempo, mantenham o acordo da concertação social na qual Cavaco foi um dos principais intervenientes. No ano passado, esta medida não foi rejeitada pela UGT, mas as circunstâncias políticas mudaram e a posição oficial do PS (rejeição frontal de qualquer mexida na TSU) pode não ajudar à concertação.
Para Belém, é claro que se as soluções não forem substancialmente alteradas em sede de orçamento não haverá possibilidade de garantir o compromisso do PS com o memorando, mesmo que este vote contra o OE, e assim salvar o consenso político. Ao que tudo indica, Cavaco vai seguir de perto a elaboração do documento, de modo a que este não lhe venha parar às mãos de maneira que não lhe reste outra opção a não ser enviá-lo para o Tribunal Constitucional. Para isso, outras medidas, tais como os cortes dos subsídios dos reformados e pensionistas, terão provavelmente de ser revistas. A presença do presidente do Tribunal Constitucional no Conselho de Estado poderá ser importante para isso.
Sete dias depois, o ponto mais agudo da crise poderá portanto ter sido evitado e o ambiente no qual o Conselho de Estado se reuniu foi substancialmente desanuviado, ao ponto de Cavaco não ter tido necessidade de falar ao país, assegurando a resolução dos assuntos nos bastidores. Politicamente, o recado à coligação e ao Governo foi claro: resolver os diferendos, “salvando” a cara se fosse preciso, e aguentar-se. Demissões não, e remodelar antes do orçamento, tão pouco, já que tiraria de cena quem nele esteve envolvido. Lá mais para adiante, como alertava um observador próximo, haverá tempo para isso e se perceberá então melhor como tudo aconteceu e quem verdadeiramente esteve envolvido.
lmeireles@expresso.impresa.pt
Bruxelas não recebeu pedido para mudar TSU
Alterações ao que foi negociado com a troika têm de ser aprovadas pelos nossos credores. Antes do cheque ser passado
A Comissão Europeia não tinha recebido até ontem nenhuma indicação do governo de que tenciona modificar a proposta acordada com a troika em relação à TSU. Qualquer alteração terá de ser novamente avaliada e aceite a tempo da reunião do Eurogrupo de 8 de outubro, que vai autorizar o pagamento da próxima tranche do apoio financeiro a Portugal.
A decisão de desbloquear estes 4,3 mil milhões de euros depende da implementação das medidas no decorrer da última missão da troika em Lisboa, entre as quais estão as modificações conhecidas da TSU. Para os credores internacionais, qualquer alteração destas medidas tem que garantir o mesmo impacto orçamental e estrutural.
A margem de manobra para negociar um eventual recuo do governo em relação à TSU existe, mas é estreita: “Não quereria especular em relação a margem de manobra. O facto é que esta medida é uma das que foram acordadas no contexto da última missão da troika”, declarou esta semana Simon O’Connor, porta-voz da comissão para os assuntos económicos e monetários.
O único caso em que um país sob ajustamento negociou uma medida considerada “estrutural” aconteceu com a Irlanda, Depois das eleições de fevereiro de 2011, o novo governo irlandês anunciou que ia voltar atrás no corte do ordenado mínimo negociado pelo executivo anterior com a troika. A modificação foi aceite e uma das contrapartidas foi a redução em 50% do valor das contribuições das empresas para a segurança social no escalão remuneratório mais baixo.
DANIEL DO ROSÁRIO
Correspondente em Bruxelas
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