terça-feira, 3 de julho de 2012

Há tribunais só com 80 processos

Mapa judiciário. As 54 comarcas que vão encerrar seriam frequentadas por menos de 0,1% da população
LICÍNIO LIMA
Menos de 0,1 por cento da população recorria aos tribunais em cada uma das 54 comarcas cuja extinção foi anunciada. Segundo um estudo da Direção-geral da Administração da Justiça (DGAJ), a que o DN teve acesso, com exceção de Cadaval e Silves, a população diminuiu em todos os concelhos afetados pela reforma do Mapa Judiciário. O número de processos que iriam tramitar, caso se mantivessem abertos, seria, em media, abaixo dos 200 por ano. Há casos, como o de Pampilhosa da Serra, que receberia apenas 43, tendo recebido em média até agora 80.
Para apurar o ratio de pessoas afetadas pelo encerramento das comarcas judiciais, relativamente ao total da população, a DGAJ começou por comparar a variação do número de residentes entre os census de 2001 e 2011. Concluiu-se que em praticamente todos os concelhos houve uma diminuição. Nalguns casos, como o de Armamar, no distrito de Vila Real, foi de quase 22% a menos. Outros concelhos apresentaram também reduções significativas: Alfândega da Fé e Carrazeda de Anciães, no distrito de Bragança, com -17%; Penamacor, no distrito de Castelo Branco, com -15%; Meda, na Guarda, com-17%.
Esta fuga do interior teria de ter repercussões na procura dos tribunais. Muitos deles já estavam a tramitar, apenas, uma média de 200 processos por ano. Mas, com a reorganização prevista na reforma do Mapa Judiciário, em que aumenta a especialização, diminuindo os chamados tribunais de competência genérica, a média de processo entrados seria ainda menor.
Assim, segundo a DGAJ, estima-se que em casos como o do tribunal de Pampilhosa da Serra passariam ser tramitados, por ano, apenas 43 processos. Em Penela, distrito de Coimbra, seriam 84, em Portel, Évora, 81. No tribunal de Sines, Setúbal, a estimativa seria mesmo 0 (zero).
No compito geral, a DGAJ concluiu que, em media, o ratio de pessoas que recorreriam aos 54 tribunais previstos encerrar estaria abaixo dos 0,1 por cento da população residente. Ou seja, uma percentagem muito residual. Ainda assim, em 27 deles vão ficar abertas extensões onde será possível entregar documentos e, nalguns casos, realizar diligências, nomeadamente julgamentos.
Mas, os autarcas consideram que estes ratios e estimativas são “fabricados” à medida das conveniências. Para Fernando Campos, vice-presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), os ratios apresentados resultam da transferência de processos para outros tribunais, ficando na comarca apenas os que os que não são de competência especializada. “Se os transferirem todos o ratio final será zero”, ironizou o também autarca de Boticas.
Fernando Campos garante que a luta pela manutenção dos tribunais vai continuar, frisando que o seu interesse é tão só defender o acesso das populações à justiça.
“Não me interessa que se a ministra da Justiça quer prender muita gente ou pouca, só me interessa que os cidadãos possam ser inquiridos ou julgados sem terem de se deslocar”, disse ao DN.
No mesmo sentido se pronunciou Rui Solheiro, vice-presidente da ANMP e presidente da Câmara de Melgaço, garantindo que os números do estudo apresentados pela DGAJ não coincidem com os números dos tribunais. “O que falta à ministra é vir ao terreno ver o que se passa”, disse ao DN.
O reeleito presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais (SFJ), Fernando Jorge, que hoje toma posse em Coimbra, mostrou-se preocupado com a questão da mobilidade dos funcionários com a introdução da reforma do Mapa judiciário. “Há tribunais que distam entre si mais de 100 quilómetros”, pelo que há que criar “regras e critérios” relativamente à questão da mobilidade de funcionários, disse em declarações à Lusa. “Estamos muito preocupados”, frisou o responsável.
A Associação Sindical de Juizes Portugueses (ASJP) chama a atenção para o modo como foi feita a estimativa do número de processos que cada tribunal e cada magistrado poderá tramitar. Para Mouraz Lopes, presidente da entidade, os cálculos não terão tido em conta toda a complexidade inerente à realidade dos processos, adiantando que na próxima semana a ASJP vai analisar a a proposta do Ministério da Justiça.
Diário de Notícias 2012-07-03

Sem comentários: