Temos uma organização
judiciária do século XIX, completamente desajustada dos dias de hoje
A reforma do mapa
judiciário é uma necessidade inadiável no nosso país.
Temos uma
organização judiciária do século XIX, completamente desajustada da realidade
socioeconómica dos dias de hoje, com tribunais às moscas e outros a abarrotarem
de trabalho. A organização judiciária portuguesa nunca foi pensada numa ótica
de microeconomia, e, por isso, é extremamente ineficiente e desprovida de
racionalidade económica. Portugal tem 2,2 tribunais por cada 100.000
habitantes, quando a maioria dos países europeus tem 1,3 tribunais por cada
100.000 habitantes.
Em Portugal, a
racionalização do sistema de justiça passa por uma nova política que alivie a
carga processual e contemple a mediação e a arbitragem, por uma avaliação
interna e externa aos operadores judiciários, por uma progressão na carreira
dos magistrados e funcionários judiciais baseada no mérito, por uma
modernização da gestão e organização dos tribunais. Mas passa também por um
novo mapa judiciário. Alocando mais meios humanos e financeiros onde eles são
necessários, reestruturando serviços, encerrando estruturas ineficientes ou
supérfluas. Daí que ninguém de bom senso se choque com o facto de, no elenco de
critérios a atender na revisão do mapa judiciário, figurar, como hoje ocorre, a
ponderação do número de processos (inferior ou superior a 250), a distância
para o tribunal mais próximo ou o custo da manutenção ou do arrendamento das
instalações. São critérios objetivos, pacíficos e consensuais, que não suscitam
o menor reparo do ponto de vista económico.
O problema é que a
dimensão humana foi varrida do mapa judiciário. Esse é o erro capital da
proposta do governo. E essa vertente é nevrálgica para o sucesso da reforma. É
preciso ter em conta a especificidade de cada região, de cada comarca, de cada
lugar. Uma comarca do interior profundo do país, preponderante ou
exclusivamente agrícola, com uma população economicamente depauperada e com
menos de 250 processos justificará, porventura, mais um tribunal aberto do que
uma comarca da periferia urbana, com mais de mil processos, com uma atividade
mais vocacionada para o comércio ou para os serviços. É que no primeiro caso o
risco de os conflitos de natureza real e fundiária se resolverem à sacholada ou
a tiro de caçadeira, em caso de ausência de um tribunal local, é de uma
fragorosa evidência. Acresce que há uma valência de coesão nacional, social e
territorial que não pode ser obliterada. Num país com um desertificação
acentuada do interior, que nos coloca ao nível de países do terceiro mundo em
matéria de centralismo das grandes metrópoles urbanas, é forçoso que se arrepie
caminho e se faça algo para combater esse flagelo. Um tribunal, um hospital,
uma escola são instrumentos básicos de fixação das populações no interior. Será
difícil perceber isto?
Descartes, como
sublinhou António Damásio, cometeu um erro ao separar o corpo da mente. O
governo arrisca-se a cometer outro erro, ao fazer uma reforma olhando para os
números, mas esquecendo-se das pessoas…
Jorge Neto
Público 17-06-2012
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