quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

A promulgação


 É surpreendente que ninguém tenha ficado muito surpreendido com a promulgação do Orçamento de Estado para 2012. O Presidente da República disse, com meridiana clareza, que o corte dos subsídios de férias e de Natal aos trabalhadores em funções públicas e aos pensionistas constituía uma “violação básica da equidade fiscal” e apelou ao debate parlamentar para rever a situação. A partir desta premissa inicial, constrói–se um silogismo irrefutável: a equidade fiscal é um princípio constitucional, logo, o Orçamento de Estado é inconstitucional.
Ninguém questiona seriamente que a equidade fiscal seja um princípio constitucional – resulta dos princípios da igualdade e da justiça e é explicitada no nº 3 do artigo 104º da Constituição, a propósito da tributação do património. Também sabemos que há uma diferença entre normas e princípios e que estes têm de ser conciliados entre si em caso de conflito. Porém, tal como prescreve o artigo 277º, nº 1, são inconstitucionais normas que “infrinjam” normas ou princípios constitucionais. Uma “violação básica” corresponde decerto a esta previsão.
Há que reconhecer que o problema da redução do défice não é simples e dificilmente se encontrará uma alternativa expedita ao corte dos subsídios. Todavia, é intolerável, por mais grave que seja a “emergência”, que se crie uma discriminação tão substancial entre trabalhadores, considerando direito inderrogável de uns o que é recusado a outros, num contexto em que, para mais, se tem caminhado para a unificação de regimes. E é obrigatório perguntar, à luz da jurisprudência constitucional mais recente, o que acontecerá em 2013 ou 2014.
Dir-se-á que a medida é inaplicável ao sector privado (o que não é rigoroso, pois os subsídios poderiam deixar de ser impostos por lei, tal co-mo na Função Pública, e confinados à negociação colectiva). Dir-se-á que o aumento do horário em meia hora diária constitui a contrapartida no sector privado (o que é menos rigoroso ainda em termos aritméticos e de liberdade de escolha). Poder-se-á dizer tudo isso e muito mais. Mas ao Presidente da República falta explicar como superou as suas objecções e ao Governo falta garantir sem rodeios que a medida não é para durar.
Rui Pereira, Professor Universitário
Correio da Manhã, 05-01-2012

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