segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Acusação apenas em 3% dos inquéritos de crimes económicos


O departamento do Ministério Público, que tem a cargo a criminalidade económico-financeira e ainda os casos mais graves e complexos, trabalhou em 2010 em mais de 700 investigações mas só 20 resultaram na acusação dos arguidos, isto é 2,7%. O DCIAP queixa-se de falta de meios para investigar.
Os dados, os últimos, constam do relatório anual da Procuradoria Geral da República (PGR) no capítulo do DCIAP – Departamento Central de Investigação e Acção Penal -, que tem em mãos as mais complexas investigações, nomeadamente dos crimes de corrupção.
Dos 726 inquéritos que o DCIAP movimentou em 2010, 205 foram dados como terminados e destes 20 resultaram numa acusação. Os restantes foram arquivados (58) ou suspensos, além de “outros motivos” que o relatório não especifica. Uma percentagem – menos de 3% quefica abaixo da obtida em 2009, quando o DCIAP, em 715 investigações acusou 27 arguidos, o que equivale a 3,7%. Mas em declarações ao Diário Económico, a directora do departamento, Cândida Almeida, frisa que a esmagadora maioria das acusações são confirmadas pelo juiz e resultam numa condenação (ver entrevista ao lado).
No relatório, Cândida Almeida queixa-se de falta de meios para cumprir em pleno a função para que o departamento foi criado em 1998: coordenação e direcção da investigação e da prevenção da criminalidade violenta, altamente organizada ou de especial complexidade.
Destaca-se o combate ao chamado crime de ‘colarinho branco’ e à corrupção, que tem sido apontado como uma prioridade de vários governos porque impede o saudável desenvolvimento da economia. Um argumento que ganha agora peso com a situação de crise económica do país. No que toca à natureza dos crimes investigados, o relatório refere as infracções económico-financeiras, ilícitos criminais levados a cabo por responsáveis de instituições bancárias, burla, fraude fiscal, branqueamento de capital, corrupção e crimes de associação criminosa.
As dificuldades inerentes à investigação dos crimes de corrupção – quer ao nível da partilha de informação e da recolha de provas (o que muitas vezes leva a arquivamentos), quer da ausência de denúncias – são há muito elencadas pelos mais altos responsáveis da Justiça e a ministra já fez saber que o combate ao crime económico-financeiro será uma das prioridades da Lei de Política Criminal.
O próprio PGR disse recentemente num debate sobre corrupção que “nunca, como actualmente, os bancos, autarquias e o mundo do desporto foram tão escrutinados” e Paula Teixeira da Cruz anunciou mais apoio ao DCIAP nas investigações e recolha de provas. A partir de agora, o Banco de Portugal e a Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários (CMVM) vão passar a colaborar mais de perto com o departamento de Cândida Almeida sempre que as investigações aos crimes económico-financeiros requeiram a realização de perícias. Um apoio que poderá inverter, no futuro, a baixa percentagem de acusações no total dos casos investigados.
As queixas de Cândida Almeida não são de hoje e já nos vários relatórios anuais da PGR a directora do DCIAP dizia que seria expectável que fossem afectos ao departamento “os meios humanos, logísticos, materiais e técnicos proporcionais à responsabilidade que o legislador lhe impõe”. A procuradora diz ainda que “é cada vez mais insuficiente” o número de investigadores, sendo certo que as investigações levadas a cabo pela sua equipa são as mais complexas do país, assumindo muitas vezes forte impacto mediático, como é o caso é o caso do Face Oculta, Apito Dourado ou Freeport. Ao Diário Económico, a directora do DCIAP garante que a ministra se comprometeu a resolver a falta de meios do departamento.
TRÊS PERGUNTAS A…
CÂNDIDA ALMEIDA – Directora do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP)
“Ministra comprometeu-se a solucionar falta de meios”
Embora estejam a ser tomadas medidas para melhorar as condições de trabalho no DCIAP, Cândida Almeida considera que ainda faltam procuradores. E congratulase por 90% das acusações acabarem em condenação.
- Queixa-se que o número de elementos que compõem o DCIAP “é cada vez mais Insuficiente” e que em alguns casos falham as condições de trabalho. Já foram melhoradas essas condições?
- O Ministério da Justiça tem vindo a tomar algumas medidas necessárias para melhorar as condições de trabalho no DCIAP. O Conselho Superior do Ministério Público, presidido pelo Procurador- Geral da República, decidiu reforçar o número de magistrados em funções no DCIAP, pelo que, neste momento, apenas faltam dois procuradores da república e um procurador-adjunto.
- A ministra da Justiça tem dito que vai apostar na investigação e que uma das prioridades da Lei de Política Criminal estará no combate ao crime económico-financeiro. Como dará o DCIAP resposta dada a falta de meios?
- A senhora Ministra da Justiça assumiu o compromisso de solucionar a falta de meios mais prementes com que o DCIAP se debate, o que já está em vias de solução.
- Dos mais de 700 processos movimentados pelo DCIAP em 2010 só 20 terminaram em acusação. Porquê?
- A criminalidade investigada pelo DCIAP é altamente organizada e complexa, não sendo compatível com quantidade, mas sim com qualidade, a qual o DCIAP procura preservar, sendo prova disso os 95% de confirmação das acusações em despachos de pronúncia e cerca de 90% decisões condenatórias.
DIFICULDADES NO MP
Fiscalização dos rendimentos
A PGR alerta para a falta junto do Tribunal Constitucional, sobretudo depois da competência ganha para fiscalizar declarações de rendimentos de titulares de cargos políticos. Afirmando que está “em risco a possibilidade prática de se poder realizar uma ampla indagação táctica” expressa em verdadeiras acções de prevenção da “criminalidade económica, da corrupção e do enriquecimento ilegítimo”.
Falta de magistrados no STA
A Procuradoria Geral da República alerta para a “situação deficitária do quadro de magistrados do Ministério Público na secção de contencioso tributário” do Supremo Tribunal Administrativo. É preocupante a circunstância de haver um número significativo de processos apresentados para acórdão sem parecer do MP, o que mereceu até já reparo por parte do presidente do STA.
Falhas no crime informático
No capítulo da Procuradoria Geral Distrital de Lisboa, o relatório alerta para “o aumento exponencial dos crimes informáticos e, sobretudo, dos crimes praticados com recurso a meios informáticos. O enfraquecimento da capacidade de resposta da PJ e a falta de capacitação dos demais órgãos de polícia criminal tende a criar áreas de não resposta, a que importa pôr cobro”, diz o relatório.
Mais criminalidade participada
Em 2010 foram registados 550.394 inquéritos, mais 3.490 do que em 2009, o que representa um ligeiro aumento da criminalidade participada. Foram movimentados 779.685 inquéritos, tendo sido concluídos 561.248, ficando, por isso, pendentes 218.437. Foi proferido despacho de acusação em 74.911 dos inquéritos findos o que representa uma percentagem de 9,61% dos movimentados.
Inês David Bastos
Diário Económico de 23-01-2012

Sem comentários: