quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Provedor de Justiça defende que bases de dados pessoais das polícias estão ilegais

PSP e GNR regem-se por regulamentos de 1994 para registar elementos de cidadãos. Comissão de Dados tem auditoria em curso
Os regulamentos pelos quais se regem a PSP e a GNR para registarem elementos de cidadãos nas suas bases de dados estão desactualizados e podem estar a ser utilizados de modo irregular. Aprovados em 1994, os conteúdos destes regulamentos vão ser alvo de uma auditoria que a Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) tem já em curso e que deverá estar concluída em 2012. Também a Provedoria de Justiça já manifestou a sua desconfiança em relação ao manuseamento interno desta informação e enviou à Assembleia da República, no final do mês passado, um documento onde dá conta das suas preocupações, sobretudo no que se refere aos elementos utilizados pela PSP.
A comunicação do provedor Alfredo José de Sousa ao Parlamento dá conta da sua preocupação pelo facto de poder existir sobreposição da informação das bases de dados policiais, nomeadamente a informação do registo criminal das pessoas visadas. Em causa está o facto de algumas pessoas, cujo registo criminal inclua situações como multas e acções em tribunal já transitadas em julgado, por exemplo, poderem vir a ser penalizadas no futuro, na sua actividade profissional, pelo facto de a informação policial continuar a circular sem que tenha sido devidamente actualizada ou apagada.
“Ao nível do direito interno, para além da protecção conferida pela Constituição e pela Lei da Protecção de Dados Pessoais vigente, verifico que a matéria relativa à utilização de dados pessoais no sector da polícia carece, em alguns casos, de um quadro legislativo adequado e actualizado, o que configura uma situação gravemente lesiva dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos”, refere Alfredo José de Sousa no documento remetido ao Parlamento.
Empresa queixou-se
Esta comunicação terá surgido depois de, em Dezembro de 2009, ter chegado à Provedoria de Justiça uma reclamação oriunda de um responsável de uma empresa prestadora de serviços, a laborar no aeroporto de Lisboa. A queixa dava conta de que a PSP teria feito circular internamente, entre departamentos diferenciados, dados pessoais (certificados de registo criminal) de funcionários da entidade visada.
“Relativamente à PSP, foi elaborado há mais de um ano um parecer relativo a um projecto de diploma para regulamentar a sua base de dados. Concluiu-se, na ocasião, que a PSP tinha um regulamento que ficava muito aquém do que seria desejável mas, até agora, nada foi ainda aprovado”, disse ao PÚBLICO fonte conhecedora do processo, considerando ainda que “os processos regulamentares são de 1994 e estão desenquadrados da realidade face aos sistemas funcionais mais modernos que estão, há muito, a ser utilizados pelas forças policiais”.
Também o provedor de Justiça, na recomendação agora enviada ao Parlamento, considera que “no caso de Portugal, não obstante a garantia, à luz do direito vigente, do direito do cidadão aceder aos dados sobre si registados nas bases de dados em questão, bem como dos direitos de rectificação e eliminação respectivas […], já não se afigura que a regulação da base de dados da PSP se encontre vertida no suporte legal constitucionalmente exigido”.
A auditoria que a CNPD deverá concluir em 2012 - e que incidirá, sobretudo, sobre a PSP e a GNR - já deu alguns passos este ano, abrangendo algumas unidades de investigação de menor dimensão. Actualmente, de acordo com o que o PÚBLICO apurou, tenta-se apurar se são cumpridos os preceitos legais relativamente a casos em que sejam analisados pedidos de asilo e mandados de detenção europeus. Também as relações das entidades nacionais com a Interpol e a Europol estão a ser escrutinadas.
O que está no SIOP
Uma das recomendações feitas quanto ao armazenamento de informação na PSP refere-se à necessidade de previsão expressa da “proibição de conservar dados sobre indivíduos pelo único motivo de possuírem determinada origem étnica, comportamento na vida privada, fé religiosa, convicção filosófica ou política, filiação partidária ou sindical ou de pertencerem a determinados movimentos ou organizações”. Estes elementos estão, por norma, centralizados no Sistema de Informações Operacionais de Polícia (SIOP), cuja reformulação foi sugerida em 2004 mas que ainda se mantém inalterado.
José Bento Amaro
Público, 4 de Outubro de 2011

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