quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Governo vai agravar custas judiciais para as empresas


Justiça vai ficar mais cara para empresas e difícil para particulares


Acções executivas e de grandes empresas ficam mais caras. Governo deixa de avançar verba para diligências. Proposta de novas custas entregue aos parceiros.
O Ministério da Justiça quer agravar as custas judiciais nas acções de valor superior a 250 mil euros – normalmente intentadas por grandes empresas – e obrigar as partes a pagar à cabeça os encargos das diligências. Além disso, as certidões, cópias e traslados vão ficar mais caros, a taxa para acções executivas vai duplicar e os litigantes de má fé – os que usam os tribunais sem fundamento – terão sanções muito mais elevadas.
São algumas das alterações previstas no projecto de proposta de lei que institui o novo Regulamento das Custas Judiciais, a que o Diário Económico teve acesso, enviado esta semana aos vários operadores judiciais. A alteração ao Código das Custas, no sentido da padronização, foi uma exigência da ‘troika’ e a ministra tem até ao final do mês para aprovar a proposta final.
Numa lógica de padronizar todas as normas avulsas sobre custas e taxas de Justiça – valor pago para dar entrada de um processo em tribunal -, no preâmbulo da proposta a ministra esclarece o objectivo é “a aplicação do mesmo regime de custas a todos os processos judiciais pendentes, independentemente do momento em que os mesmos se iniciaram”. Uma situação que leva o advogado Luís Filipe Carvalho a duvidar da constitucionalidade da medida (ver entrevista ao lado).
Na proposta, onde o Ministério da Justiça refere que algumas “correcções” têm em vista a “sustentabilidade financeira do sistema”, está previsto que o “não pagamento de encargos” implica a não realização da diligência requerida (por exemplo, perícia ou peritagem). Ora, o actual regulamento define que, se os encargos não forem pagos, “os valores em dívida são imputados na conta das custas” apresentada no final do processo. Isto é, se antes o Instituto de Gestão Financeira e das Infra- Estruturas da Justiça avançava com a verba para assegurar a diligência, agora o Ministério fecha a torneira e obriga a parte a pagar à cabeça, sob pena de não ver o pedido realizado.
Uma alteração que, segundo Luís Filipe Carvalho, vai encarecer indirectamente a Justiça a muitos particulares, embora a Unidade de Conta (UC) se mantenha nos 102 euros. “O encarecimento não se dá apenas pelo aumento ou não da UC, pode dar-se por valores absolutos no fim do processo ou formas de pagamento. O facto de a pessoa ter que pagar logo a diligência já é uma forma de encarecimento”, defende.
Além disso, as taxas devidas pela emissão de certidões, traslados e cópias certificadas passam de 12,5 euros até 25 páginas para cerca de 20 euros, quase o dobro. E se antes a parte contra quem é intentada a acção judicial só pagava custas no final do processo (se fosse total ou parcialmente vencido), agora vai pagar assim que apresentar contra-alegações.
Nas acções penais, a parte que pede abertura de instrução passa a ter de fazer prova de que efectuou pagamento. Caso contrário, a abertura da instrução é considerada “sem efeito”. Alterações que, explica a proposta, visam a sustentabilidade do sistema de Justiça e o “aumento de receitas” e que acabam indirectamente por encarecer o acesso aos tribunais.
Com a pendência das acções executivas a dominarem as preocupações da ‘troika’ e do Governo, Paula Teixeira da Cruz decidiu dobrar o valor da taxa de 200 para 400 euros para quem quer avançar com processos de cobrança de dívidas acima dos 30 mil euros.
No que toca às grandes empresas, a ministra manteve aquela que tinha já sido a alteração de Alberto Martins. Só que agora vale para todos os processos (pendentes) e não apenas para os que sejam intentados só depois da entrada em vigor do novo regulamento: acções acima de 250 mil euros vão pagar muito mais. Com as novas regras, o autor de uma acção de valor entre 250 e 275 mil euros passa a pagar mais 102 euros para dar entrada do processo (mais uma UC). Isto é, se hoje paga 1.530 euros vai pagar 1.632 euros. E nas acções a partir de 275 mil euros o aumento será progressivo – mais 306 euros (três UC) por cada 25 mil euros. “Normalmente, só as grandes empresas têm processos deste valor”, reconheceu ao Diário Económico o advogado Garcia Pereira.
O objectivo do Governo será o de levar muitas empresas a desistir de acções ou de tentarem a arbitragem. Aliás, a própria ministra diz na proposta que dá “um incentivo” as partes que desistam de acções.
Juízes, advogados, funcionários judiciários e Conselhos Superiores têm até sexta-feira para se pronunciarem.
NOVAS REGRAS DAS CUSTAS
• Objectivo: padronização. Processos passam a estar sujeitos a um único regime. E as novas regras aplicam-se até às acções pendentes.
• Instituto de Gestão Financeira deixa de avançar com verba para pagar encargos de diligências. A parte que requer a diligência terá que pagar à cabeça.
• Taxa das acções executivas acima de 30 mil euros passa a ser de pouco mais de 400 euros. Até agora, só os processos acima dos 300 mil pagavam este valor.
• Acções de valor acima dos 250 mil euros têm custas mais caras. E o aumento a partir dos 275 mil é progressivo.
• Preço das certidões sobe para quase o dobro.
• Sanção pela litigância de má fé dispara: passa de 10 UC (pouco mais de mil euros) para 100 UC (pouco mais de 100 mil euros).
• Incentivos à desistência de acções.
• Fica definido o momento do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça: no prazo de dez dias a contar da notificação para a audiência final.
• Revogação da conversão da taxa de justiça paga em pagamento antecipado de encargo.
TRÊS PERGUNTAS A… LUÍS FILIPE CARVALHO – Advogado
“Aplicação a todas as acções pode ser inconstitucional”
Advogado e ex-candidato a Bastonário da Ordem dos Advogados, Luís Filipe Carvalho duvida da constitucionalidade da imposição das novas regras das custas judiciais agora propostas por Paula Teixeira da Cruz a todos os processos pendentes. E avisa que a padronização das regras, ainda que desejável, acaba por encarecer o acesso à Justiça por parte de empresas e particulares.
- Como vê a intenção do Governo de aplicar o novo regime de custas a todos os processos em curso?
- A padronização é desejável porque nos últimos anos com a sucessão de legislação sobre as custas gerou-se uma situação caótica. Mas ao aplicar-se esta padronização a processos pendentes vai criar-se outros problemas, porque a tendência é sempre de agravamento. E penso que se colocam até questões de constitucionalidade, porque poderão não ser respeitados os direitos adquiridos de pessoas que têm processos a correr em tribunal. E este é um direito que sempre foi respeitado.
- Como vai a esta padronização das custas encarecer o acesso à Justiça?
- A tendência é sempre essa. Mesmo não aumentando a Unidade de Conta (UC), o agravamento das custas poderá dar-se em valores absolutos ou até mesmo nas formas de pagamento, nomeadamente aquela que está prevista nesta proposta, segundo a qual as partes têm que pagar à cabeça as diligências que vão sendo requeridas. É um encargo significativo.
- A ideia poderá ser levar pessoas a desistir das acções?
- Existe de facto, sempre que é alterado um regulamento das custas judiciais, uma tendência de agravar custos para afastar as pessoas dos tribunais. Mas penso que, neste caso, está mais em causa o objectivo de tornar o sistema judicial auto-sustentável. E esta padronização, aplicada a todos os processos pendentes nos tribunais portugueses, é um factor adicional que contribui para essa sustentabilidade do sistema, porque o Estado vai poupar muitas horas de trabalho. No entanto, vai criar muitos problemas às pessoas que têm processos em tribunal. I.D.B.
Inês David Bastos
Diário Económico, 21 de Setembro de 2011

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