quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Comissão impõe multa à E.ON por esta ter quebrado um selo no decurso de uma investigação por práticas restritivas

A Comissão impõs uma multa de 38 milhões de euros à E.ON por esta ter quebrado um selo no decurso de uma investigação não anunciada por práticas restritivas. O selo destinava-se a salvaguardar a inviolabilidade de uma sala, onde a Comissão ainda não tinha feito qualquer investigação (e onde seria suposto continuar a investigar no dia seguinte)...
A E.ON para se furtar à multa negou que tenha quebrado o selo e que a Comissão era a única detentora da chave referente à sala em questão (embora se tenha vindo a descobrir que havia mais de 20 chaves para aquela sala). Entre outras explicações, a E.ON alegou que o selo estava danificado por causa:
1. da vibração ocorrida na sala contígua, onde estavam a ser feitas obras;
2. utilização de um produto de limpeza agressivo;
3. elevado grau de humidade.
Curiosamente, este nível de coima foi o mesmo que foi aplicado à Portugal Telecom pela Autoridade da Concorrência por abuso de posição dominante.
por recusa de acesso à sua rede de condutas no subsolo aos concorrentes TvTel e Cabovisão...
O comunicado da Comissão diz o seguinte:
The European Commission has imposed a fine of € 38 000 000 on E.ON Energie AG (“E.ON”) for the breach of a Commission seal in E.ON’s premises during an inspection. The seal had been affixed to secure documents collected in the course of an unannounced inspection in May 2006 (see MEMO/06/220). When the Commission came back the next day, the seal was broken. The inspection formed part of the Commission's enforcement activities against allegations of anticompetitive practices on the German energy markets.

Competition Commissioner Neelie Kroes commented “The Commission cannot and will not tolerate attempts by companies to undermine the Commission's fight against cartels and other anti-competitive practices by threatening the integrity and effectiveness of our investigations. Companies know very well that high fines are at stake in competition cases, and some may consider illegal measures to obstruct an inquiry and so avoid a fine. This decision sends a clear message to all companies that it does not pay off to obstruct the Commission's investigations."

The seal had been affixed by Commission officials during an unannounced inspection carried out in May 2006. The inspection concerned the suspicion of anticompetitive practices on the German electricity market (see MEMO/06/220). It is the Commission's practice to seal rooms when carrying out surprise inspections in order to make sure that no documents can be removed by the company when the inspection team is absent (e.g. at night).

The Commission's seals are made of plastic film. If they are removed, they do not tear, but show irreversible "VOID" signs on their surface. When the inspection team returned in the morning of the second day of the inspection, it found that such "VOID" signs were clearly visible on the entire surface of one of the seals which had been affixed the evening before. Also pieces of glue were found around the seal indicating that somebody had removed the seal and tried to fix it again. The broken seal was intended to secure the room in which all documents previously collected by the Commission, i.e. highly sensitive documents, were stored. As these documents were not yet listed, the Commission was unable to ascertain whether and which documents were taken by EON.

E.ON denied breaking the seal and first argued that the Commission had the only key to the room. However later it turned out that 20 keys were in circulation among E.ON employees. E.ON also tried to argue that there might be other explanations for the appearance of the "VOID" signs on the seal. E.ON's suggested explanations were inter alia:
vibrations caused by the preparation of a conference next door
1. the use of an aggressive cleaning product
2. the age of the seal, and
3. a high level of humidity .

In order to assess these arguments, the Commission carried out a very thorough investigation, including the use of outside experts to test the seals, but came to the conclusion that the arguments are not valid. Both the manufacturer of the seal and the independent expert who tested the Commission's original seals confirmed that the state of the seal as found in the morning of 30 May 2006 cannot be explained by any other reasons than by a breach of the seal. Indeed, according to the manufacturer, similar seals have been in use for decades, without any examples of malfunction.

The use of seals is intended to prevent the possibility of evidence being lost during an inspection, thus undermining the effectiveness of the inspection. Breaches of seals are therefore a serious infringement of competition law. As regards the level of the fine, Council Regulation 1/2003 (Article 23(1) (e)) provides that the Commission can impose a fine of up to 1% of the company's total turnover for a seal broken intentionally or negligently. When fixing the amount of the fine, the Commission has, however, taken into account the fact that it was the first time that a seal has been broken by a company subject to an inspection and that a fine has been imposed under the provisions of Regulation No 1/2003 concerning obstruction or interference with a Commission anti-trust investigation.

Fiscalidade: Comissão recorre a Tribunal devido à legislação de amnistia fiscal discriminatória aprovada por Portugal em 2005


A Comissão Europeia decidiu apresentar queixa contra Portugal junto do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias devido à sua legislação de amnistia fiscal de 2005, que permitiu a regularização de investimentos em obrigações do Estado português a uma taxa de penalização preferencial de 2,5% (em vez de 5% para quaisquer outros elementos patrimoniais). A Comissão considera que a amnistia fiscal não respeita a livre circulação de capitais, ao dissuadir a regularização de elementos patrimoniais de outros tipos que não obrigações do Estado português.

«As regras do mercado interno proíbem qualquer discriminação dos investimentos realizados por sujeitos passivos de um Estado-Membro noutros Estados-Membros», declarou o Membro da Comissão László Kovács, responsável pela fiscalidade e pela união aduaneira. «Os investimentos realizados noutros Estados-Membros devem ser tributados da mesma forma que os realizados no Estado-Membro de residência, mesmo no caso de amnistias fiscais».

A lei designada «regularização tributária de elementos patrimoniais que se encontravam no exterior (RERT)», aprovada pelo Parlamento português em 2005, constitui uma restrição à livre circulação de capitais garantida pelo Tratado CE. A referida lei permite a declaração e a regularização de elementos patrimoniais que não se encontrem no território português mediante a entrega de uma declaração confidencial até 16 de Dezembro de 2005. Exige que os sujeitos passivos residentes paguem uma importância igual a 5% do valor dos investimentos em causa. No entanto, é aplicada uma taxa de imposto reduzida de 2,5% às obrigações do Estado português regularizadas, bem como a qualquer montante de outros investimentos reinvestidos em obrigações do Estado português até à data do procedimento de regularização.

As pessoas que beneficiaram da amnistia foram, assim, dissuadidas de manter os seus elementos patrimoniais regularizados sob formas que não obrigações do Estado português. Esta diferença de tratamento constitui uma restrição à livre circulação de capitais, consagrada no artigo 56.º do Tratado CE.

O número de referência do processo da Comissão é 2005/4932 (Portugal).

Os comunicados de imprensa sobre processos por infracção no domínio fiscal ou aduaneiro podem ser consultados em:
http://ec.europa.eu/taxation_customs/common/infringements/infringement_cases/index_en.htm

As últimas informações gerais sobre medidas por infracção tomadas contra os Estados-Membros podem ser consultadas em:
http://ec.europa.eu/community_law/index_en.htm

Comissão Europeia refere Portugal para o Tribunal de Justiça. Golden shares do Estado na Portugal Telecom

Free movement of capital: Commission refers Portugal to the European Court of Justice over special rights held by the State/public entities in Portugal Telecom


The European Commission has decided to refer Portugal to the European Court of Justice as it considers that the special rights held by the State in Portugal Telecom discourage investment from other Member States in violation of EC Treaty rules.

In the privatisation of Portugal Telecom, the State and other public entities were allocated privileged shares (A-shares). Although the number of A-shares was reduced over the successive privatisation phases, their privileges, as defined in the Articles of Association of Portugal Telecom, were maintained. These privileges include special powers to appoint one third of the board and the chairman of the Company, as well as veto powers on the election of Directors and the audit board. They also include other important corporate decisions such as distributions of profits; capital increases; bond issues; opening of branches and changes in the registered office; changes in the Articles of Association; and the approval of the acquisition of holdings above 10% of the company's ordinary shares by shareholders engaged in a competing activity. The Commission considers that, in violation of EC Treaty rules, these special powers constitute an unjustified restriction on the free movement of capital and the right of establishment (Articles 56 and 43 of the EC Treaty), in so far as they hinder both direct investment and portfolio investment.

Following the reply of the Portuguese authorities to the letter of formal notice (IP/05/1594), the Commission invited Portugal to abandon the special rights held by the State and public entities in Portugal Telecom (IP/06/440). The Commission considers Portugal's arguments in defence of the special rights unsatisfactory in the light of the relevant Court of Justice case law.
Portugal argues that the special rights are rights with a private-law character and are justified and compatible with the EC Treaty. Portugal also argues that the rights are applied in a non-discriminatory way and based on reasons of security and public order as well as on other imperative reasons of general interest.

In the Commission's opinion, the special rights of the Portuguese State in the company go beyond what is necessary to meet their intended objectives.


The latest information on infringement proceedings concerning all Member States can be found at:http://ec.europa.eu/community_law/index_en.htm

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Casa da Supplicação

Prisão preventiva - Aplicação da lei no tempo - Habeas corpus - Prisão por motivo que a lei não permite
1 – O habeas corpus é uma providência extraordinária e expedita destinada a assegurar de forma especial o direito à liberdade constitucionalmente garantido, que não um recurso; um remédio excepcional, a ser utilizado quando falham as demais garantias defensivas do direito de liberdade, para estancar casos de detenção ou de prisão ilegais, que tem como fundamentos, que se reconduzem todos à ilegalidade da prisão, actual à data da apreciação do respectivo pedido: (i) – incompetência da entidade donde partiu a prisão; (ii) – motivação imprópria; (iii) – excesso de prazos.
2 – A redacção dada ao art. 202.º do CPP pela Lei n.º 48/2007 de 29 de Agosto, passou a exigir, para que possa ser aplicada a prisão preventiva, que haja fortes indícios de prática de um crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos [n.º 1. al. a)], contra o limite de 3 anos anterior.
3 – Mas a mesma revisão, ao lado da al. a) veio prever na al. b) que poderia ser aplicada a prisão preventiva, nas mesmas condições, quanto ao crime doloso de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos e nessa medida aos crimes de associação criminosa, tráfico de pessoas, tráfico de armas, tráfico de estupefacientes ou de substâncias psicotrópicas, corrupção, tráfico de influência ou branqueamento [al. l) do art. 1.º do CPP].
4 – Tendo a conduta do arguido integrado crimes que, à luz da anterior al. a) do n.º 1 do art. 202.º do CPP ou de acordo com a actual al. b), permitam a aplicação de prisão preventiva, não há verdadeira vocação de duas leis diferentes que se sucederam no tempo e de cuja aplicação resultem soluções diversas para mesma questão, colocando uma questão de aplicação da lei no tempo.
5 – É, assim, de indeferir o pedido de habeas corpus fundado na alegação de que a prisão preventiva se deve a facto que a lei não permite.
AcSTJ de 24.01.2008, proc. n.º 235/08, Relator: Cons. Simas Santos
*
Suspensão da execução da pena - aplicação da lei penal no tempo - relatório social - perito - reenvio do processo - audiência de julgamento - reabertura da audiência
I - O tribunal recorrido não colocou a hipótese da suspensão da pena, pois ao tempo da decisão tal não era legalmente possível para as penas de prisão superiores a 3 anos. Essa a razão pela qual não se mandou elaborar relatório social (actualizado) nem perícia sobre a personalidade e a falta destes elementos não permite uma correcta ponderação sobre a viabilidade de aplicar pena de substituição.
II - Assim, como se está perante questão nova que resultou da mudança da lei penal no tempo, de cuja apreciação pode resultar para o recorrente uma decisão mais favorável, há que aplicar mutatis mutandis o disposto nos art.ºs 369.º a 371.º-A do CPP.
III - Em consequência, depois de se confirmar a pena aplicada na 1ª instancia, há que reenviar o processo para o tribunal recorrido, para que aí, após se mandar efectuar relatório social actualizado e perícia sobre a personalidade do arguido, se reabra a audiência, onde, entre outras diligências consideradas úteis, se podem ouvir o perito criminológico, o técnico de reinserção social e, quiçá, a mãe da vítima, tendo por única finalidade decidir se deve ou não ser aplicada pena de substituição.
AcSTJ de 24.01.2008, proc. n.º 4574/07-5, Relator: Cons. Santos Carvalho
*
Recurso para fixação de jurisprudência - arguido - legitimidade - interesse em agir
I - A legitimidade do arguido, do assistente ou da parte civil para interpor qualquer recurso nunca é meramente formal, pois não basta apenas demonstrar que se tem essa posição processual para que possa prosseguir. Necessário é sempre comprovar que quem pretende recorrer ficou vencido pela decisão recorrida, isto é, que esta foi proferida contra si (art.º 401.º, n.º 1, als. b-c, do CPP) e, para além disso, que tem um interesse relevante em agir (n.º 2 da mesma norma).
II - Na altura da interposição do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência os actuais recorrentes eram arguidos no processo onde suscitaram o incidente de recusa, ficaram vencidos pela decisão recorrida, pois esta rejeitou por inadmissibilidade legal o recurso que haviam interposto da decisão da Relação que indeferiu o incidente e tinham, também, interesse em agir, pois, pelo menos, duas das juízas por eles recusadas iriam intervir no seguimento do processo
III - Mas, actualmente, os objectivos que os recorrentes perseguiam com o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência e que lhes conferiam interesse em agir – obter pelo provimento dos recursos extraordinário e ordinário que se lhe seguiria uma decisão que afastasse as referidas Juízas do novo julgamento - foram totalmente alcançados, embora por outra via, pelo que já não viriam a obter um «ganho» com o provimento deste recurso. E não lhes assiste legitimidade para recorrerem extraordinariamente no mero benefício da unidade do direito.
IV - Daí que haja uma perda superveniente do interesse em agir (pela via do recurso) e, nesta fase processual preliminar, em que o STJ verifica se estão reunidos os pressupostos para prosseguir o recurso para fixação de jurisprudência, há que declarar a ilegitimidade actual dos recorrentes.
AcSTJ de 24.01.2008, proc. n.º 4448/07-5, Relator: Cons. Santos Carvalho

sábado, 19 de janeiro de 2008

Notícias da Sociedade Portuguesa de Criminologia

Seminários

A Escola de Criminologia da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, dentro dos seus objectivos de divulgação do conhecimento científico produzido na sua área de especialização, dá início, no mês de Fevereiro, a um programa de seminários abertos sobre questões que afectam a comunidade.

Entre os próximos dias 25 e 28 de Fevereiro decorrerão dois seminários leccionados pelo Prof. Doutor Marcelo Aebi (Professor Catedrático e Vice-Director da Escola de Ciências Criminais da Faculdade de Direito da Universidade de Lausanne) e pelo Prof. Doutor Cândido da Agra (Professor Catedrático, Director da Escola de Criminologia da Faculdade de Direito da Universidade do Porto e Presidente da Sociedade Portuguesa de Criminologia).

SEMINÁRIO I - 25 e 26 de Fevereiro:


Como se avalia cientificamente a intervenção em problemas sociais? A experiência suíça de redução de riscos no domínio das drogas

SEMINÁRIO II - 27 e 28 de Fevereiro: Qual o valor científico das estatísticas oficiais da criminalidade e da (in)segurança?

O prazo de candidatura decorre de 21 de Janeiro de 2008 a 18 de Fevereiro de 2008.


Para mais informações, consultar site http://www.direito.up.pt/ ou contactar o Gabinete de Relações com o Exterior (Tel. 22 204 16 92, Fax. 22 204 16 14, e-mail: fjesus@direito.up.pt).

A propina é de € 60,00 para cada seminário ou de €100,00 para ambos.




No âmbito da unidade curricular Metodologias de Avaliação e Intervenção em Vítimas do Mestrado em Ciências Forenses, decorre o Seminário sobre Violência Voluntária que terá lugar no dia 26 de Janeiro, Sábado, entre as 9 e as 17 horas, na Faculdade de Direito da Universidade do Porto.

O Seminário será aberto à comunidade (sujeito a inscrição por e-mail para mjalves@med.up.pt) e conta com a participação do Prof. Doutor Miguel Lorente, Prof. Associado de Medicina Legal da Univ. de Granada, e da Prof. Doutora Isabel Dias, Prof. Auxiliar do Dep.º Sociologia da Faculdade de Letras da Univ. do Porto.


quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Casa da Supplicação

Homicídio privilegiado - “desespero de fuga” - omissão de pronúncia - fundamentação dos acórdãos de tribunais superiores - intenção de matar - matéria de facto
1 – O art. 374.º, n.º 2 do CPP não é directamente aplicável às decisões proferidas, por via de recurso, pelos Tribunais Superiores, mas só por via da aplicação correspondente do art. 379.º, pelo que aquelas não são elaboradas nos exactos termos previstos para as sentenças proferidas em 1.ª instância, uma vez que o seu objecto é a decisão recorrida e não directamente a apreciação da prova produzida na 1.ª instância e que embora as Relações possam conhecer da matéria de facto, não havendo imediação das provas o tribunal de recurso não pode julgar a causa nos mesmos termos em que o tinha feito a 1.ª instância.
2 – Se a Relação escreveu que «antes de entrarmos na análise da prova produzida em audiência de julgamento importa ter presente que, ao apreciar a matéria de facto, este tribunal está condicionado pelo facto de não ter com os participantes no processo aquela relação de proximidade comunicante que lhe permite obter uma percepção própria do material que há-de ter como base da sua decisão. Conforme refere Figueiredo Dias (Princípios Gerais do Processo Penal, pág. 160) só os princípios da oralidade e da imediação permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado avaliar o mais contritamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais. Tal relação estabeleceu-se com o tribunal de 1ª instância e daí que a alteração da matéria de facto fixada na decisão recorrida deverá ter como pressuposto a existência de elemento que, pela sua irrefutabilidade, não possa ser afectado pelo funcionamento do princípio da imediação.» mas depois decide da bondade da impugnação da matéria de facto deduzida pelo recorrente, face à prova produzida e documentada nos autos, não se pode dizer que anunciou uma interpretação restritiva (e eventualmente inconstitucional) das normas que regem os seus poderes de cognição no domínio da matéria de facto e a aplicou, com prejuízo do conhecimento das questões que haviam sido colocadas no recurso.
3 – A omissão de pronúncia só se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir e não os simples argumentos, opiniões ou doutrinas expendidos pelas partes na defesa das teses em presença.
4 – A intenção de matar é matéria de facto que escapa à censura do Supremo Tribunal de Justiça enquanto tribunal de revista, pois pertence ao âmbito da matéria de facto o apuramento da intenção de matar, a fixação dos elementos subjectivos do dolo nos crimes em que este é elemento essencial e a aplicação do princípio in dubio pro reo. A intenção de matar constitui matéria de facto a apurar pelo tribunal face à diversa prova ao seu alcance e esta, salvo quando a lei dispõe diversamente, é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador.
5 – Através do tipo legal de homicídio privilegiado, criou-se uma censura mais suave para o homicídio, em função dos motivos que determinaram a sua perpetração, uma vez que os motivos constituem, modernamente, um elemento valioso a ponderar, uma vez que não há crime gratuito ou sem motivo e é no motivo que reside, em parte importante, a significação da infracção, importando no recorte desse tipo, em primeiro lugar, que se mostre sensivelmente diminuída a culpa do agente, depois, que essa diminuição advenha de uma de quatro cláusulas de privilegiamento: (i) compreensível emoção violenta; (ii) compaixão; (iii) desespero; (iv) motivo de relevante valor social ou moral.
6 – Desespero é o estado de alma em que se encontra quem já perdeu a esperança na obtenção de um bem desejado, de quem enfrenta uma grande contrariedade ou uma situação insuportável, enfim, de quem está sob a influência de um estado de aflição, desânimo, desalento, angústia ou ânsia.
7 – Não age em «desespero de fuga» o caçador furtivo que de noite, de automóvel, holofotes laterais, com uma espingarda caçadeira, se dedica à caça furtiva em associativa de caça a que não pertence e surpreendido por guardas florestais auxiliares, retrocede em marcha atrás e vem a atingir e a matar com tiro de zagalotes um desse guardas.
AcSTJ de 17.01.2008, proc. n.º 607/07-5, Relator: Cons. Simas Santos
*
Concurso de infracções - Cúmulo jurídico - Acórdão - Fundamentação
1 – Quem sustenta que a decisão do tribunal colectivo de formulação de um cúmulo jurídico peca por fundamentação muito deficitária, deve levar às conclusões a correspondente arguição de nulidade por omissão de pronúncia e indicar no texto da motivação, com precisão, quais as menções que estariam em falta na decisão recorrida, face ao dever de referência a que estaria adstrita.
2 – Não sofre de falta de fundamentação o acórdão de cúmulo que, embora sinteticamente, identifica o tipo e o número dos crimes cometidos, as datas relevantes e as penas aplicadas, quer parcelares, quer únicas conjuntas anteriormente infligidas, estabelece os pressupostos do concurso de infracções e indica o respectivo quadro normativo, bem como da moldura penal abstracta aplicável ao caso e os critérios atendíveis, e, de seguida, face aos elementos constantes das decisões condenatórias e do relatório social, dá por assentes, nomeadamente, os factos respeitantes às sócio-económicas, familiares, pessoais, de saúde do arguido.
AcSTJ de 17.01.2008, Proc. n.º 4460/07-5, Relator: Cons. Simas Santos
*
Aplicação da lei no tempo - prisão preventiva - habeas corpus
1 – Tem entendido o STJ que o habeas corpus, tal como o configura o CPP, é uma providência extraordinária e expedita destinada a assegurar de forma especial o direito à liberdade constitucionalmente garantido, que não um recurso; um remédio excepcional, a ser utilizado quando falham as demais garantias defensivas do direito de liberdade, para estancar casos de detenção ou de prisão ilegais. Por isso que a medida não pode ser utilizada para impugnar outras irregularidades ou para conhecer da bondade de decisões judiciais, que têm o recurso como sede própria para a sua reapreciação, tendo como fundamentos, que se reconduzem todos à ilegalidade da prisão, actual à data da apreciação do respectivo pedido: (i) – incompetência da entidade donde partiu a prisão; (ii) – motivação imprópria; (iii) – excesso de prazos.
2 – A entender-se que não obsta à apreciação do pedido de habeas corpus a circunstância de poder ser, ou mesmo ter sido, interposto recurso da decisão que aplicou a medida de prisão preventiva, como resulta agora do n.º 2 do art. 219.º do CPP, deve ser-se especialmente exigente na análise do pedido de habeas corpus.
3 – Se o arguido está em prisão preventiva desde 29-03-2004, foi declarada a especial complexidade do processo e a incriminação se reporta a um crime agravado de tráfico de estupefacientes e entretanto foi condenado na pena de 12 anos de prisão, confirmada pela Relação, deve optar-se pela aplicação da redacção do art. 215.º do CPP, anterior à Lei n.º 48/2007, mais favorável ao arguido, mas não é a prisão ilegal, por não terem ainda decorrido 4 anos.
AcSTJ de 17.01.2008, proc. n.º 200/08, Relator: Cons. Simas Santos

Competência dos tribunais comunitários para fiscalizar medidas adoptadas pela Comunidade para implementar resoluções do Conselho de Segurança da ONU

O ADVOGADO-GERAL M. POIARES MADURO SUGERE QUE O TRIBUNAL DE JUSTIÇA ANULE O REGULAMENTO QUE CONGELOU OS FUNDOS DE Y. KADI

Na opinião do advogado-geral, os tribunais comunitários são competentes para fiscalizar as medidas adoptadas pela Comunidade para implementar resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas. No exercício dessa competência, considera que o regulamento viola direitos fundamentais de Y. Kadi à luz do direito comunitário

Pontos principais da Opinião do A-G:

Nas suas conclusões, apresentadas hoje, o advogado-geral Miguel Poiares Maduro sugere que o Tribunal de Justiça anule o acórdão do Tribunal de Primeira Instância e anule o regulamento impugnado na parte em que diz respeito a Y. Kadi.

Em particular, o advogado-geral é de opinião de que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro ao considerar que os tribunais comunitários têm apenas uma competência limitada para fiscalizar o regulamento. O advogado-geral Poiares Maduro afirma que são os tribunais comunitários que determinam os efeitos das obrigações internacionais no ordenamento jurídico comunitário segundo as condições estabelecidas pelo direito comunitário. Observa que a relação entre o direito internacional e o ordenamento jurídico comunitário é regulada pelo próprio ordenamento jurídico comunitário e que o direito internacional apenas pode produzir efeitos nas condições estabelecidas pelos princípios constitucionais da Comunidade. O mais importante desses princípios é o de que a Comunidade se baseia no respeito dos direitos fundamentais e no princípio do Estado de Direito.

Além disso, o advogado-geral discorda da afirmação segundo a qual proceder à fiscalização judicial seria inadequando pelo facto de o assunto em causa ser de natureza «política». Em sua opinião, a alegação de que uma medida é necessária para a manutenção da paz e da segurança internacionais não pode ter o efeito de silenciar os princípios gerais de direito comunitário e de privar os indivíduos dos seus direitos fundamentais. Pelo contrário, afirma que é quando se considera que os riscos para a segurança pública são extremamente elevados e a pressão é especialmente forte para adoptar medidas que não levem em conta os direitos individuais que cabe aos tribunais proteger o princípio do Estado de Direito com vigilância acrescida.

O advogado-geral Poiares Maduro também refuta o argumento segundo o qual, se o Tribunal de Justiça considerasse ter competência para apreciar esta questão, estaria a actuar para além dos limites do ordenamento jurídico comunitário. A este respeito, observa que os efeitos jurídicos de uma decisão do Tribunal de Justiça se limitam ao ordenamento jurídico comunitário.

Consequentemente, a seu ver, os tribunais comunitários são competentes para fiscalizar a conformidade do regulamento impugnado com os direitos fundamentais tais como são reconhecidos pelo direito comunitário.

O advogado-geral propõe que, em vez de remeter o processo ao Tribunal de Primeira Instância, seja o próprio Tribunal de Justiça a proferir uma decisão final sobre a questão de saber se o regulamento viola os direitos fundamentais de Y. Kadi.

O advogado-geral Poiares Maduro conclui que o regulamento em causa viola o direito de Y. Kadi à propriedade privada, o seu direito de audição e o seu direito à tutela jurisdicional efectiva.

Na sua opinião, todos estes direitos se encontram intimamente relacionados. O congelamento, por tempo indeterminado, dos bens de um indivíduo constitui claramente uma interferência profunda no seu direito de propriedade privada quando não existem garantias processuais que obriguem as autoridades a justificar essas medidas, como a sua fiscalização por um tribunal independente. No caso em apreço, Y. Kadi foi sujeito a graves sanções com base em sérias acusações e, no entanto, foi-lhe negada qualquer possibilidade de ver a justiça dessas alegações e a razoabilidade dessas sanções apreciadas por um tribunal independente. O advogado-geral afirma que, uma vez que não existe qualquer mecanismo de fiscalização judicial por um tribunal independente ao nível das Nações Unidas, a Comunidade não pode ser dispensada da obrigação de proceder à fiscalização judicial das medidas de implementação das resoluções do Conselho de Segurança. Se isso suceder, a inexistência daí resultante de qualquer possibilidade de Y. Kadi obter uma fiscalização independente viola os seus direitos fundamentais e é inaceitável numa comunidade baseada no princípio do Estado de Direito. Consequentemente, o regulamento deve ser anulado na parte em que lhe diz respeito.


Para aceder ao Comunicado de Imprensa:
http://curia.europa.eu/pt/actu/communiques/cp08/aff/cp080002pt.pdf

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Argumentação jurídica

.
LAS RAZONES DEL DERECHO, 3A. REIMP.

Teorías de la argumentación jurídica

Atienza, Manuel

CONTENIDO

Resumen (PDF)

Preliminares (PDF)

Nota preliminar (PDF)

Prólogo para la edición mexicana (PDF)

Capítulo primero (PDF) - Derecho y argumentación
I. Introducción
II. El ámbito de la argumentación jurídica
III. Contexto de descubrimiento y contexto de justificación: explicar y justificar
IV. El concepto de validez deductiva
V. Corrección formal y corrección material de los argumentos
VI. Silogismo teórico y silogismo práctico
VII. Argumentos deductivos y no deductivos
VIII. El silogismo judicial y sus límites
IX. Aspectos normativos y fácticos de la argumentación jurídica
X. Justificación interna y justificación externa
XI. Lógica jurídica y argumentación jurídica

Capítulo segundo
(PDF) - La tópica y el razonamiento jurídico
I. El contexto de aparición de la tópica jurídica
II. Theodor Viehweg: una concepción tópica del razonamiento jurídico
1. Desarrollo histórico de la tópica
2. Características de la tópica
3. Tópica y jurisprudencia
III. Consideraciones críticas
1. Imprecisiones conceptuales
2. La fortuna histórica de la tópica y de la lógica
3. Tópica y justicia
4. ¿Una teoría de la argumentación jurídica?
5. Sobre el desarrollo de la tópica jurídica
6. Sobre el carácter descriptivo y prescriptivo de la tópica
7. ¿Qué queda de la tópica jurídica?

Capítulo tercero (PDF) - Perelman y la nueva retórica
I. El surgimiento de la nueva retórica
II. La concepción retórica del razonamiento jurídico
1. Lógica y retórica
2. Los presupuestos de la argumentación
3. El punto de partida de la argumentación
4. Las técnicas argumentativas
III. La lógica como argumentación
IV. Una valoración crítica de la teoría de Perelman
1. Una teoría de la razón práctica
2. Crítica conceptual
3. Crítica ideológica
4. Crítica de la concepción del derecho y del razonamiento jurídico
5. Conclusión

Capítulo cuarto (PDF) - La teoría de la argumentación de Toulmin
I. Una nueva concepción de la lógica
II. Una concepción no formal de la argumentación
1. Introducción. ¿Qué significa argumentar?
2. El modelo simple de análisis de los argumentos
3. El modelo general. La fuerza de los argumentos
4. Tipos de argumentos
5. Tipos de falacias
6. La argumentación jurídica
III. Valoración crítica de la concepción de Toulmin
1. ¿Una superación lógica?
2. La contribución de Toulmin a una teoría de la argumentación

Capítulo quinto (PDF) - Neil MacCormick: una teoría integradora de la argumentación jurídica
I. Introducción
1. La teoría estándar de la argumentación jurídica
2. Argumentación práctica y argumentación jurídica según MacCormick. Planteamiento general
II. Una teoría integradora de la argumentación jurídica
1. La justificación deductiva
2. Presupuestos y límites de la justificación deductiva. Casos fáciles y casos difíciles
3. La justificación en los casos difíciles. El requisito de universidad
4. La justificación de segundo nivel. Consistencia y coherencia
5. Los argumentos consecuencialistas
6. Sobre la tesis de la única repuesta correcta. Los límites de la racionalidad práctica
III. Crítica a la teoría de la argumentación de MacCormick
1. Sobre el carácter deductivo del razonamiento jurídico
2. Un análisis ideológico de la teoría
3. Sobre los límites de la razón práctica

Capítulo sexto
(PDF) - Robert Alexy: la argumentación jurídica como discurso racional
I. Introducción
1. Planteamiento general: argumentación práctico-general y argumentación jurídica
2. La teoría del discurso de Habermas
II. La teoría de la argumentación jurídica de Alexy
1. La teoría del discurso como teoría procedimental. Fundamentación de las reglas del discurso
2. Las reglas y formas del discurso práctico general
3. Los límites del discurso práctico general
4. El discurso jurídico como caso especial del discurso práctico general. La teoría de la argumentación jurídica
5. Los límites del discurso jurídico. El derecho como sistema de normas (reglas y principios) y de procedimientos
III. Una crítica a la teoría de la argumentación jurídica de Alexy
1. Crítica a la teoría del discurso en general
2. Críticas a la teoría del discurso jurídico

Capítulo séptimo (PDF) - Proyecto de una teoría de la argumentación jurídica
I. Introducción
II. El objeto de la teoría
III. Problemas metodológicos
1. Representación de la argumentación
2. Criterios de corrección
IV. Las funciones de la teoría de la argumentación jurídica

Apéndice (PDF) - Justificación de las decisiones judiciales según Robert S. Summers

Bibliografía

Ficha curricular de Manuel Atienza (PDF)

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Casa da Supplicação

Ofensa à integridade física agravada pelo resultado - ofensa à integridade física simples - participação em rixa - nexo de causalidade - falta de discriminação dos factos provados - insuficiência da matéria de facto - vícios da sentença
I - A ausência de um nexo de causalidade entre as ofensas à integridade física praticadas pelo arguido e as lesões corporais encontradas na vítima é um pressuposto da qualificação jurídica que o tribunal de 1ª instância fez, pois, sabendo-se que houve agressões (não concretamente apuradas) daquele no corpo desta, só pela ignorância do nexo de causalidade o tribunal recorrido poderia ter imputado ao arguido a prática de um crime de ofensas à integridade física simples, p. e p. no art.º 143.º, n.ºs 1 e 3, do CP.
II – Por isso, o tribunal recorrido devia ter considerado como provado ou como não provado se entre as agressões do arguido à vítima e as lesões que esta apresentava existe um nexo de causalidade.
III - E, no caso afirmativo, se o arguido agiu com negligência no que respeita à previsibilidade do resultado “morte”, isto é, se o representou como possível face à sua provada conduta, mas com ele não se conformou [se o resultado fosse desejado pelo arguido, ainda que a título de dolo eventual, o crime seria o de homicídio e não o preterintencional de que estava acusado].
IV - Mas, ainda que não venha a ser possível provar um nexo de causalidade entre as agressões do arguido e as lesões sofridas pela vítima, tal nexo de causalidade pode, todavia, verificar-se entre a “contenda, com agressões físicas entre vários dos clientes que se encontravam naquele estabelecimento” (facto n.º 3) e as ditas lesões, caso em que, estando demonstrado que o arguido participou activamente nessa “contenda” e que, inclusivamente, também agrediu a vítima, poderíamos estar perante os factos constitutivos do crime de participação em rixa, p. e p. no art.º 151.º, n.º 1, do C. Penal.
V - Ao não ter esclarecido estes pontos de facto o tribunal recorrido incorreu em insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, vício referido na al. a), do n.º 2 do art.º 410.º do CPP e que resulta da simples leitura da sentença, pelo que é de reenviar o processo para novo julgamento, embora restrito ao apuramento de tais pontos.
AcSTJ de 10-01-2008, Proc. 4640/07-5, Relator: Cons. Santos Carvalho
*
Juiz - nomeação - categoria profissional - antiguidade
I - A Lei do CEJ é clara ao indicar que o provimento na categoria de juiz é feito pelo CSM após graduação dos auditores de justiça e, portanto, só a partir da publicação no Diário da República da respectiva nomeação como juízes de direito em regime de estágio começa a contar a antiguidade na categoria.
II - Esta regra de contagem da antiguidade dos magistrados na categoria de juiz de direito aplica-se actualmente, sem excepção, a todos os juízes, oriundos de um curso normal de formação ou de um curso especial.
AcSTJ de 10-01-2008, Secção de Contencioso, Proc. 183/07-5, Relator: Cons. Santos Carvalho
*
Roubo agravado - arma - crime qualificado
1 - Uma navalha com 20 cms. de comprimento e um canivete multifunções, “tipo suíço” com 5,5 cm de lâmina – são susceptíveis de ser utilizados como meios de agressão, isto é, podem servir para atingir a integridade física de forma significativa, ou mesmo para matar, devido às suas características vulnerantes (corto-contundentes, perfurantes, etc.).
2 - Tanto assim é, que com o uso desses instrumentos o arguido conseguiu incutir nos ofendidos receio pela sua integridade física e pela vida, anulando-lhes a capacidade de resistência.
3 - Tal comportamento das vítimas foi devido à perigosidade objectiva de tais instrumentos, pois uma navalha com 20 cms. de comprimento, independentemente de se saber qual o comprimento da sua lâmina e um canivete multifunções com uma lâmina de 5,5 cm. têm a referida capacidade para lesar a integridade física de forma significativa ou mesmo provocar a morte, podendo penetrar, rasgar, perfurar o corpo e atingir órgãos vitais (Cf. Acórdão de 19/04/2007, Proc. n.º 898-07, da 5.ª Secção, nele estando em causa uma “navalha” com 17 cm. de comprimento no total, desconhecendo-se também o comprimento da lâmina)
4 - Por outro lado, nem só as armas em sentido estrito podem ser reconduzidas ao conceito de “arma” nos termos do art. 4.º do DL 48/95, como se escreveu no Acórdão de 11/07/1996, Proc. n.º 522/96: “O conceito de arma constante da previsão do n.º 2, alínea f) do art. 204.º do Código Penal abrange não só as armas em sentido estrito, mas também os objectos que, nas circunstâncias concretas, sejam apercebidos pelo ofendido como armas e, como tal, susceptíveis de provocar a existência de um perigo iminente para a sua saúde ou até para a sua vida”.
5 - Sendo armas no sentido apontado, os instrumentos utilizados qualificam o crime de roubo, nos termos do art. 210.º, n.º 2 b), com referência ao art. 204.º, n.º 2 f), todos do CP).
AcSTJ de 10.01.2008, Proc. n.º 3173/07-5, Relator: Cons. Rodrigues da Costa
*
Recurso extraordinário - revisão de sentença - contra-ordenação - tribunal competente
O tribunal competente para a apreciação do recurso extraordinário de revisão de decisão administrativa da Direcção-Geral de Viação, transitada em julgado, que aplicou uma coima e a sanção acessória de inibição de conduzir e cuja impugnação para o tribunal da comarca não foi admitida por extemporânea, não tendo também sido admitido o recurso interposto para a Relação e posteriormente indeferida a reclamação deduzida para o presidentes desta, é o mesmo tribunal que é competente para a impugnação, ou seja o tribunal de comarca (art. 81.º . da lei-quadro das contra-ordenações (Decreto – Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, alterado pelos Decretos-Lei números 356/89, de 17/10 e 244/95, de 14/9, e pela Lei n.º 109/2001, de 24/12)
AcSTJ de 10.01.2008, Proc. n.º 3161/07–5, Relator: Cons. Rodrigues da Costa
*
Cúmulo jurídico - Impugnação das penas parcelares - Cúmulo anterior - Medida da pena
1 – Em caso de conhecimento superveniente de concurso, em que todas as condenações em concurso transitaram em julgado, não se pode no acórdão do cúmulo reexaminar essas condenações, pois que o objectivo de tal decisão é tão-só o de unificar numa única pena as penas parcelarmente aplicadas a todos os crimes, e nada mais.
2 – Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa única pena, considerando-se, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, sendo também atendíveis os elementos a que se refere o art. 71.º do C. Penal, mas sem se esquecer que isso já aconteceu em relação a cada uma das penas parcelares e que tudo se terá de reflectir na personalidade do agente, atenta a globalidade dos factos.
3 – A pena aplicável tem como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e como limite superior a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa, atento o princípio de cumulação a fonte essencial de inspiração do cúmulo jurídico em que são determinadas as penas concretas aplicáveis a cada um dos crimes singulares e é depois construída uma moldura penal do concurso, dentro do qual é encontrada a pena unitária, mas sem esquecer, no entanto, que o nosso sistema é um sistema de pena unitária em que o limite mínimo da moldura atendível é constituído pela mais grave das penas parcelares (numa concessão minimalista ao princípio da exasperação ou agravação - a punição do concurso correrá em função da moldura penal prevista para o crime mais grave, mas devendo a pena concreta ser agravada por força da pluralidade de crimes), sem que possa ultrapassar a soma das penas concretamente que seriam de aplicar aos crimes singulares.
4 – Se anteriormente foram efectuados cúmulos anteriores cúmulos, deve atender-se às respectivas penas únicas conjuntas, apesar de tais cúmulos serem desfeitos, retomando todas as penas parcelares a sua autonomia. Assim, nada na lei impede que a pena única conjunta a encontrar possa ser inferior a uma outra pena idêntica anteriormente fixada para parte das penas parcelares, embora esse resultado se apresente como uma antinomia do sistema, uma vez que tendo a anterior pena única conjunta transitado em julgado e começado a ser executada, se vê assim reduzida, aquando da consideração de mais pena(s).
5 – Mas seguramente não sofrerá da mesma crítica a manutenção do mesmo valor da pena única anteriormente fixada, apresar da consideração de mais uma pena, se dado o tempo decorrido desde a prática do facto e o desenvolvimento da personalidade do agente se mostrar desnecessária a agravação da pena anterior, como sucede quando os factos ocorreram, faz mais de 8 anos, a conduta durou menos de um ano, o acréscimo em relação ao anterior cúmulo era de 4 meses de prisão e o arguido já beneficiava de liberdade condicional.
AcSTJ de 10.01.2008, proc. n.º 3184/07-5, Relator: Cons. Simas Santos
*
Roubo agravado - Detenção ilegal de arma - Co-autoria - Cumplicidade - Opção pela pena de multa - Medida da pena
1 – Estando provado que ambos os arguidos tomaram de empréstimo a pessoa desconhecida a pistola utilizada no assalto tendo aqueles caucionado o empréstimo mediante a entrega de 250 Euros. Que conheciam as características da arma e sabiam que não está manifestada, nem registada, por não ser susceptível de manifesto ou registo devido a ser clandestina, e estavam cientes de que o seu uso, detenção e transporte fora das condições legais constitui crime, mas não se coibiram de actuar do modo provado, conformando-se com o resultado da sua conduta, cometeram ambos o crime de detenção ilegal de arma, mesmo se só um a utilizou, de comum e prévia acordo de ambos, num roubo.
2 – Face ao dispositivo do art. 26.º do C. Penal (é punível como autor quem tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros), como vem entendendo este Supremo Tribunal de Justiça, são autores do crime aqueles que tomam parte directa, na execução do crime, não sendo necessário que cada um dos agentes cometa integralmente o facto punível, que execute todos os factos correspondentes ao preceito incriminador; aquele que, mediante acordo prévio com outros agentes, pratica acto de execução destinado a executá-la é co-autor material dessa mesma infracção, não sendo necessário que tome parte na execução de todos esses actos, desde que seja incriminada a actuação total dos agentes.
3 – Verifica-se a co-autoria quando cada comparticipante quer o resultado como próprio com base numa decisão conjunta e com forças conjugadas, bastando um acordo tácito assente na existência da consciência e vontade de colaboração, aferidas aquelas à luz das regras de experiência comum.
4 – Se os dois arguidos projectaram, em conjunto, o roubo o implicou recolher informação sobre a forma de agir dos funcionários da empresa de segurança, no local visado, decidiram cometê-lo em conjunto, trataram de obter conjuntamente a arma a utilizar no roubo e dividindo, entre eles, as actividades a desenvolver na restante execução, enquanto um arguido ficou encarregado de se dirigir aos funcionários da empresa em causa, retirando-lhes, contra a sua vontade e com a ameaça da arma de fogo, obtida por ambos, o saco com o dinheiro, ao outro arguido coube assegurar a fuga de ambos, num esquema muito comum na actividade de roubo e um clássico no roubo a instituições bancárias, sem que se levante legitimamente a dúvida sobre a co-autoria do co-arguido que fica ao volante do automóvel para garantir a fuga.
5 – Quando são acentuadas as exigências de prevenção geral positiva pela gravidade da conduta em causa: os arguidos foram obter propositadamente para cometer um crime de roubo, uma arma de fogo transformada que utilizaram efectivamente para os fins tidos em vista, não se deve optar pela pena de multa na punição do crime de detenção ilegal de arma.
6 – Num crime de roubo agravado, em que os agentes tem 26 e 30 anos, não tem antecedentes criminais, usam só a arma para ameaçar e assim obter o dinheiro, aceita-se a pena 7 anos de prisão.
AcSTJ de 10.01.2008, proc. n.º 4277/07-5, Relator: Cons. Simas Santos

domingo, 13 de janeiro de 2008

1º Curso do Programa de Formação Avançada
Justiça XXI

Garantias e eficácia no quadro da nova reforma penal

1/2 e 8/9 de Fevereiro de 2008

Sede da Associação Sindical dos Juízes
Rua Ivone Silva, n.º 6, Lote 4, 19.º Direito, Edifício Arcis, Lisboa
Organização:
Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP)
Cebtro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra
Observatório Permanente da Justiça (CES/OPJ)

Apresentação
O Programa de Formação Avançada Justiça XXI cujo objectivo fundamental é contribuir para a modernização, eficiência e eficácia do desempenho do sistema judicial inicia-se com o curso «Garantias e eficácia no quadro da nova reforma penal».As alterações aos Códigos Penal e do Processo Penal, bem como a entrada em vigor da Lei Quadro da Política Criminal e da Lei que define os objectivos, prioridades e orientações da política criminal vieram introduzir mudanças muito significativas no quadro jurídico da justiça penal. A relevância destas reformas no sistema jurídico português exige uma adequada preparação dos seus principais agentes para uma correcta aplicação das mesmas. O programa e o quadro de formadores proposto, bem como o modo de funcionamento definido fazem deste Curso um adequado espaço de formação avançada, permitindo, não só a qualificação técnica dos formandos, mas também o desenvolvimento de boas práticas e a criação de um espaço de reflexão e discussão sobre estas temáticas.

Coordenadores do Curso
Dr. José Mouraz Lopes (ASJP) ; Drª. Conceição Gomes (CES/OPJ)

Destinatários
Aberto a todos os profissionais de justiça ou com especial ligação a este sector, designadamente magistrados judiciais e do Ministério Público, advogados, funcionários judiciais, órgãos de polícia criminal, meios de comunicação social, técnicos de instituições do Estado, de associações ou de ONGs

Inscrições abertas até 24 de Janeiro de 2008
Ficha de inscrição em
http://www.ces.uc.pt/misc/inscricao/ficha_inscricao.html

Programa
1 de Fevereiro, 14.30h - 18h
Tema: A garantia judiciária e o papel do juiz de instrução
Formadores: Dr. Jorge Gonçalves, Juiz Auxiliar no Tribunal da Relaçãode Coimbra; Dr. Paulo Dá Mesquita, Procurador da República

2 de Fevereiro, 9.30h - 13h
Temas:A responsabilidade criminal das pessoas colectivas O novo quadro sancionatório
Formadores: Professor Doutor Paulo Sousa Mendes, FDUL; Dr. António Latas, Juiz Auxiliar no Tribunal da Relação de Évora

8 de Fevereiro, 14.30h - 18h
Tema: O fim do modelo do segredo de justiça: eficácia da investigação versus direito de defesa
Formadores: Dr. Simas Santos, Juiz Conselheiro; Dr. Rui do Carmo, Procurador da República

9 de Fevereiro, 9.30h - 13h
Temas:Eficácia e garantia no modelo de recursos em processo penal
Formadores: Professor Doutor Germano Marques da Silva, FDUCP; Dr. José António Barreiros, Advogado

9 de Fevereiro, 14h,30m – 17h
Seminário final
Dr. António Henriques Gaspar, Juiz Conselheiro do STJ(com a participação dos formadores)

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Casa da Supplicação

Subtracção de menor - Sequestro agravado - Concurso de infracções - Interpretação das sentenças - Direito ao silêncio do arguido - Dolo - Indemnização - Medida da pena - Suspensão da execução da pena - Imposição de deveres
1 – A Relação, sendo um tribunal de instância e não de revista, pode legitimamente extrair ilações ou conclusões da matéria de facto fixada pela 1.ª Instância ou por si, o que constitui igualmente matéria de facto. Essas conclusões ou ilações escapam à censura do tribunal de revista, mas as instâncias ao extrair aquelas conclusões ou ilações devem limitar-se a desenvolver a matéria de facto provada, não a podendo alterar.
2 – O direito ao silêncio por parte do arguido não é um direito ilimitado e que incide sobre os factos que lhe forem imputados e sobre o conteúdo das declarações que acerca deles prestar, ou seja, abrange apenas o interrogatório substancial sobre o mérito (a factualidade integradora da acusação e declarações sobre ela já prestadas) e a questão da culpabilidade, que comporta excepções, como a resultante da al. b) do n.º 3 desse art. 61.º, e o, já referido, dever de responder com verdade às perguntas feita por entidade competente sobre a sua identidade e, quando a lei o impuser, sobre os seus antecedentes criminais.
3 – Tem entendido o Supremo Tribunal de Justiça que o silêncio, sendo um direito do arguido, não pode prejudicá-lo, mas também dele não pode colher benefícios. Se o arguido prescinde, com o seu silêncio, de dar a sua visão pessoal dos factos e eventualmente esclarecer determinados pontos de que tem um conhecimento pessoal, não pode, depois, pretender que foi prejudicado pelo seu silêncio.
4 – Como vem entendendo pacificamente o Supremo Tribunal de Justiça, a sentença judicial é ela também susceptível de ser interpretada com recurso às boas regras de hermenêutica, pois não obstante a sua característica de acto de autoridade, designadamente a sua parte decisória, é um acto jurídico declarativo e formal, dirigido às partes e, portanto, susceptível de interpretação, de harmonia com as regras, devidamente adaptadas, consignadas nos art.ºs 236.º e ss., do C. Civil.
5 – Se no dispositivo do acórdão da 1.ª Instância se escreve que o colectivo de juízes decidiu absolver o arguido da prática como autor material de um crime de subtracção de menor do art. 249.º, n.º 1, al. c) do C. Penal, mas na fundamentação da decisão se tiverem por verificados dois crimes: de sequestro agravado e de subtracção de menor, em concurso aparente entre esses dois crimes e concluir neste último sentido, decidindo que o arguido seria só punido «pela prática do crime de sequestro sendo os restantes factos ponderados na determinação da medida concreta da pena, é esta luz que deve ser interpretado o dispositivo.
6 – E se o arguido ao recorrer para a Relação não impugnou a decisão da 1.ª instância quanto à verificação do crime de subtracção de menor, se vier a cair a condenação pelo crime de sequestro, desaparecendo o concurso de infracções, só resta determinar a pena a aplicar por aquele crime.
7 – Mostrando-se preenchidos os crimes de subtracção de menor e de sequestro, verifica-se um concurso aparente a punir no quadro do crime de sequestro.
8 – No crime de subtracção de menor censuram-se agressões ao legítimo exercício dos poderes legalmente definidos para o suprimento da incapacidade dos mesmos – poder paternal e tutela, estabelecendo-se uma dupla protecção: por um lado, em benefício do menor, para que permaneça dentro da sua família, e, por outro, em favor desta, com vista a conservá-lo no seu seio.
9 – Prevêem-se três situações delituosas: subtracção; determinação à fuga por meio de violência ou ameaça de mal importante; ou recusa de entrega do menor a quem esteja legitimamente confiado, isto é: sonegação ou retenção de menor a quem exerça o poder paternal, a tutela ou qualquer outro poder legítimo sobre ele.
10 – Há recusa na entrega sempre que o menor, temporária ou precariamente fora dos cuidados de quem de direito, por acção do agente sob cujo instável poder se encontra não regressa ao seu poder de direcção e guarda, residindo aqui a tónica criminosa, pois, na retenção sem justa causa.
11 – Estando assente que foi o arguido notificado da sentença judicial que regulou o exercício do poder paternal da menor e determinou, a atribuição ao assistente, pai desta, o desempenho do poder paternal e que, não obstante a interposição, por si, de recurso então não admitido, mas sempre com efeito meramente devolutivo, logo legal e imediatamente obrigatório (art. 185.º da O.T.M.), sempre se recusou a entregar a menor ao assistente, bem sabendo que a isso estava obrigado, verifica-se o crime de subtracção de menor.
12 – O Supremo Tribunal de Justiça, num caso semelhante (AcSTJ de 2.1.2006, proc. n.º 3127/05), entendeu que se verificava, no caso, concurso aparente entre um crime de sequestro agravado e um crime de subtracção de menor a punir no quadro do crime de sequestro, com o dolo genérico, em relação a este último, a consciência e vontade de privar alguém da sua liberdade de movimento e de a confinar a um determinado espaço.
13 – Não se ofereceram então dúvidas sobre a verificação do dolo do agente que levara a menor da presença da mãe, que exercia o poder paternal, contra a vontade desta, inesperadamente, para local desconhecido onde a mantém, impedindo os contactos, sem a menor se poder movimentar livremente, através da sua mãe, utilizando-a como instrumento de vingança, sofrimento e dor, contra esta e sua família, procurando, assim, levar a mãe da menor a reatar o relacionamento amoroso, ameaçando-a de, em caso negativo nunca mais voltar a ver a filha. Ou seja, o agente agiu com a intenção de privar a menor da sua liberdade de movimento e de a confinar a um determinado espaço, para poder utilizar essa situação como um elemento de pressão que levasse a mãe daquela a realizar um desejo seu (reatamento da vida em comum), condicionada por aquele confinamento.
14 – Mas, tal não acontece, mostrando-se afastado o dolo de seuqestro, quando, como no caso presente, a própria decisão recorrida entendeu que:
– O «arguido previu e quis agir com o desígnio de, por meio de tais condutas, não restituir a menor ao assistente, pessoa que sabia que juridicamente tinha a sua guarda e direcção, ficando a menor submetida à sua disposição e fora do domínio e controlo do assistente (…) Ao agir do modo acima descrito previu e quis, ainda, reter a menor consigo, bem sabendo que atenta a idade desta última, a mesma estava impossibilitada de ir para a casa e companhia do assistente, seu pai, pelos seus próprios meios»;
– «A circunstância de o recorrente ter recebido a menor da mãe, pouca importância tem, a partir do momento em que nenhuma lei ou decisão judicial conferiu ao arguido e sua mulher o direito de a levar e de a conservar consigo nas circunstâncias em que o fez, desconhecendo se o pai estava de acordo com a entrega e mais tarde, retiveram-na sabendo que fora atribuído o poder paternal ao pai, o assistente»;
– «Por outro, e fundamentalmente, porque o arguido e sua mulher, negaram o acesso dos pais (pai e mãe) à menor não deixando sequer vê-la, não a apresentando ao tribunal nem ás autoridades, agiram como se tivessem a guarda e confiança da menor»;
– Levou-a para local desconhecido, com o propósito de a afastar dos pais. Deste modo quis fazer nascer laços de amor da criança para com eles, com o decorrer do tempo, fazendo-se passar por pais, apagando a personalidade da menor, mudando-lhe até o nome, tudo para poder alegar o interesse superior da menor. Para justificar a sua actuação, criou através da ficção uma realidade familiar à menor, que não existia.»
15 – Então está bem patente o dolo do crime de subtracção de menor, na modalidade de recusa da sua entrega a quem estava legitimamente confiado. O arguido e mulher mantiveram a menor fora do alcance do assistente e das autoridades judiciais e policiais, somente como forma de consumarem o crime de subtracção de menor, mas não se deve afirmar a existência de um dolo genérico autónomo e próprio do crime de sequestro, mas um intensíssimo dolo em relação ao crime de subtracção de menor.
16 – Os desenvolvimentos no processo de regulação do poder paternal, documentados no processo, permitem concluir que a menor foi cuidada neste tempo e que o recorrente persiste na sua tentativa de obstar ao exercício efectivo pelo assistente do poder paternal.
17 – Faltando o elemento subjectivo do crime de sequestro não pode manter-se a condenação do arguido por esse crime, o que não significa, como se viu, que deva ser de todo absolvido da acusação oportunamente formulada contra si.
18 – Afastada a prática do crime de sequestro, afastado fica o concurso aparente, pelo que a conduta do recorrente continua punível, mas agora no quadro exclusivo do crime de subtracção de menor, pelo que haverá que individualizar judicialmente a pena.
19 – De acordo com a redacção dada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro ao art.249.ºdo C. Penal, a conduta do arguido é hoje punível com prisão de 1 a 5 anos, mas de acordo com o disposto no n.º 4 do art.2.º do mesmo diploma, aplicar-se-á a pena prevista na redacção vigente à data da prática dos factos: prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.
20 – Não é de optar pela pena de multa, dadas as circunstâncias do caso, o dolo intenso com que agiu o recorrente, a persistência na sua conduta, o desrespeito pelos interesses e direitos da menor e de seu pai, bem como pelo sistema legal e judicial, os danos presentes e futuros da sua conduta que não permitem concluir que a aplicação de uma pena de multa satisfaça as necessidades de prevenção geral de integração e de intimidação. E mesmo a prevenção especial, neste contexto em que o recorrente ainda não compreendeu o desvalor dos resultados da sua conduta, não se satisfaz com a aplicação de uma pena de multa.
21 – Determinada a moldura penal abstracta correspondente ao crime em causa, numa segunda operação, é dentro dessa moldura penal, que funcionam todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor ou contra o agente, designadamente:
– O grau de ilicitude do facto, ou seja, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente e o dolo directo e intensíssimo, estando provado, neste domínio e em síntese, que o arguido:
* Impediu que a menor fosse entregue à guarda e aos cuidados do pai, o assistente, ocultado o lugar onde esta se encontrava, chegando a mudar várias vezes de residência, apesar de saber que este tinha juridicamente a sua guarda e direcção, e que lhe incumbia educar e tratar a filha, com quem deveria viver, privando pai e filha da companhia um do outro.
* Vem tomando decisões sobre o modo e condições de vida da menor, contra a vontade do seu pai, titular do exercício do poder paternal, a quem compete decidir sobre a vida daquela, sabendo que esta não tem capacidade de decisão.
* Impediu a menor de criar vínculo afectivo com o progenitor, sequer de se aproximar dele, nunca tendo dialogado com este, no sentido de entre todos acordarem uma solução que causasse um menor sofrimento a esta, ao ser deslocada de junto de si para junto do pai; impediu-a de conhecer a sua verdadeira identidade, o seu verdadeiro nome, a sua realidade familiar, quer pelo lado do pai, quer pelo lado da mãe. Sabia que quanto mais se prolongasse no tempo a recusa de entrega da menor ao pai, retendo-a junto de si, mais penoso seria para esta adaptar-se à sua família e ao contexto e valores de vida desta.
* Isto quando logo em 27.2.2003 o pai da menor manifestou ao Ministério Público de Sertã, o desejo de regular o exercício do poder paternal e de ficar com a menor à sua guarda e cuidados e imediatamente procurou a filha, deslocando-se à residência do arguido, logo que conheceu o local onde esta se encontrava aos fins de semana, inúmeras vezes, reclamando a sua filha, conhecê-la e levá-la consigo para a sua residência, o nunca lhe foi permitido, mesmo durante o Processo de Regulação do Poder Paternal, cujo desfecho lhe foi favorável, percorrendo milhares de quilómetros em viatura própria, mensal e em determinadas alturas, semanalmente, quer para ver a filha, quer para que lhe fosse entregue.
* O arguido, não obstante a sentença proferida na regulação do poder paternal, recusou-se a entregar a menor.
* O pai da menor, quis e quer, desde que o soube ser o pai, assumir-se realmente como tal, não pode, como desejava, dar-lhe os cuidados e atenção de pai, apresentá-la à sua família, inseri-la no seu agregado familiar, quando organizou a sua vida nessa perspectiva. Sendo grande a sua tristeza, angustia e desespero, ao ver-se sucessivamente impedido de ter acesso à respectiva, filha por causa da actuação do arguido e esposa,
– Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram: o arguido agiu sabendo que quanto mais se prolongasse no tempo a recusa de entrega da menor ao pai, retendo-a junto de si, mais penoso seria para esta adaptar-se à sua família e ao contexto e valores de vida desta. Não obstante a sentença proferida na regulação do poder paternal, recusou-se a entregar a menor e adoptou uma atitude de menosprezo pelos sentimentos anseios e expectativas do pai em relação à sua filha, dizendo-lhe directamente "nunca lhe entregariam a filha”.
* Pretendia o recorrente, com a sua conduta, evitar a entrega da menor ao pai e ficar com ela como se sua filha fosse. Mas, como se refere no acórdão recorrido, «ao manter uma atitude de não entregar a menor, uma criança, agora já com cinco anos, privando-a do contacto com o pai, e até, em certo momento com a mãe, não permitindo a convivência com a sua génese de sangue, não dando sequer qualquer informação sobre a mesma, deixando até a dúvida de como a criança se encontra física e psicologicamente, tendo este comportamento como de interesse para a criança, como se fosse do interesse de qualquer criança negar-lhe o acesso ao pai, despersonalizando a criança, mudando-lhe o nome, ocultando a origem » (…) «Como resulta da matéria de facto provada, a conduta do arguido demonstra uma personalidade assente em traços de teimosia, intransigência e frieza, bem como a “falta de ressonância afectiva e de assunção de sentimentos de culpa”, confundindo o seu egoísmo com o interesse da criança.»
– As condições pessoais do agente e a sua situação económica: o arguido é sargento do Exército e é casado.
– A conduta anterior ao facto e posterior a este: o arguido não tem antecedentes criminais;
22 – A esta luz as enormes exigências de prevenção geral de integração e de intimidação impõem a aplicação de uma pena que coincide com o limite máximo da respectiva moldura penal abstracta: 2 anos de prisão, pena que é consentida pelo muito intenso dolo com que o arguido agiu.
23 – A circunstância de só o arguido ter recorrido da condenação confirmada pela Relação significa eu não lhe pode, por isso, ser aplicada uma pena mais grave do que a que lhe fora infligida pela Relação: 3 anos de prisão suspensa na sua execução por 3 anos, com as condições mencionadas, o que dispensa o Supremo Tribunal de Justiça de analisar que se seria ou não de suspender a execução da pena de prisão. Com efeito, tem entendido, este Supremo Tribunal de Justiça que em recurso só trazido pelo arguido, este não pode ser penalizado mais gravemente do que na decisão recorrida, por virtude do princípio da reformatio in pejus, consagrado no art. 409.º do CPP, tal como vem entendendo.
24 – Assim a pena de 2 anos que agora se aplica pelo crime de subtracção de menor, vai suspensa na sua execução por 2 anos, subordinada ao cumprimento pelo arguido dos seguintes deveres, nos termos do n.º 1 do art. 51.º do C. Penal:
– Apresentar a menor nos tribunais ou noutro local que o juiz competente ordene e sempre que seja exigido a sua presença.
– Cumprir todas as decisões que envolvam a menor que sejam tomadas no tribunal que regula o exercício do poder paternal.
25 – Não se retoma o estabelecimento do objectivo fixado, pela Relação, para a apresentação da menor (o de os técnicos promoverem a explicação à menor acerca da sua real identidade e a dos seus progenitores), pois que os desenvolvimentos posteriores do processo de regulação de poder paternal, documentados nestes autos, com as dificuldades sentidas pela competente Secção Cível da Relação de Coimbra na definição precisa do tempo e modo da aproximação da menor ao assistente seu pai, significa que a manutenção desse dever iria interferir no procedimento que vem sendo seguido no processo de regulação do poder paternal.
26 – Agiu, assim, ilicitamente o arguido, pelo que estando demonstrados os danos causados pela sua conduta, não podia o mesmo deixar de ser condenado no pagamento de uma justa indemnização.
AcSTJ de 10.01.2008, proc. n.º 3227/07-5, Relator: Cons. Simas Santos

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Convites e recusas

A ser verdade o que se conta aqui, como é possível que, num estado a que ainda se chama de direito, se formulem convites "informais" e de "cortesia" para a constituição de uma equipa de investigação criminal e se admitam "recusas" de colaboração, enquanto prazos processuais caminham inexoravelmente para o fim?
Não há quem ponha cobro a esta rebaldaria?

domingo, 6 de janeiro de 2008

"Senhor juiz, tire a caca do nariz!"

Rui Rangel, de que ouvi falar, pela primeira vez, quando foi juiz do tribunal de instrução criminal de Santo Tirso, de não grande memória, é um juiz que escreve semanalmente no Correio da Manhã. Está no seu direito.

Mas, quando escreve assim, com ofensa para a pessoa do inspector-geral da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), só o poderá fazer, se tanto, como mero cidadão, sem o pendericalho da profissão à frente do nome, que tem a obrigação de preservar e honrar.

Só me apetece dizer, como quando andava na escola primária, "senhor juiz, tire a caca do nariz".