sexta-feira, 14 de julho de 2006

Casa da Suplicação LXXVII

Homicídio simples tentado – Convolação – Reformatio in pejus – Medida da pena – Recurso de revista – Poderes de cognição do STJ – Indemnização – Danos não patrimoniais – Perda de capacidade de ganho – Danos futuros
1 - Não há nenhum efeito necessário e automático entre a opção por uma moldura penal abstracta mais severa e a alteração da medida concreta da pena infligida, embora se aceite que tal possa ser uma consequência frequente.
2 - Pode o Tribunal Superior não alterar a pena concreta, não obstante efectuar a convolação, devendo então justificar adequadamente a sua opção, pois, perante a nova incriminação, não fica preso à apreciação do caso feita pelo Tribunal recorrido, à luz do disposto no art. 71.º do C. Penal, antes lhe cabe autonomamente o dever de estabelecer, a esta luz e da nova moldura abstracta, a pena que reputa de justa e adequada e justificar a sua opção.
3 – Não oferece dúvidas de que é susceptível de revista a correcção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação; a questão do limite ou da moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado, salvo perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efectuada.
4 - É adequada a pena de 3 anos se prisão suspensa na sua execução, se:
– três indivíduos, em conjunto se dirigem ao arguido que stava num armazém, afirmando: “Anda cá para fora que é desta que te vamos matar” de forma convincente, fazendo com que se instalasse neste um clima de medo e instabilidade, com receio da concretização dessas ameaças e, acto contínuo, aqueles indivíduos, já munidos com um pau, um “pé de cabra” de ferro e uma moca de madeira, se dirigiram ao armazém e começaram a bater à porta, partindo os vidros e apelidando o arguido de “cabrão” e “filha da puta”, dizendo um deles, em voz alta, que ia ao carro buscar uma arma e acabava já com aquilo;
– o arguido JC tendo repentinamente conseguido entrar em sua casa, a cuja porta um daqueles indivíduos passou a bater, acompanhado dos outros, e visivelmente transtornado e assustado pelo que se estava a passar, assomou a essa porta com uma espingarda de caça, e, a uma distância do individuo que anunciar ir buscar a arma atingindo-o no ombro direito e, apercebendo-se do estado em que este ficara, baixou a espingarda e nada mais fez, apesar de dispor de outra bala.
5 - A reparação dos danos não patrimoniais não tem por fim, por ser isso impossível, colocar o lesado no statu quo ante, mas apenas compensá-lo, indirectamente, pelos sofrimentos, pela dor e pelos desgostos sofridos, atribuindo-lhe uma quantia em dinheiro que lhe permita alcançar, de certo modo, uma satisfação capaz de atenuar, na medida do possível, a intensidade do desgosto sofrido.
6 – E na formação do juízo de equidade, devem ter-se em conta também as regras de boa prudência, a justa medida das coisas, a criteriosa ponderação das realidades da vida, como se devem ter em atenção as soluções jurisprudenciais para casos semelhantes e nos tempos respectivos .
7 – Mas, tal como escapam à admissibilidade do recurso "as decisões dependentes da livre resolução do tribunal" (art.s 400.1.b do CPP e 679.º do CPC), devam os tribunais de recurso limitar a sua intervenção - em caso de julgamento segundo a equidade às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, "as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida".
8 – Se não se deu como provado que o ofendido deixou de auferir o vencimento anterior, como funcionário de uma autarquia, na determinação o valor dos danos futuros, por perda da sua capacidade para o trabalho, não se deve atender para o cálculo do montante da indemnização esse vencimento, mas sim a dificuldade acrescida que ele terá de enfrentar para ao longo da sua vida activa para efectuar as tarefas profissionais, que foi fixada em 25%, o reflexo dessa incapacidade na progressão da carreira e o reflexo da incapacidade tem ainda sequelas nas tarefas normais diárias que se prolongam para além da vida activa.
Ac. do STJ de 13.07.2006, proc. n.º 2046/06-5, Relator: Cons. Simas Santos

Acórdão da Relação – Admissibilidade de recurso para o STJ – Decisão que põe termo à causa – Revogação da suspensão da execução
É irrecorrível para o Supremo Tribunal de Justiça o acórdão da Relação, proferido em recurso de decisão de 1.ª instância, que se pronunciou sobre a revogação de uma pena suspensa, já que, em termos processualmente relevantes, não se trata de "decisão que põe termo à causa", isto é, a decisão substantiva que foi objecto do processo, enfim, a decisão sobre o mérito da causa.
Ac. do STJ de 13.07.2006, proc. n.º 2161/06-5, Relator: Cons. Simas Santos

Recurso de matéria de facto – Erro notório na apreciação da prova – Violação das regras de direito de valoração da prova – Recurso directo para o STJ
1 - Quando com o recurso interposto de decisão final de Tribunal Colectivo, se intenta que o Tribunal Superior reexamine a decisão impugnada em matéria que se situa no âmbito factual, como sucede quando invoca o erro notório na apreciação da prova, o seu conhecimento cabe ao Tribunal da Relação e não ao Supremo Tribunal de Justiça.
2 – Não se está então perante um recurso exclusivamente de direito, cujo conhecimento caiba ao Supremo Tribunal de Justiça, mas sim à Relação, a quem compete conhecer de recurso interposto de um acórdão final do tribunal colectivo em que se impugna a matéria de facto, o que inclui todos eventuais vícios, processuais ou de facto, do julgamento de 1.ª instância.
3 - A norma do corpo do art. 434.º do CPP só fixa os poderes de cognição do Supremo Tribunal em relação às decisões objecto de recurso referidas nas alíneas a), b) e c) do artigo 432.º, e não também às da alínea d), pois, em relação a estas, o âmbito do conhecimento é fixado na própria alínea, o que significa, que, relativamente aos acórdãos finais do tribunal colectivo, o recurso para o Supremo só pode visar o reexame da matéria de direito.
4 - Assim, o recurso que verse [ou verse também] matéria de facto, designadamente os vícios referidos do artigo 410.º, terá sempre de ser dirigido à Relação, em cujos poderes de cognição está incluída a apreciação de uma e outro, sem prejuízo de o Supremo poder conhecer, oficiosamente, daqueles vícios como condição do conhecimento de direito.
Ac. do STJ de 13.07.2006, proc. n.º 2670/06-5, Relator: Cons. Simas Santos

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