terça-feira, 25 de julho de 2023

<>Ernestina, para conhecer o tempo dos nossos avós

Francisco Louçã 

25 de Julho de 2014, 08:30

Por

rentes

Rentes de Carvalho, que tem hoje 84 anos, foi obrigado pela ditadura a exilar-se e fez uma longa carreira como escritor na Holanda, depois de percorrer outras paragens, antes de ser descoberto em Portugal. A sua magnífica biografia romanceada, Ernestina, descreve os anos entre 1930 e 1950, um país sorumbático, onde tudo ficava tão longe, mas mostra-nos também o esforço de sobrevivência e de dignidade daquela gente condenada. Rui Lagartinho, aqui no Público, chamou-lhe “uma aguarela de gentes , costumes e tradições das paisagens da aldeia, da vida no Porto ou em Gaia”.

Havia um encanto parado: “As casas e as pessoas, os animais, os cheiros, a música dos chocalhos, os sinos a tocar à reza, o gemer dos carros de bois, os montes coroados de pinhos e as encostas que ao longo do dia mudam de cor, ela era um todo harmonioso, aconchegado, imutável”. E havia carinho e havia violência.

Mas havia sobretudo pobreza, tanta pobreza: “Casa não é bem o termo. Por ser grande demais também não se lhe poderia chamar casebre. Nem palheiro, embora fosse coberta de colmo. Mais tarde, quando a percorri com vagar, iria dar-me conta de que era uma construção baixa, duma porta só, duas ou três janelas sem vidraças, aqui e além frestas estreitas por onde entrava um pouco de ar e um pouco de luz. Para a esquerda ficava a cozinha, atrás dela uma enfiada de alcovas, a adega, as tulhas, a arrumação. À direita havia um curral para as ovelhas, seguia-se o estábulo para a junta de vacas e, separadas delas por um tabique, estavam duas parelhas de mulas. Ao fundo ouvia-se o grunhir dos porcos. Tudo sob o mesmo tecto.”

Com Ernestina, olhamos para os nossos avós e é assim que conhecemos Portugal.

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