sexta-feira, 28 de junho de 2013

Cenas legais pouco recomendáveis

Francisco Teixeira da Mota, no Público

Escrever direito

É uma crítica habitual - que, aliás, já vem dos tempos da outra senhora, que os proibia - dizer que os partidos políticos só olham para o seus próprios interesses e dos seus apaniguados, subordinando os interesses nacionais a interesses particulares e mesquinhos. Mas não é verdade. É um mito que os partidos não saibam ultrapassar as suas divergências e não sejam capazes de se unirem quando o interesse nacional está em causa, pondo de lado, ainda que temporariamente, eventuais vantagens económicas ou eleitorais.

Um exemplo recente foi a decisão do passado dia 27 de Fevereiro, tomada por unanimidade pelos presidentes dos grupos parlamentares, de não clarificar a lei da limitação dos mandatos autárquicos. Uma decisão que foi anunciado com legítimo orgulho pela presidente da Assembleia da República e em que vimos os partidos representados na Assembleia da República darem as mãos e produzirem obra de valor, pensando exclusivamente no interesse de todos os portugueses,

Souberam aí os partidos políticos discernir o interesse da nação e não ir atrás, por exemplo, do sedutor canto de aves agoirentas. Como era o caso do provedor de Justiça que, dias antes, tinha recomendado que a Assembleia da República clarificasse o real alcance do artigo da lei sobre a limitação de mandatos dos presidentes das câmaras, no sentido de que, ou a limitação apenas se aplicava na mesma autarquia em que tinham sido cumpridos os mandatos anteriores ou em qualquer outra autarquia.

A presidente da Assembleia da República, numa clara e insofismável demonstração da supremacia da lógica jurídica sobre a realidade, explicou lapidarmente a situação: "O argumento de que há uma polémica sobre a interpretação não pode levar o legislador a entrar em procedimentos legislativos permanentes, porque há sempre polémicas de legislação que no lugar certo se resolvem" e acrescentou "se de cada vez que há um problema de interpretação o Parlamento voltasse a legislar, aí é que o Estado de direito sofreria alguma crise".

O sacrifício partidário que representou esta atitude dos nossos parlamentares ainda se torna mais digno de encómios pelo facto de terem assim permitido ao "Movimento Revolução Branca" ganhar um merecido protagonismo. Esta associação, com base nessas dúvidas de interpretação da lei, tem vindo, como é sabido, a apresentar providências cautelares nos tribunais para impedir a recandidatura dos "dinossauros" autárquicos que se decidiram a mudar de território, mas não de pastagem.

O manifesto desta associação, em boa hora promovida pelo nosso Parlamento, é claro no seu diagnóstico: "O que determinou cairmos no estado desesperado em que Portugal se encontra foi o facto da classe política que partilha, de forma controlada, o poder e a passividade de actuação das restantes forças políticas, representadas no Parlamento, terem desenvolvido e centralizado todas as suas actuações, visando interesses obscuros privados e não o bem público, bem como da nação como seria suposto, constitucionalmente, fazerem". O seu líder afirmou mesmo, manifestando a sua sintonia com o Parlamento: "Somos apartidários. O nosso partido é unicamente o nosso país"! Dá gosto ouvir palavras tão profundas.

E como é que poderão não se sentir recompensados os nossos parlamentares ao verem as sucessivas e contraditórias decisões das providências cautelares sobre esta matéria enquanto se aproxima a data das eleições? Seguramente, sentirão uma inebriante sensação do dever cumprido. Contra ventos e marés. E, com toda a certeza, uma particular comoção ao ouvirem o empolgante discurso do líder desta associação: "Há muitos anos que deixei de ser palhaço. Hoje luto para deixar de ser escravo e para não permitir que esta herança chegue aos meus filhos". Na verdade, quem é que ainda é palhaço no nosso país? E quem é que não quer deixar de ser escravo?

Mas ainda há mais um motivo de orgulho para os nossos partidos políticos. E esse motivo é particularmente honroso: ao recusarem-se a clarificar a lei, contribuíram para o prestígio, credibilidade e respeito pelos nossos tribunais. Um exemplo? O que fez o candidato à Câmara de Lisboa pela coligação PSD/CDS, quando se viu confrontado com uma decisão judicial de 1.ª instância, confirmada por um tribunal superior, de que se encontrava impedido de se candidatar à presidência da capital? Passou a assumir plenamente a sua candidatura, afirmando publicamente: "Enquanto jurista e docente universitário de Direito Constitucional, não tenho a mínima dúvida sobre a minha legitimidade para me apresentar como candidato à presidência da Câmara de Lisboa, convicção esta que me leva a assumi-la plenamente". É muito bonito de se ver. E é mesmo caso para dizer: podemos não ser palhaços mas o circo é permanente.

Advogado. Escreve à sexta-feira ftmota@netcabo.pt

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