Público - 29/01/2013
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A experiência mostra que um dos efeitos mais
comuns da austeridade é o reforço inusitado do centralismo
1.
A Região Norte é a região mais pobre de Portugal e uma das mais pobres da
Europa. Vou escrever isto outra vez: a Região Norte é a região mais pobre de
Portugal e uma das mais pobres da Europa. Vou escrever isto uma terceira vez: a
Região Norte é a região mais pobre de Portugal e uma das mais pobres da Europa.
2. Há muitas e boas razões
para defender a equidade territorial. Há razões de justiça, de justiça para com
os portugueses, não os dividindo em cidadãos de primeira e de segunda, num
mirífico Portugal a várias velocidades. Razões de justiça, portanto. Há também
razões de estratégia e geopolítica. Um território desequilibrado e
desguarnecido, acantonado num "mega-centro" urbano, está mais exposto
e é francamente vulnerável, não resistindo às ameaças perenes. Razões
políticas, por conseguinte. Há ainda razões económicas e ecológicas. Um espaço
de grandes diferenças e grossas assimetrias gera tensões sociais, fomenta
distorções de recursos, promove desregulações agrícolas, florestais e
ambientais. Subsistem razões económicas e razões ecológicas, com efeito. Há razões
de qualidade de vida. A concentração excessiva faz do quotidiano do centro um
inferno nada palpitante e deixa o dia-a-dia das periferias numa rotina rasteira
e entediante. Há puras razões de qualidade de vida, afinal. Há razões de
credibilidade europeia e internacional. Não se pode ser o arauto da coesão e da
solidariedade em Bruxelas, usando para tanto as estatísticas das regiões
nacionais mais deprimidas, e coetaneamente fomentar uma descarada concentração
de recursos, que alimenta a divergência no seio do todo nacional. Há razões de
ética e credibilidade, enfim.
3. Há, na verdade, razões da mais variada índole para defender e
pôr em prática um desígnio e um programa de justiça territorial. Mas a crise, a
profunda crise que vivemos, é hoje o argumento - o argumento principal, o
argumento de tomo - para propor, pedir, reivindicar e exigir justiça
territorial.
O actual Governo tem, com grande incompreensão e com atendível
insatisfação, executado um duríssimo programa de austeridade e sacrifício. Tem,
muitas vezes acossado com o labéu de professar uma ideologia
"assistencialista" e "caritativa", tentado poupar o mais
possível as camadas mais fragilizadas da população. Na realidade, compelido a
distribuir e dispersar os enormes sacrifícios até aos umbrais da mais baixa das
classes médias, o Governo tem sistematicamente procurado não tocar os estratos
mais pobres, que são, como todos sabemos, verdadeiramente pobres.
Este princípio de acção, válido para a esfera atomística da
justiça familiar e individual, não pode deixar de prevalecer também na dimensão
mais estrutural do território. Um Governo que pretende salvaguardar as franjas
mais desprotegidas da população não pode, pura e simplesmente, ignorar a sua
inserção espacial ou territorial. Uma política de distribuição da austeridade
que faça tábua rasa da dimensão territorial acaba por atingir duplamente os
mais pobres, os mais carenciados. Não pode haver uma justa distribuição dos
sacrifícios que ignore ou despreze a prevalência regional da pobreza.
4. A experiência - aí incluída
a experiência portuguesa - mostra que um dos efeitos mais comuns dos programas
de austeridade é o reforço inusitado do centralismo. Por um lado, porque os
centros de poder avocam a si as mais ínfimas e irrelevantes decisões, na ânsia
de tudo frenar e controlar. Por outro lado, porque, desconhecendo as realidades
locais e regionais, tudo o que por ali mexa lhes parece despiciendo e
dispensável. Em muitas situações, as decisões de paralisia e corte revelam-se
contraproducentes, pois o acréscimo de burocracia central e a desvitalização
das economias locais são amiúde fonte de mais despesa, lá onde centralmente se
supunha residir uma choruda bolsa de poupança.
Acresce a esse efeito "automático", nem sempre
voluntário, que não falta quem aproveite a conjuntura de escassez e de rigor
para, com esse preciso pretexto, legitimar a visão centralista e unipolar que
sempre teve. A invocação da contingência de austeridade e contenção orçamental
serve, pois, de justificação exemplar para levar a efeito o enfraquecimento e o
desmantelamento dos mais diversos pólos de afirmação regional e local.
5. É por causa deste pano de
fundo que, em matéria de equidade territorial não podemos baixar os braços. É
preciso pedir e exigir justiça territorial.
Primeiro, porque a falta de critérios territoriais de
distribuição dos sacrifícios origina um duplo gravame para os cidadãos das
regiões mais pobres. Não é a mesma coisa cortar 10% numa região cujos índices,
em termos de PIB, apontam para 100% da média europeia ou numa região cujos
índices pouco excedem os 60%. Não está em jogo, como é óbvio, tratar
diferentemente cidadãos em circunstâncias idênticas, só por causa da sua
proveniência regional. Trata-se, isso sim, de não tratar as regiões - no que
aos factores estruturais de desenvolvimento e atracção diz respeito - por
igual, quando elas apresentam enormes disparidades em sede de progresso
económico e social. Eis o que explica bem o caso das portagens, da RTP, do
porto e aeroporto, da Casa da Música, a norte do país.
Segundo, porque a alteração estrutural da despesa que agora se
prepara, com base nos relatórios pedidos ao FMI e à OCDE, não pode deixar de
incorporar uma visão quanto ao desenvolvimento regional e à coesão territorial.
Eis uma oportunidade única para fazer política em ordem à justiça territorial.
Talvez a maioria dos decisores ainda não se tenha dado conta.
Mas quem vive e respira fora do centro já percebeu. Chegou o tempo da justiça
territorial. Agora. Já.
Eurodeputado (PSD). Escreve
à terça-feira paulo.rangel@europarl.europa.eu
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