Manter
o segredo de justiça como está hoje, se não é uma fraude, é pelo menos um mito
Jorge Neto*
O anúncio da procuradora-geral da República (PGR) de realização de uma auditoria às violações do segredo de justiça ocorridas nos inquéritos dos últimos dois anos só pode concitar o apoio generalizado. São demasiadamente recorrentes tais violações e nunca se apura rigorosamente nada no tocante aos seus responsáveis. Se há área da nossa vida pública em que a culpa morre solteira, esta é por natureza uma das suas referências paradigmáticas. E por isso urge, de uma vez por todas, tomar medidas para pôr cobro a este inominável atentado ao Estado de direito.
Penso que ninguém questiona a importância do segredo de justiça. Trata-se de um instrumento fundamental para assegurar os objectivos de perseguição e censura criminal, para salvaguardar a dignidade da administração da justiça, para preservar a privacidade e o bom nome do arguido e em certos casos dos ofendidos e das vítimas. Mesmo nos países de matriz anglo-saxónica, onde o processo penal assume um cariz acusatório singular de maior abertura, há sempre uma fase prévia ou preliminar de rigoroso secretismo. Como sustenta Eduardo Maia Costa, uma investigação feita na praça pública ou em coligação com os arguidos está condenada ao fracasso.
Sucede, porém, que manter o segredo de justiça como está hoje, se não é uma fraude, é pelo menos um mito. É que ele não tem servido nenhum dos propósitos que lhe subjazem. Antes tem funcionado como mera arma de arremesso de guerras políticas ou judiciais, ou como elemento essencial de uma perversa estratégia de investigação a que não raras vezes nem os advogados escapam. No fim da linha, quem sofre é o Estado de direito. O cidadão indefeso e inocente que se vê condenado sem apelo nem agravo aos olhos da opinião pública, o bom funcionamento do sistema judicial, que se vê confrontado com um clima de tensão e de suspeição entre os diversos operadores judiciários, a confiança da comunidade na justiça que se esboroa face ao desrespeito sistemático e impune dos direitos, liberdades e garantias consagrados na Constituição.
Apontar o dedo atrabiliariamente e sem provas aos suspeitos do costume não resolve o problema Mas também não resolve o problema cruzar os braços. Daí que a iniciativa da PGR seja um bom ponto de partida para mudar o rumo das coisas, com uma nova linha de acção no combate à violação do segredo de justiça, consignando- -se a primazia do secretismo sobre a publicidade na investigação e reafirmando-se o princípio de que o segredo de justiça deve existir, mantendo-se por regra ao nível interno até à constituição do primeiro arguido e ao nível externo até à acusação do Ministério Público. No mais deveria agravar-se significativamente a moldura penal da violação do segredo de justiça, cominando-se como circunstância agravante o facto de o violador ser agente de investigação e responsabilizando-se civilmente e em sede contra-ordenacional a empresa proprietária do órgão de comunicação social que violasse o segredo de justiça. Talvez então o mito passe a ser realidade... *Advogado
Jorge Neto*
O anúncio da procuradora-geral da República (PGR) de realização de uma auditoria às violações do segredo de justiça ocorridas nos inquéritos dos últimos dois anos só pode concitar o apoio generalizado. São demasiadamente recorrentes tais violações e nunca se apura rigorosamente nada no tocante aos seus responsáveis. Se há área da nossa vida pública em que a culpa morre solteira, esta é por natureza uma das suas referências paradigmáticas. E por isso urge, de uma vez por todas, tomar medidas para pôr cobro a este inominável atentado ao Estado de direito.
Penso que ninguém questiona a importância do segredo de justiça. Trata-se de um instrumento fundamental para assegurar os objectivos de perseguição e censura criminal, para salvaguardar a dignidade da administração da justiça, para preservar a privacidade e o bom nome do arguido e em certos casos dos ofendidos e das vítimas. Mesmo nos países de matriz anglo-saxónica, onde o processo penal assume um cariz acusatório singular de maior abertura, há sempre uma fase prévia ou preliminar de rigoroso secretismo. Como sustenta Eduardo Maia Costa, uma investigação feita na praça pública ou em coligação com os arguidos está condenada ao fracasso.
Sucede, porém, que manter o segredo de justiça como está hoje, se não é uma fraude, é pelo menos um mito. É que ele não tem servido nenhum dos propósitos que lhe subjazem. Antes tem funcionado como mera arma de arremesso de guerras políticas ou judiciais, ou como elemento essencial de uma perversa estratégia de investigação a que não raras vezes nem os advogados escapam. No fim da linha, quem sofre é o Estado de direito. O cidadão indefeso e inocente que se vê condenado sem apelo nem agravo aos olhos da opinião pública, o bom funcionamento do sistema judicial, que se vê confrontado com um clima de tensão e de suspeição entre os diversos operadores judiciários, a confiança da comunidade na justiça que se esboroa face ao desrespeito sistemático e impune dos direitos, liberdades e garantias consagrados na Constituição.
Apontar o dedo atrabiliariamente e sem provas aos suspeitos do costume não resolve o problema Mas também não resolve o problema cruzar os braços. Daí que a iniciativa da PGR seja um bom ponto de partida para mudar o rumo das coisas, com uma nova linha de acção no combate à violação do segredo de justiça, consignando- -se a primazia do secretismo sobre a publicidade na investigação e reafirmando-se o princípio de que o segredo de justiça deve existir, mantendo-se por regra ao nível interno até à constituição do primeiro arguido e ao nível externo até à acusação do Ministério Público. No mais deveria agravar-se significativamente a moldura penal da violação do segredo de justiça, cominando-se como circunstância agravante o facto de o violador ser agente de investigação e responsabilizando-se civilmente e em sede contra-ordenacional a empresa proprietária do órgão de comunicação social que violasse o segredo de justiça. Talvez então o mito passe a ser realidade... *Advogado
i,
29-01-2013
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