quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Que é feito da justiça?

Editorial

Que é feito da justiça?

João Cândido da Silva - Director-adjunto

Os sinais de que a conjuntura pode estar a mudar são frágeis e pouco consistentes. Levados demasiado a sério, podem funcionar como um travão à concretização das reformas destinadas a resolver velhos problemas. Uma melhoria na conjuntura pode disfarçar os constrangimentos que asfixiam a economia portuguesa, mas não os eliminará, quer o tema sejam os desequilíbrios nas finanças públicas ou os custos que o sistema de justiça lança sobre a economia.

Se os indicadores de confiança dos consumidores e aqueles que dão conta do comportamento da produção industrial arrebitaram, o mesmo sucedeu numa área que tem estado arredada da procura de consensos duradouros, mas necessários. Nos tribunais, os números mais recentes indicam que se está a verificar uma aceleração na quantidade de acções de cobrança de dívidas. No primeiro trimestre de 2013, a quantidade de processos resolvidos superou o volume daqueles que deram entrada nos tribunais.

Estas estatísticas são uma boa notícia. Mas não escondem uma realidade que persiste como um dos maiores pesadelos para empresários, gestores e empreendedores. Quem está em actividade sabe que as eventuais dificuldades em receber aquilo a que tem direito são agravadas por uma justiça lenta e imprevisível, que beneficia o infractor e penaliza quem sofre a quebra de confiança.

É bonito elaborar um discurso de incentivo ao empreendedorismo. Mas acontece que, além de todas as outras dificuldades que têm de ser enfrentadas quando se opta por lançar uma empresa, convém pensar três vezes, pelo menos, antes de se somar o risco do negócio ao risco de se necessitar de recorrer à justiça para resolver algum litígio, como é o caso das facturas emitidas, mas não liquidadas.

Por detrás do ritmo mais elevado a que estão a ser encerradas as acções de cobrança, o que, só por si, não garante que os interessados tenham visto serem satisfeitas as suas pretensões legítimas, existe, ainda, um volume imenso de casos por resolver. No final de Março, totalizavam mais de 1,2 milhões, número que fornece uma ideia razoável sobre o esforço que terá de ser realizado para fazer recuar a acumulação de queixas à espera de resposta.

A "justiça económica" tem andado arredada do debate público quando o tema é assegurar que as reformas que exigem um tempo de execução que ultrapassa a duração de uma legislatura não são esquecidas quando os inquilinos do poder mudarem. É pena. Quem comanda os destinos de uma empresa sabe quão sensível é o problema. E o estudo recente que foi coordenado pelo economista Nuno Garoupa deixa poucas dúvidas sobre o assunto.

A partir de um inquérito feito a empresários, o trabalho revelou que o funcionamento deficiente da justiça, com destaque para a sua crónica lentidão, estava no topo das preocupações. As taxas que as empresas têm de suportar, a carga fiscal, a legislação laborai ou a pesada burocracia relativa a autorizações e licenças, assuntos que costumam ser mais analisados e discutidos, surgiram em plano secundário entre os principais obstáculos à actividade. Apenas a recessão e a contracção da procura superaram a justiça no "ranking" das preocupações.

Se o Governo quer mais investimento e mais emprego, não pode só reformular o IRC e ficar à espera que a economia dê um pulo.

Jornal de Negócios, 1 de Agosto de 2013

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