Verbas para a actividade parlamentar em 2006 e 2007 serviram para financiar
todos os partidos
Deputados da Madeira julgados pelo desvio de 6,5 milhões de subvenções
As verbas destinadas em 2006 e 2007 à actividade parlamentar serviram para
financiar todos os partidos, as suas caras campanhas e acções de caridade. O
Ministério Público já requereu o julgamento
Regiões autónomas
Tolentino da Nóbrega
Os líderes dos grupos parlamentares, deputados independentes e
representantes únicos de partidos na Assembleia Legislativa da Madeira serão
julgados pela utilização indevida das subvenções parlamentares realizadas em
2006 e 2007. Estão acusados de alegada prática de crime de peculato por titular
de cargo público, sendo-lhes exigida a devolução de, pelo menos, 6,579 milhões
de euros transferidos para as contas dos respectivos partidos ou para contas
pessoais, e utilizados indevidamente para campanhas eleitorais e outros fins
não previstos.
O Ministério Público requereu o julgamento dos dois processos instaurados,
mas as datas das audiências não foram ainda agendadas pelo juiz-conselheiro
relator da secção regional do Tribunal de Contas (TdC) na Madeira, confirmou o
PÚ- BLICO junto da Procuradoria-Geral da República (PGR). Os julgamentos de
responsabilidade financeira, sancionatória e reintegratória dizem respeito a
dois processos relativos à utilização das subvenções realizadas pela Assembleia
Legislativa da Madeira em 2006 e 2007.
Os requerimentos de procedimento jurisdicional foram dos últimos despachos
exarados pelo procurador-geral adjunto junto da TdC na Madeira, Varela Martins,
publicamente censurado pelo juizconselheiro desta secção João Aveiro Pereira por
não levar a julgamento o presidente e membros do governo regional aos quais
eram imputadas responsabilidades na ocultação de dívidas. Acusado de favorecer
o executivo de Alberto João Jardim, o magistrado pediu transferência para a
Procuradoria Distrital de Lisboa. Contactado pelo PÚBLICO sobre os processos
das subvenções, Varela Martins invocou o dever de reserva, consagrado no
Estatuto do Ministério Público, para não prestar qualquer esclarecimento.
Remeteu-nos ainda para a PGR.
No relatório relativo a 2006, o procurador tinha dado, no final de Janeiro
de 2012, um prazo de 30 dias para os deputados notificados, e os membros do
conselho de administração do parlamento, em parte de forma solidária,
procederem à apresentação dos comprovativos das notificações e ao pagamento
voluntário de 1,966 milhões de euros, o que faria extinguir a responsabilidade
financeira. Dois meses depois, o mesmo magistrado deu novo ultimato
relativamente ao justificativo das subvenções de 2007, sob pena de procedimento
jurisdicional. Como não o fizeram, a devolução de tais verbas, com a respectiva
multa e emolumentos, será exigida em julgamento.
O PSD terá de devolver 4,4 milhões de euros não documentados ou
indevidamente utilizados. Menores valores, proporcionais às suas representações,
terão de ressarcir o PS (1,3 milhões), CDS (228 mil euros), PCP (159 mil), BE
(61 mil), PND (25 mil) e os deputados independentes João Isidoro (875 mil) e
Ismael Fernandes (71 mil euros). Em tribunal, os deputados demandados deverão
reclamar o perdão, com base na norma interpretativa introduzida na lei do
financiamento dos partidos em Novembro de 2010, por proposta dos deputados do
PSD-Madeira na Assembleia da Republica, e considerada “inconstitucional” e
“imoral”. Na altura, o constitucionalista Jorge Miranda classificou de
“irresponsabilidade” o perdão de cerca de 20 milhões que os partidos deveriam
devolver ao Estado, indevidamente recebidos entre 2006 e 2010.
Pondo termo a um longo braçode-ferro do parlamento madeirense que recusava
apresentar os comprovativos das despesas à secção regional do TC, o Tribunal
Constitucional, no seu acórdão sobre as contas dos partidos relativas a 2006,
deixou bem claro que a lei “não consente que o saldo do montante da subvenção
atribuída exclusivamente para a actividade parlamentar, assessoria dos
deputados e contactos com eleitores possa ser legitimamente gasto em despesas
estranhas a esses gabinetes”. E citava exemplos: “O pagamento de cartazes
anunciando comícios partidários, pagamento a funcionários do partido, ofertas a
quem participe ou compareça a comícios ou festas partidárias [e] até a compra
de viatura para uso particular.”
Mas os partidos, incluindo os da oposição, que neste caso se aliaram ao
PSD, o maior beneficiário da subvenção (seis vezes superior à dos Açores) com
que também financia a sua fundação, sempre recusaram apresentar a documentação
das verbas desviadas para fins diversos, incluindo propagadas acções de
caridade.
Na última legislatura, com verbas da subvenção, o MPT (Movimento Partido da
Terra) ofereceu uma carrinha ao Movimento Apostolado de Crianças. O Partido
Trabalhista Português distribuiu cheques e cabazes de Natal por idosos e
carenciados. O CDS “investiu” 300 mil euros no seu “projecto solidário”,
distribuindo milhares de cabazes alimentares e vales-farmácia a famílias e
equipamentos a igrejas.
Por ano, o PSD (25 deputados) recebe da assembleia 2,6 milhões de euros, o
CDS-PP (nove eleitos) 900 mil euros, o PS (seis) 600 mil e o PTP (três) 300 mil
euros. Os partidos com um deputado – PCP, PND PAN e MPT – têm direito, cada,
uma transferência anual superior a 100 mil euros.
Público,
1 de Agosto de 2013
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