Justiça obriga 228 empresas a alterar contratos abusivos
Seguradoras, ginásios e banca na mira do Ministério Público
Investigação. 228 instituições foram obrigadas a retirar dos
seus contratos cláusulas consideradas abusivas. Mas, ao todo, em Lisboa, as
ações cíveis ascenderam 3,4 mil milhões de euros
FILIPA AMBRÓSIO DE SOUSA
Ginásios, bancos, seguradoras, comunicações móveis e operadores
turísticos estão a ser os principais alvos do Ministério Público (MP) na
anulação das chamadas “cláusulas contratuais abusivas”. Ou seja, disposições
predefinidas nos contratos de adesão entre estas empresas e consumidores que
podem prejudicar o cidadão, “sem possibilidade de discussão ou alteração, que
normalmente não são explicadas, são redigidas em letra minúscula e assim
oferecidas à assinatura do consumidor”, explica a Procuradoria-Geral Distrital
de Lisboa (PGDL), na sua página oficial.
Holmes Place, Wellness Spa Center, Banco Espírito Santo, Banif,
Santander Totta, Banco Popular, a seguradora Axa, Zon, Lusitânia Vida, Seguros
Mapfre ou Groupama Vida (ver coluna ao lado) foram alguns dos visados nas ações
cíveis do último ano por parte do Ministério Público.
No total, o Registo Nacional de Cláusulas Abusivas – onde estão
referenciadas todas as instituições que celebraram estes contratos
estãoregistados 228 casos. Só nos últimos quatro anos, na Procuradoria-Geral Distrital
de Lisboa (que abarca quase metade do território judicial nacional), estiveram
400 instituições sob suspeita. Segundo o procurador Pina Martins, procurador da
República coordenador das ações cíveis na comarca de Lisboa “desde há quatro
anos a esta parte, o Ministério Público do distrito judicial de Lisboa
instaurou mais de 400 averiguações com vista a apurar se, em outros tantos
casos, estávamos perante cláusulas abusivas” e, na sequência disso, propôs
“cerca de 110 ações inibitórias”, conclui (ver caixa em baixo).
Valores das ações em 2012
Só no ano passado, as ações cíveis que passaram pela
Procuradoria-geral distrital de Lisboa envolveram 3,4 mil milhões de euros. Um
valor bastante elevado se compararmos com os relativos às ações laborais decididas
na PGDL (11 milhões de euros) e às comerciais (sete milhões de euros).
Ao DN, o procurador da República da PGDL, José Branco, assume
que “os resultados apresentados – sejam as quantias envolvidas seja a defesa
dos interesses da coletividade e dos cidadãos – decorrem de uma aposta forte e
crescente do Ministério Público em áreas de que, normalmente não se fala, como
o cível e o laborai”, explica, já que a principal responsabilidade do MP, à
partida, é a investigação criminal.
O relatório anual da PGDL relativo a 2012 reflete a aposta em
matéria de “interesses difusos e coletivos” que estes contratos de seguradoras,
bancos e ginásios, violam (ver caixa em baixo). Exemplo disso é a criação do
projeto “Procuradoria Cível de Lisboa”, para difusão das cláusulas contratuais
abusivas declaradas nulas. Menezes Cordeiro, advogado e autor do livro “Direito
Civil Português”, defende mesmo que “o Ministério Público é o grande motor das
ações já intentadas”.
Alguns dos casos chegam ao conhecimento do MP através da DE- CO
que, desde 2010, já levou a tribunal bancos por cláusulas abusivas nos
contratos de crédito à habitação. Concretamente na questão das instituições
financeiras querem ter liberdade para alterar unilateralmente o spread (margem
do banco) e outros custos referentes ao empréstimo quando se verificarem
alterações de mercado.
LITÍGIOS
Instituições violam “interesses difusos” dos cidadãos
A massificação da sociedade de consumo tem feito aumentar alguns
litígios que podem ser acautelados através da ação do Ministério Público. Este
órgão, também competente no âmbito das ações cíveis, é competente para tentar
solucionar parte deles, em defesa de um leque variado de pessoas ligadas por um
interesse comum. A título de exemplo, todos os que adquiriram um automóvel com
o mesmo defeito de fabrico, ou aqueles que aderiram a um contrato de um ginásio
com letras minúsculas contendo disposições abusivas ou ainda aqueles que possam
ficar afetados por alguma poluição ambiental de uma região. São os chamados
“interesses difuso”, defendidos através das ações inibitórias.
NULIDADES
HOLMES PLACE
O Ministério Público declarou nula a cláusula definida pelo
ginásio que previa que “o valor da anuidade poderá ser livremente alterado pelo
Holmes Place, após comunicação aos associados com 45 dias de antecedência”.
ZON TVCABO
Estabelecia a TV Cabo, que “se no período de dois anos, detetar
o acesso indevido pelo cliente, ou de terceiros a partir da instalação do
cliente, aos produtos e serviços, o cliente fica obrigado ao pagamento de uma
penalidade correspondente ao valor devido pela utilização, por um período de 12
meses”. Mas o MP acabou a anular esta obrigação.
EUROVIDA
A seguradora estipulava que todos os pagamentos a efetuar pela
seguradora só seriam feitos nos seus escritórios, “na localidade de emissão
deste contrato e só serão exigíveis depois de entregues todos os documentos a
que se referem as cláusulas anteriores”. Mas a disposição acabou por ser
considerada abusiva.
BANCO ESPÍRITO SANTO
Nos contratos de crédito ao consumo, dizia o BES que são da
exclusiva responsabilidade do beneficiário todas as despesas judiciais e
extrajudiciais em que o BES venha a incorrer para boa cobrança dos créditos de
capital, juros e encargos devidos, legal e contratualmente.’ Foi chumbado.
BANCO POPULAR
No cartão de crédito estabelecia o banco, erradamente segundo a
PGDL, que seria “alheio a eventuais incidentes entre o comerciante ou prestador
de serviços e o titular do cartão, bem como às responsabilidades e
consequências que tais factos possam originar.”
SEGURADORA AXA
Nos contratos de seguros de vida, a AXA foi obrigada a retirar a
cláusula que exigia “atestado médico e elementos clínicos onde constem as
causas e a evolução da doença que causou o falecimento” da pessoa.
HGB TRAVEL
Nos contratos do cartão Inter Travel, os titulares do cartão
classicficavam obrigados, anualmente, durante o mês de Fevereiro, “a adquirir
uma publicação/anuário dos produtos Inter Travel” e caso o sócio aderisse ao
cartão Visa Inter Travel, teria de autorizar o débito dos custos referentes a
esta publicação, no cartão Visa. Mas o Ministério Público considerou uma
violação dos direitos do consumidor.
Diário Notícias, 3 Junho 2013
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