26/03/2013 - 00:00
Depois
de todas as vicissitudes do processo da Casa Pia, a ideia é que o sistema
judicial parece continuar a não ser capaz de conviver com os casos mediáticos.
Passaram mais de dez anos, multiplicaram-se polémicas e
acusações, alteraram-se códigos e leis e os tribunais decretaram as penas, mas
ninguém parece estar em condições de garantir que tudo não volte a acontecer. A
questão, dizem, é que as mudanças foram induzidas pelos casos concretos e as
instituições continuam a não estar preparadas para lidar com os megaprocessos e
o mediatismo decorrente do envolvimento de poderosos e figuras públicas.
"Não é um problema de leis, mas de atitudes", diz o
professor Costa Andrade, concluindo que, apesar das muitas lições retiradas do
caso da Casa Pia, continua não ter "razões para crer que isto vá melhorar
muito". Para este catedrático da Universidade de Coimbra especialista em
direito penal, é ainda "preciso criar condições para que a Justiça
funcione apenas dentro do seu próprio espaço", o que de todo não aconteceu
neste processo.
"Houve mudanças, mas o seu efeito é ainda difícil de
avaliar", adianta o académico, mostrando-se convencido que esta é uma
questão com a qual o sistema se continuará a confrontar. "São problemas de
todos os megaprocessos, dos casos mais mediáticos", avalia. Sublinha a
"circunstância de se terem juntado personagens mediáticos, gente influente
e ligações ao poder".
E depois das lições deste caso e das mudanças nas leis não há
garantias de que tudo não se voltará a repetir? "Claro que não. Basta que
haja um processo em que a opinião pública se envolva da mesma maneira",
sentencia o advogado Rodrigo Santiago, para quem "este processo nasceu
torto e nunca se endireitou".
No mesmo sentido vai o bastonário dos advogados, que, no
entanto, desdramatiza a questão. "Nenhum sistema judicial está preparado
para coisas excepcionais", garante Marinho Pinto. Uma perspectiva que não
diverge da de alguns juízes.
"Em termos de investigação e sistema judiciário, é claro
que não estamos preparados para lidar com processos com este tipo de
complexidade", disse ao PÚBLICO um juiz- conselheiro, que pediu para não
ser identificado, dado na sua actividade ter-se cruzado em algumas
circunstâncias com o andamento deste processo. Por seu lado, o desembargador
Mouraz Lopes, presidente da Associação Sindical de Juízes, disse não querer
pronunciar-se sobre a matéria "devido às actuais funções".
"Ainda é cedo. Podia causar ruídos face à proximidade de algumas
decisões", justificou.
Sistema perverso
Para além das questões mediáticas e das "mudanças nas leis
penais por influência das erupções e efervescência dos dias", aquele
juiz-conselheiro reconhece que subsistem "problemas de gestão do processo
penal" e com o sistema de nomeação dos juízes, "que se revela
perverso" nestes casos. "Não é possível escolher os juízes mais
experientes e, como tal, mais preparados", assinala, sublinhando também
que "nenhum processo pode andar seis anos em julgamento".
"Não estamos preparados para enfrentar os casos mais
complexos", diz, associando a duração da audiência do processo da Casa Pia
ao que se passa actualmente no julgamento do BPN, "que decorre há meses e
vai ainda na audição da sexta ou sétima das várias centenas de
testemunhas".
Para que as coisas mudassem, diz Marinho Pinto, "era preciso
que houvesse a humildade de reconhecer os erros e isso não acontece".
"As coisas nunca se repetem exactamente da mesma maneira, mas tudo aquilo
que entorpeceu o processo da Casa Pia continua a germinar nas grandes
causas", acusa o bastonário, que recorre a um dito comum nos meios
judiciais referindo que "as grandes causas nunca fizeram boa
jurisprudência". "Aprendemos com os erros", admite Marinho
Pinto.
"O que está em causa são interesses muito poderosos de
parte a parte e toda a gente sabe que o processo nasceu para ajustes políticos
com agentes do PS", comenta. Acrescenta "que toda a gente sabia há
muito que havia pedofilia, mas nunca ninguém se importou". Cita "o
caso do mestre relojoeiro da instituição que teve a coragem de fazer uma
denúncia e foi alvo de um inquérito e sancionado pela então secretária de
Estado, Teresa Costa Macedo".
Em abono da sua tese, lembra "que tudo era noticiado para
além da verdade", a "promiscuidade entre o então director da PJ e
alguns jornalistas" e "a chegada ao Parlamento do juiz de instrução
com um mandado de detenção na mão e as televisões à espera". Também
Rodrigo Santiago, que numa fase inicial chegou a defender um dos arguidos, não
poupa o juiz Rui Teixeira. Acusa-o de "intrusismo abusivo que deturpou a investigação",
ao ter avocado o processo que era do Ministério Público. Atribui as causas a
"imaturidade e vontade de protagonismo", já que não vislumbra
"motivos nem sinais que apontem para outras motivações".
Sem o citar, também Costa Andrade verbera "os casos chocantes
de alguns agentes que se deixaram seduzir pelo mediatismo das primeiras
páginas, substituindo o espaço próprio da Justiça pelo da publicidade e
mediatismo". E não se tiraram ilações? "Não tenho razões para crer
que isto irá melhorar. Não é crível que a atitude dos agentes tenha
melhorado", analisa.
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