Público - 27/02/2013 - 00:00
Quatro
dias depois de Cavaco Silva ter assinalado um erro de publicação na lei,
Alfredo José de Sousa dirigiu uma recomendação ao Parlamento para acabar com as
dúvidas sobre o controverso diploma
O
provedor de Justiça, Alfredo José de Sousa, recomendou ontem ao Parlamento para
que de uma forma "urgente" torne clara e transparente a lei de
limitação de mandatos, legislando de maneira a clarificar se um presidente de
câmara com três mandatos consecutivos pode, ou não, candidatar-se noutro
concelho.
Depois de há pouco mais de um mês ter afirmado que só os
tribunais poderiam resolver a questão, Alfredo José de Sousa considera agora
que a manutenção da discussão - não só mediática, mas também académica -
"pode prejudicar a serenidade necessária ao diálogo político sobre os
problemas que, a nível local, devam ser resolvidos pelas autarquias
locais". E na recomendação enviada ontem à Assembleia da República para
que se encerre a discussão (...), o provedor solicita ao Parlamento a
"urgente superação do debate existente quanto à interpretação do artigo
n.º 1 da Lei 46/2005, de 29 de Agosto de 2005".
Há oito anos, pela primeira vez, PS e PSD chegaram a um acordo
político relativamente a esta matéria e avançaram com a lei de limitação da
mandatos. Estava-se em Maio de 2005, José Sócrates era primeiro-ministro e
Marques Mendes presidia ao PSD. Bastou apenas um dia para que a lei ficasse
decidida. Num dia de Maio, a cinco meses das eleições autárquicas, os dois
líderes encontraram-se pessoalmente, tendo voltado a falar mais duas vezes,
nesse mesmo dia por telefone, antes de recomendarem aos líderes das respectivas
bancadas parlamentares que avançassem com o projecto de lei sobre a limitação
de mandatos.
Na altura não se colocava a pressão que existe por estes dias,
porque as eleições deste ano abrem um novo ciclo político, uma vez que os
presidentes com três ou mais mandatos consecutivos não podem recandidatar-se na
mesma autarquia. Segundo revelaram ao PÚBLICO fontes dos dois partidos, nem
José Sócrates nem Marques Mendes se preocuparam em discutir se a limitação era
em relação à função ou ao território, porque, na altura, o importante era criar
pela primeira vez uma lei de limitação mandatos que impedisse a eternização no
poder dos presidentes de câmara.
A única divisão que existia entre o primeiro-ministro de então e
o presidente do PSD tinha apenas a ver, de acordo com as mesmas fontes, com o
facto de José Sócrates querer que a lei fosse aplicada nas autárquicas de 2005,
enquanto Marques Mendes entendia que não, uma vez que a grande maioria dos
candidatos já estava lançada.
Confrontado pelo PÚBLICO com a decisão de Alfredo José de Sousa,
o antigo líder do PSD declarou: "Concordo totalmente com a recomendação
feita pelo provedor de Justiça. À política o que é da política, à justiça o que
é da justiça". Considerou ainda que é um "erro" deixar que sejam
os tribunais a resolver esta questão. "Envolver os tribunais neste
processo, que é sobretudo de natureza política, conduz à chamada judicialização
da política", remata Marques Mendes.
Também Ribeiro e Castro, na altura líder do CDS, afirmou que a
lei foi feita efectivamente para travar a "eternização dos presidentes na
mesma câmara". "Era presidente do CDS e não tenho dúvida nenhuma que
o sentido da lei é impedir que os presidentes de câmara se eternizem à frente
da mesma câmara. Foi isso que se discutiu", garante o agora deputado do
CDS, afirmando que a questão do presidente "da" câmara e do
presidente "de" câmara em "nada resolve a polémica".
Apesar da recomendação de Alfredo José de Sousa nenhuma das
bancadas parlamentares vai avançar com qualquer iniciativa para corrigir a lei
de limitação dos mandatos autárquicos, que, por erro, escreve "Presidente
de Câmara" em vez de "Presidente da Câmara".
Partidos não
reagem
O erro da troca de um "da" por um "de"
reforça a interpretação de que os candidatos não estão impedidos de se
candidatarem a presidente de câmara noutro concelho, mas nem o PSD, que defende
esta posição, vai avançar com qualquer correcção. A alteração à lei implicaria
um novo processo legislativo, já que não é possível rectificar uma lei mais de
seis anos após a sua publicação.
As bancadas do PSD e do CDS não vão mexer em nada, mas estão
disponíveis, no entanto, para apreciar qualquer iniciativa nesse sentido,
embora tal como o PS, o PCP e o BE não pretendam avançar para a correcção do
erro detectado agora pelos serviços da Presidência da República.
A argumentação dos sociais-democratas para defender uma nova
candidatura de autarcas que já cumpriram três mandatos assenta nos princípios
constitucionais de direitos, liberdades e garantias. Por isso, desvalorizam a
importância deste erro. O CDS, por seu turno, quer manter ainda mais distância
desta polémica, uma vez que nunca foi protagonista na elaboração desta lei e
mostrou ter divergências internas sobre a interpretação que acabou por vingar,
próxima da posição do PSD.
O PS quer também manter a discrição nesta matéria. Embora
concorde com a posição do PSD, o PS decidiu não colocá-la em prática e, por
isso, não vai apoiar candidatos que já tenham cumprido três mandatos
consecutivos noutro concelho.
Ontem, a Associação Transparência e Integridade, que na semana
passada entregou nos tribunais administrativos de Lisboa e do Porto
requerimentos contra as candidaturas de Fernando Seara e Luís Filipe Menezes
por serem "candidatos em limite de mandatos consecutivos", lançou uma
acção intitulada Semana da
Limitação de Mandatos, durante a qual será divulgada informação útil sobre
o tema na Internet.
Sem comentários:
Enviar um comentário