quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Provedor pede clarificação da lei dos mandatos mas partidos não vão mexer

MARGARIDA GOMES E SOFIA RODRIGUES 
Público - 27/02/2013 - 00:00
Quatro dias depois de Cavaco Silva ter assinalado um erro de publicação na lei, Alfredo José de Sousa dirigiu uma recomendação ao Parlamento para acabar com as dúvidas sobre o controverso diploma
O provedor de Justiça, Alfredo José de Sousa, recomendou ontem ao Parlamento para que de uma forma "urgente" torne clara e transparente a lei de limitação de mandatos, legislando de maneira a clarificar se um presidente de câmara com três mandatos consecutivos pode, ou não, candidatar-se noutro concelho.
Depois de há pouco mais de um mês ter afirmado que só os tribunais poderiam resolver a questão, Alfredo José de Sousa considera agora que a manutenção da discussão - não só mediática, mas também académica - "pode prejudicar a serenidade necessária ao diálogo político sobre os problemas que, a nível local, devam ser resolvidos pelas autarquias locais". E na recomendação enviada ontem à Assembleia da República para que se encerre a discussão (...), o provedor solicita ao Parlamento a "urgente superação do debate existente quanto à interpretação do artigo n.º 1 da Lei 46/2005, de 29 de Agosto de 2005".
Há oito anos, pela primeira vez, PS e PSD chegaram a um acordo político relativamente a esta matéria e avançaram com a lei de limitação da mandatos. Estava-se em Maio de 2005, José Sócrates era primeiro-ministro e Marques Mendes presidia ao PSD. Bastou apenas um dia para que a lei ficasse decidida. Num dia de Maio, a cinco meses das eleições autárquicas, os dois líderes encontraram-se pessoalmente, tendo voltado a falar mais duas vezes, nesse mesmo dia por telefone, antes de recomendarem aos líderes das respectivas bancadas parlamentares que avançassem com o projecto de lei sobre a limitação de mandatos.
Na altura não se colocava a pressão que existe por estes dias, porque as eleições deste ano abrem um novo ciclo político, uma vez que os presidentes com três ou mais mandatos consecutivos não podem recandidatar-se na mesma autarquia. Segundo revelaram ao PÚBLICO fontes dos dois partidos, nem José Sócrates nem Marques Mendes se preocuparam em discutir se a limitação era em relação à função ou ao território, porque, na altura, o importante era criar pela primeira vez uma lei de limitação mandatos que impedisse a eternização no poder dos presidentes de câmara.
A única divisão que existia entre o primeiro-ministro de então e o presidente do PSD tinha apenas a ver, de acordo com as mesmas fontes, com o facto de José Sócrates querer que a lei fosse aplicada nas autárquicas de 2005, enquanto Marques Mendes entendia que não, uma vez que a grande maioria dos candidatos já estava lançada.
Confrontado pelo PÚBLICO com a decisão de Alfredo José de Sousa, o antigo líder do PSD declarou: "Concordo totalmente com a recomendação feita pelo provedor de Justiça. À política o que é da política, à justiça o que é da justiça". Considerou ainda que é um "erro" deixar que sejam os tribunais a resolver esta questão. "Envolver os tribunais neste processo, que é sobretudo de natureza política, conduz à chamada judicialização da política", remata Marques Mendes.
Também Ribeiro e Castro, na altura líder do CDS, afirmou que a lei foi feita efectivamente para travar a "eternização dos presidentes na mesma câmara". "Era presidente do CDS e não tenho dúvida nenhuma que o sentido da lei é impedir que os presidentes de câmara se eternizem à frente da mesma câmara. Foi isso que se discutiu", garante o agora deputado do CDS, afirmando que a questão do presidente "da" câmara e do presidente "de" câmara em "nada resolve a polémica".
Apesar da recomendação de Alfredo José de Sousa nenhuma das bancadas parlamentares vai avançar com qualquer iniciativa para corrigir a lei de limitação dos mandatos autárquicos, que, por erro, escreve "Presidente de Câmara" em vez de "Presidente da Câmara".
Partidos não reagem
O erro da troca de um "da" por um "de" reforça a interpretação de que os candidatos não estão impedidos de se candidatarem a presidente de câmara noutro concelho, mas nem o PSD, que defende esta posição, vai avançar com qualquer correcção. A alteração à lei implicaria um novo processo legislativo, já que não é possível rectificar uma lei mais de seis anos após a sua publicação.
As bancadas do PSD e do CDS não vão mexer em nada, mas estão disponíveis, no entanto, para apreciar qualquer iniciativa nesse sentido, embora tal como o PS, o PCP e o BE não pretendam avançar para a correcção do erro detectado agora pelos serviços da Presidência da República.
A argumentação dos sociais-democratas para defender uma nova candidatura de autarcas que já cumpriram três mandatos assenta nos princípios constitucionais de direitos, liberdades e garantias. Por isso, desvalorizam a importância deste erro. O CDS, por seu turno, quer manter ainda mais distância desta polémica, uma vez que nunca foi protagonista na elaboração desta lei e mostrou ter divergências internas sobre a interpretação que acabou por vingar, próxima da posição do PSD.
O PS quer também manter a discrição nesta matéria. Embora concorde com a posição do PSD, o PS decidiu não colocá-la em prática e, por isso, não vai apoiar candidatos que já tenham cumprido três mandatos consecutivos noutro concelho.
Ontem, a Associação Transparência e Integridade, que na semana passada entregou nos tribunais administrativos de Lisboa e do Porto requerimentos contra as candidaturas de Fernando Seara e Luís Filipe Menezes por serem "candidatos em limite de mandatos consecutivos", lançou uma acção intitulada Semana da Limitação de Mandatos, durante a qual será divulgada informação útil sobre o tema na Internet.

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