A
crítica mais contundente da justiça – e porventura a mais justa – é não ser
igual para pobres e para ricos
1.
Uma característica importante permite avaliar a qualidade da democracia: a
independência do seu poder judicial.
Essa independência desenvolve-se em dois planos: um que se refere
às garantias de exercício de que devem gozar cada magistrado ou advogado; e
outro, mais institucional, que diz respeito às condições funcionais que
garantem a independência individual de cada um deles e que se revela através da
organização do “governo próprio” do poder judicial.
2. Vêm estas palavras a propósito da grave crise que vemos corroer
a credibilidade interna e externa de muitos órgãos de governo do poder judicial
em diversos países europeus.
A Espanha constitui apenas o exemplo mais flagrante, actual e
contundente dessa crise. Sublinhe-se que, na semana passada, todas as
associações de juízes e procuradores, mesmo ilegalmente, decretaram e
realizaram uma greve para protestar contra a reforma do modelo de autonomia da
justiça, que limita, ainda mais, a sua já debilitada independência e eficácia.
Portugal, apesar das atribulações que vive – e das peripécias que alguns protagonistas judiciais têm por hábito de-senvolver em torno de si mesmos – tem conseguido manter um sistema de governo das magistraturas prudente e credível.
Portugal, apesar das atribulações que vive – e das peripécias que alguns protagonistas judiciais têm por hábito de-senvolver em torno de si mesmos – tem conseguido manter um sistema de governo das magistraturas prudente e credível.
Essa estabilidade resulta não só da composição equilibrada, plural
e pluralista dos Conselhos Superiores, mas também da existência de princípios
republicanos na gestão das magistraturas e, em regra, também do comportamento
reservado e isento da grande maioria dos seus membros.
É certo que houve momentos, não muito distantes, em que se
verificaram evidentes “devaneios populistas” por parte de alguns altos
responsáveis da justiça, que se traduziram numa diminuição da transparência na
escolha e na colocação de magistrados em áreas de grande responsabilidade
profissional e sensibilidade política: foi o tempo em que se procurou afirmar
uma gestão hierárquica baseada sobretudo em critérios subjectivos e de pura
confiança pessoal.
Há que reconhecer, todavia, que os Conselhos das magistraturas
onde tal ocorreu, rápida e corajosamente conseguiram impor-se e corrigir, por
via de regulamentos internos rigorosos, os aspectos mais gravosos de tal
deriva, regressando-se, tanto quanto possível, a critérios republicanos de
gestão.
Hoje, apesar dos sempre “galvanizantes” episódios provocados pelos
protagonistas habituais, ninguém razoavelmente informado consegue, de boa
mente, dizer que, no essencial, o sistema favorece atropelos às regras de
gestão das magistraturas: esta faz-se segundo regras preestabelecidas e critérios
objectivos.
3. Garantida, basicamente, a independência institucional das
magistraturas face ao poder político, importa reforçar, agora, a sua capacidade
real de iniciativa, tendo em vista uma actuação judicial livre de influências
do poder económico e financeiro dominante.
A crítica mais contundente da justiça – e porventura a mais justa – é a de que ela não é igual para pobres e para ricos, nem nas medidas que aplica, nem nos tempos que investe a tratar os casos de uns e de outros.
A crítica mais contundente da justiça – e porventura a mais justa – é a de que ela não é igual para pobres e para ricos, nem nas medidas que aplica, nem nos tempos que investe a tratar os casos de uns e de outros.
Não basta, pois, alardear a independência judicial: é necessário,
para a afirmar socialmente como um valor democrático a assegurar preservação,
aprofundar também os mecanismos de eficácia, de responsabilidade interna e
sobretudo garantir a transparência nas opções estratégicas e nas agendas das
diferentes jurisdições e órgãos do Ministério Público.
Esse é o caminho verdadeiro para uma justiça independente.
Esse é o caminho verdadeiro para uma justiça independente.
Jurista e presidente da MEDEL
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