terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Quase metade dos tribunais estão em estado de degradação


Juizes apresentam hoje relatório sobre o estado dos tribunais. Primeiros dados só cobrem o Norte, mas a garantia é a de que este é retrato de todo o país.

Inês David Bastos

ines.bastos@economico.pt

Cinco anos depois de terem divulgado um relatório onde alertavam para a falta de condições e de segurança em mais de 70% dos tribunais portugueses, os juizes voltaram ao terreno para um novo diagnóstico, começando pelo Norte do país. E , para já, quase metade dos 26 tribunais analisados voltaram a receber nota negativa. Mais: estes tribunais não só não receberam obras de melhoramento, como até se degradaram mais desde 2007, altura em que, feito o alerta, foram garantidas intervenções pelo Governo.

O relatório preliminar, a que o Diário Económico teve acesso, será hoje apresentados nas jornadas que a Associação Sindical dos Juizes Portugueses está a promover até ao próximo dia 10 e faz uma análise dos tribunais nos círculos de Braga, Viana do Castelo, Amares, e Porto e Guimarães.

No documento, pode ler-se que, desde 2007, apenas 23% dos tribunais sinalizados há cinco anos tiveram obras de melhoramento, ao passo que em 42% dos restantes edifícios deu-se, até, "uma degradação das condições de higiene, segurança e saúde". A falta de segurança é um dos principais problemas apontados por magistrados e funcionários judiciais. Quase 40% daqueles 26 tribunais receberam "mau" ou "medíocre" na avaliação. Nestes tribunais, lêse no relatório, não existe nem segurança, nem sequer um sistema de controlo à entrada, sendo impossível verificar se entram no edifício metais ou armas perigosas. Mais: não existindo segurança, os gabinetes dos magistrados tem acesso facilitado 'a qualquer pessoa'.

Ao nível das condições de trabalho são vários os problemas apontados pelos magistrados e funcionários. Entre eles, estão sistemas de ar condicionado degradados ou estragados, janelas deterioradas que deixam entrar chuva nos edifícios e infiltrações nos gabinetes. Os tribunais de trabalho de Guimarães, Celorico de Basto, Fafe, Felgueiras, Amares, Braga ou Barcelos são alguns dos que se encontram em estado adiantado de deterioração. Algumas destas situações, diz o relatório, "estavam contempladas no PIDDAC para o ano de 2011, mas nenhuma intervenção se verificou". Em Fafe, por exemplo, "o combustível para aquecimento não chega ao final do Inverno pelas enormes dificuldades orçamentais". Barcelos é outro dos concelhos mais problemáticos, onde 66,6% dos tribunais viu o seu estado degradar-se desde 2007.

Mouraz Lopes, presidente da Associação Sindical dos Juizes Portugueses, diz ao Económico que os magistrados continuam no terreno a fazer o levantamento do estado dos tribunais portugueses para em breve apresentarem o relatório final. Mas adianta que, para já, este relatório preliminar é uma amostra do que se passa por todo o país.

"Principal problema é a desproporção entre processos e meios"

- Estudos recentes indicam que o impacto negativo da lentidão da justiça na economia é de 1 a 3% do PIB...

- A justiça é importante para o desenvolvimento económico, mas é preciso desmistificar isso. Não há qualquer estudo que comprove uma causa-efeito entre a lentidão da justiça e decréscimo económico. É preciso separar certas situações. Se a justiça cível de facto tem atrasos, a justiça criminal em Portugal é uma das mais rápidas quando comparada com outros países europeus. Onde existem de facto maiores problemas é na justiça administrativa e fiscal, onde os níveis de celeridade são escuros. É preciso fazer estas distinções e actuar com bases nelas.

- Actuar de que forma?

- Nestas jornadas damos alguns exemplos de tribunais que funcionam bem ao nível da gestão. É o caso da justiça cível no Porto, onde foi aplicado há quatro anos o processo civil experimental, em que os processos são simplificados e o número de testemunhas reduzido. Aqui os processos estão a durar em média dois meses. Esta experiência vai ser transportada para o novo Código de Processo Civil e por isso vamos no bom sentido.

- É possível impor números de processos concretos aos juizes, como se pretende com a reorganização judiciária?

- Sim, é, tal como já se faz nos tribunais da Relação. Mas tem que ser visto tribunal a tribunal. Não basta alterar a lei, é preciso mudar a cultura e a forma de encarar o sistema de Justiça por todos os operadores. A conclusão que tiramos destas jornadas é que o principal problema nos tribunais que não estão a funcionar bem é a desproporção que existe entre o número de processos e os meios humanos e técnicos. Os casos mais graves colocam-se nos tribunais de comércio e de trabalho e é preciso intervir aí o mais rápido possível.
Diário Económico, 4-12-2012

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