O Ministério da Justiça
demonstrou grande azáfama ao longo de 2012, mas os resultados não são visíveis
Como está a Justiça no fim do ano
de 2012? Não se sabe bem. Sabe-se, no entanto, que não está bem.
O Ministério da Justiça
demonstrou grande azáfama ao longo de 2012, mas os resultados não são visíveis.
É verdade que as reformas legislativas levam tempo para produzir resultados na
vida judicial. E as mais importantes em curso, como é o caso da reforma do mapa
judiciário, do código do processo civil ou das alterações de carácter penal,
ainda estão no processo de gestação da lei. O que quer dizer que, na prática,
nada existe. A acção do Ministério da Justiça não é, assim, visível no terreno,
ou seja, nos tribunais cíveis e criminais, o palco da Justiça por excelência.
Não faz, pois, sentido afirmar,
como afirmou a ministra em Setembro, a propósito de umas buscas realizadas em
casa de ex-governantes, que "houve um tempo de impunidade, que
acabou". Não houve qualquer alteração legislativa introduzida pela
ministra que tenha determinado aquelas buscas. A criação do Tribunal de
Propriedade Intelectual é uma medida positiva, mas não me parece ter sido
determinante na investigação criminal em causa.
A verdade é que a impunidade não
acabou, nem nos processos cíveis, onde impera um sistema que protege o
infractor e um regime de execuções/cobranças escandalosamente ineficaz; nem nos
processos-crime, onde, entre outras realidades, se mantêm as manobras
processuais que vão prolongando indefinidamente os processos a caminho de
prescrições laboriosamente conquistadas.
Há, aliás, a salientar um facto
notável que podemos mesmo considerar um nicho de mercado a explorar pelos
portugueses: o tempo que levou a extradição da Grã-Bretanha do ex-presidente do
Benfica indica que é possível exportar a nossa morosidade judicial, assim haja
quem o saiba fazer.
Mas saliente-se que a falta de
resultados positivos durante o ano de 2012 não é consequência do fracasso das
reformas anunciadas pela ministra. Pois só depois de existirem (e ainda não
existem como leis), se poderá dizer se são eficazes ou não.
Já não haverá, por outro lado,
dúvidas em classificar como pouco eficaz a batalha da ministra da Justiça pela
criminalização do enriquecimento ilícito.
A criação deste novo crime
levanta problemas complexos em termos de teoria criminal-constitucional - será
possível existir sem violar o princípio da presunção da inocência? - e sérias
dúvidas sobre a sua eficácia em termos práticos - quantas pessoas virão a ser
efectivamente condenadas pela prática de tal crime?
De qualquer forma, parece-me
razoável ou aceitável a criação desse crime, desde que a sua formulação
respeite a nossa Constituição. Ora, o Tribunal Constitucional (TC), ao
considerar, em 4 de Abril deste ano, inconstitucional a legislação aprovada
nesse sentido pela Assembleia da República - com votos favoráveis de todos os
partidos, com excepção do Partido Socialista -, deixou pouco espaço para uma
nova tentativa de criação desse crime.
Claro que se a ministra entende
que é possível tipificar o crime de forma constitucional, deverá apresentar uma
nova proposta de lei nesse sentido. Mas já parece um exagero dizer que irá ao
TC "as vezes que for preciso". Parece-me que não se aplica ao TC o
provérbio "água mole em pedra dura, tanto dá até que fura"...
De resto, há matérias muito mais
importantes para a ministra da Justiça se dedicar de corpo e alma. Se
resolvesse o problema das execuções, acabando com a impunidades dos devedores e
a gritante ineficácia do sistema dos agentes de execução - salvo honrosas
excepções -, seria lembrada por muitos anos, não só na comunidade judiciária
mas, sobretudo, na sociedade civil.
Por último, parece extremamente
preocupante que, tanto quanto consegui perceber, se esteja prestes a
concretizar uma ambiciosa reforma do processo civil que visa, necessariamente,
combater o excessivo formalismo e a lentidão dos nossos tribunais e seja
completamente ignorado o recém-publicado e exaustivo estudo Justiça
Económica, resultante de uma parceria da Fundação Francisco Manuel dos
Santos com a Associação Comercial de Lisboa.
Será que todo esse notável
trabalho, não vai, em termos práticos, servir para nada? Faria todo o sentido
que o Ministério da Justiça criasse uma task forcepara uma rápida
análise daquele estudo no sentido de apurar aquilo que poderia ser útil inserir
na reforma que se anuncia. É certo que o estudo foi feito à margem do Estado e
à margem do grupo a quem o ministério entregou a reforma do Código do Processo Civil.
Mas, ainda assim, ultrapassando as velhas capelinhas, convinha que se
aproveitasse o que de bom há nesse estudo. Ou seremos, como sempre, demasiado
bons e ricos para perdermos tempo com os contributos dos "outros"?
Público, de 28-12-2012
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