por FERNANDA CÂNCIO
Shakespeare, lembrava ontem Rui Pereira no Correio da Manhã,
pôs a verdade na boca de um bobo. Podia também ter escrito que não há fúria na
terra como a dos jornalistas gozados.
Sim, o sentido de humor faz muita
falta. Se o usássemos mais veríamos como esta parábola do Artur nos faz o
retrato, na sua genial redução ao absurdo. Com o seu "nós lá na ONU"
e o seu discurso ouvido com reverência e sem contraditório, Artur faz alguma
diferença de António (Borges) e o seu 'nós lá na Goldman Sachs" ou
"nós lá no FMI", o "nós lá na troika" de Abebe
(Selassie), ou o "nós lá no BCE" de Vítor (Gaspar)? Num caso é falso
e nos outros é verdade, direis. Mas é o lugar de onde se fala que conta, ou o
sentido que faz o que se diz, sua verdade e efeito?
Que o que o Artur dizia são
disparates, ouvimos agora. Admitamos que sim; que é "o que as pessoas
querem ouvir", como ontem o diretor do Diário Económico, António
Costa, afirmava no Twitter. Mas há dois anos, quando os media clamavam pelo
pedido de resgate para a seguir cantarem loas às "soluções" e ditados
da troika, e logo depois, durante a campanha eleitoral, repetirem, sem a
questionar, a conversa das "gorduras do Estado", era de quê, factos
indesmentíveis, que ninguém queria ouvir, que se tratava? Onde estavam os
jornalistas económicos quando PSD e CDS juravam que, uma vez no poder, bastaria
"cortar no supérfluo" e nada de aumentar impostos, nada de fechar
centros de saúde, escolas, racionalizar o Estado, tudo isso que o Governo
anterior fazia, claro, por pura maldade? E onde estão agora, que até o Pedro
admite ser a generalidade da despesa do Estado com prestações e serviços
sociais, os reconhecimentos de terem sido levados ao engano, os mea culpa por
não terem feito "o trabalho de casa"? Onde estão as acusações de
burla e os apodos de burlão a quem vendeu a história falsa?
Difícil encontrar hoje um
analista ou jornalista que não faça pouco das previsões do Vitor, não é? Mas
quem não se recorda de ter sido apresentado como "um técnico brilhante e
apolítico", "uma infalível máquina de contas", e a sua
austeridade como "o único caminho"? E já não se lembram de como o
Pedro era "um homem sério", "sensato", "bem
falante" (!), que "não enganava ninguém", e o Álvaro um
brilhante académico que trazia do Canadá a saída para todos os problemas?
Artur mentiu, arranjou uns
cartões falsos, pretendeu ser autor de um estudo que não é dele e pertencer a
uma organização prestigiada que, de resto, nada faz - para não variar da sua
atitude geral - para se defender de tal reivindicação. E assim fez discursos,
deu entrevistas e chegou à TV. Foi uma bela partida; se fosse a ele fazia disto
tese académica ou reportagem, com o título "Como enganei os media
portugueses, como são fáceis de enganar, e como enganam quem os consome".
Às tantas ganha o Pulitzer. Merece. Até porque, ao contrário dos outros
burlões, e tantos são, não nos fez mal algum.
Diário de Notícias, de 28-12-2012
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