Principais reformas da Justiça ainda em curso
Só no próximo ano chegam ao terreno as mudanças mais estruturais do sistema judicial, com um novo modelo de funcionamento dos tribunais. "Muitos anúncios e pouca concretização", queixam-se alguns
As principais reformas da Justiça, como o novo modelo de funcionamento dos tribunais e as novas regras na cobrança de dívidas, devem chegar ao terreno para o próximo ano. 2013 será, por isso, um teste decisivo à governação da ministra Paula Teixeira da Cruz. Nos 16 meses de mandato foram alteradas as custas judiciais, aumentaram alguns registos e actos notariais, mudou-se a política de gestão das instalações da Justiça e o Governo aprovou as propostas de revisão das leis penais. A última avaliação da troika considera que as reformas na Justiça "estão a avançar a um bom ritmo", mas no sector não faltam críticas ao que se fez e muita preocupação com o que ainda está para vir.
O novo mapa judiciário que vai alterar de forma profunda o funcionamento e a organização dos tribunais, apostando na especialização dos magistrados, é para todos a mudança mais estrutural. Ninguém põe em causa a necessidade de ajustar o modelo judicial aos desafios do século XXI, mas muitos receiam da forma como tal vai ser concretizado.
O juiz-presidente da comarca do Baixo Vouga, Paulo Brandão, dirige desde Abril de 2009 o projecto-piloto que testa o novo modelo de funcionamento dos tribunais. Mas, entretanto, o Governo mudou e Paula Teixeira da Cruz quis alterar a matriz da reorganização dos serviços. Foi abandonada a organização em função das NUT (unidades territoriais para efeitos estatísticos) e a referência passou a ser o distrito, que irá concentrar na sua capital os casos judiciais mais complexos.
Paulo Brandão considera inevitável o encerramento de alguns tribunais, mas não concorda com a forma como os serviços vão ser distribuídos. "Toda a população desde Ovar à Mealhada vai ter que se deslocar até Aveiro para os julgamentos mais complexos", exemplifica. E lamenta: "Havia um modelo já no terreno que podia ter sido aprofundado".
Conceição Gomes, do Observatório Permanente da Justiça, está mais preocupada com a forma como a reorganização vai ser concretizada. "Ao contrário do que estava previsto antes, a reforma vai entrar em vigor toda ao mesmo tempo. Era mais avisado fazê-la de forma progressiva", defende a investigadora da Universidade de Coimbra. Paulo Brandão concorda e recorda a enorme confusão provocada pelo lançamento da comarca do Baixo Vouga. "A transferência física dos processos foi muito complicada. Houve muitos processos que foram parar a secções erradas", recorda. Por isso, considera que se deviam dar "passos pequenos, mas seguros". Como ponto positivo, o juiz destaca a hipótese de mobilidade dos funcionários.
Para José António Barreiros, ex-presidente do conselho superior da Ordem dos Advogados, a ministra da Justiça já deveria ter avançado com a reforma do mapa judiciário. "Já houve tempo suficiente para pensar e decidir. Passou muito tempo e ainda não há nada definitivo", critica. O advogado considera que o trabalho de Paula Teixeira da Cruz está condicionado pela troika, por isso, os objectivos são essencialmente economicistas. "A ideia é evitar despesas e tentar ganhar dinheiro à custa da Justiça, como mostra o novo regime de custas", sustenta.
Um sistema para o séc. XXI
Já o ex-secretário de Estado da Justiça do Governo socialista, João Correia, não poupa elogios à ministra, com quem trabalhou na direcção da Ordem dos Advogados e que o convidou para continuar à frente da comissão que fez o anteprojecto do Código Processo Civil. "A drª. Paula Teixeira da Cruz está a dar sequência às orientações que saíram do Congresso da Justiça, em 2004", avalia. E resume: "Está a instalar um sistema judiciário apto para o século XXI". "Para isso é preciso rasgar com alguns velhos do Restelo que não conseguem ver além de ontem", sublinha João Correia.
Membro do Conselho Superior do Ministério Público e militante do PSD, Bonifácio Ramos faz um balanço crítico do trabalho da ministra. "Tem havido muitos anúncios e pouca concretização. Os principais problemas da Justiça continuam por resolver", lamenta. Prefere não comentar a reforma do mapa judiciário e diz porquê: "Não me posso pronunciar sobre uma coisa que já mudou várias vezes". Mostra-se "perplexo" com a repetição da ministra sobre o fim da impunidade dos políticos e lamenta a forma como tem sido feita a revisão do processo civil.
O professor catedrático de Direito Penal Manuel Costa Andrade opta por falar apenas das reformas na área criminal. "Algumas medidas apresentadas nesta área merecem-me discordância e outras suscitam-me fortes dúvidas e reservas", refere. Não concorda, por exemplo, com a possibilidade de o juiz de instrução decretar medidas de coacção mais gravosas que as pedidas pelo Ministério Público, que, realça, "tem o domínio sobre a investigação". Também não compreende a insistência de Paula Teixeira da Cruz com o enriquecimento ilícito. "A incriminação do enriquecimento ilícito ou é inconstitucional ou é inútil", remata Costa Andrade.
A ministra imprimiu uma alteração profunda na política de gestão das instalações da Justiça, uma área que justificou a criação da Secretaria de Estado da Administração Patrimonial e Equipamentos do Ministério da Justiça. O ministério cancelou concursos para oito novos Campus da Justiça e anulou o contrato do do Porto, optando por recuperar edifícios públicos subaproveitados ou devolutos.
Público - 2012.11.01
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