É um despacho que
promete dar que falar durante muito tempo: o Ministério Público considera que é
lícito descarregar cópias de filmes e música em redes de Partilha de Ficheiros
(P2P) em Portugal.
No início de 2011, a
Associação do Comércio Audiovisual de Obras Culturais e de Entretenimento de
Portugal (ACAPOR) surgiu nos títulos dos jornais por apresentar queixa na
Procuradoria Geral da República de dois mil internautas portugueses que usavam
sites de P2P para partilhar cópias alegadamente ilegais de filmes.
Passado pouco mais de
um ano, Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP), que tem objetivo
analisar as queixas apresentadas na PGR que depois são encaminhadas para o
Ministério Público, deu a conhecer um despacho demolidor para as pretensões da
ACAPOR.
Além de vários reparos
aos procedimentos seguidos pela ACAPOR, o DIAP dá a conhecer um despacho que se
arrisca a marcar a história da defesa dos direitos de autor em Portugal. Eis um
excerto que acaba de chegar à nossa redação: «Acresce que, do ponto de vista
legal, ainda que colocando-se neste tipo de redes a questão do utilizador agir
simultaneamente no ambiente digital em sede de upload e download dos ficheiros
a partilhar, entedemos como lícita a realização pelos participantes na rede P2P
para uso privado - artº 75º nº 2ª) e 81º b) do CDADC, - ainda que se possa
entender que efetuada a cópia o utilizador não cessa a sua participação na
partilha».
Apesar de considerar
que o Código de Direitos de Autor e Direitos Conexos (CDADC) não tornou ilegal
o uso de redes de partilha de ficheiros (P2P), o despacho do Ministério Público
reconhece o mérito à ações levadas a cabo pela ACAPOR por alertarem para a
necessidade de repensar as questões jurídicas relacionadas com a defesa dos
direitos de autor de filmes, música e software na era digital. Mas também neste
ponto os investigadores do DIAP deixam um reparo – e lembram que a defesa dos
direitos de autor deve ser aplicada tendo conta igualmente «o direito à
educação, à cultura, da liberdade de ação no espaço cibernáutico (sic),
especialmente quando tal liberdade se cinge ao individual nada se relacionado
(sic) com questões comerciais, com o lucro de atividade mercantil».
No mesmo despacho, os
responsáveis do DIAP e do Ministério Público confessam ser impossível investigar
a distribuição e o download de cópias ilegais na Internet através do número de
IP. Segundo os investigadores, acusação de alguém com base no número de IP é
«errónea», uma vez que o titular do número do Protocolo usado no acesso à Net
«não é necessariamente o utilizador naquele momento concreto, não é
necessariamente o que disponibiliza a obra, mas o que vê serviço registado em
seu nome, independentemente de o usar ou de apenas figurar formalmente como seu
titular».
O Ministério Público
refere, com base na análise que faz dos artigos do CDADC, que só em situações
em que o autor (e depreende-se que mais ninguém, apesar de o CDADC referir
igualmente artistas, e produtores) expressamente o proíbe se pode considerar
crime a partilha pública de uma obra.
O despacho deixa ainda
implícita uma crítica à forma como a ACAPOR lidou com o processo, sublinhando
que a associação que representa os clubes e lojas de vídeos não apresentou
qualquer documento a comprovar que os autores do(s) filme(s) proibiram a «disponibilização
pública».
A reação da ACAPOR
Nuno Pereira, diretor
da ACAPOR, informa que já requereu a nulidade do inquérito que deu origem a
este despacho. «Até porque consideramos que não ouve inquérito e que o
Ministério Público se limitou a ouvir a ACAPOR e os técnicos da Inspeção Geral
de Atividades Culturais (IGAC)». Nuno Pereira acredita que, se for declara a
nulidade, o inquérito terá de ser voltar ao início. Caso não seja declara a
nulidade, a ACAPOR vai avançar uma ação contra o Estado Português e apresentar
queixa na Comissão Europeia.
O responsável da ACAPOR
salienta ainda que as 2000 queixas apresentadas no início do ano passado não
tinham por objetivo acusar os titulares das cointas de acesso à Internet usadas
para o download de obras protegidas pelos direitos de autor. «Mas era
importante saber quem eram os titulares dessas contas para depois se investigar
quem realmente usou aquele acesso para fazer o download», explica.
A inexistência de
comprovativo de proibição de partilha pública também merece críticas da
ACAPOR:«Estamos a falar de filmes que estavam, ness altura nas salas de cinema
e no circuito comercial e por isso seria público e notório de que não havia
autorização de partilha pública», refere Nuno Pereira.
O conceito de partilha
de ficheiros também suscita diferentes opiniões: Nuno Pereira admite que a Lei
da Cópia Privada não exige que as réplicas para uso privado têm de ser feitas a
partir de originais legítimos, mas lembra que esta lei apenas se aplica à cópia
e não ao ato de partilha. «Tenho dificuldade em perceber como é que se pode
fazer uma partilha para uso privado. É um conceito que não entendo»,
acrescenta.
O responsável da ACAPOR
faz uma descrição pouco abonatória da atuação das autoridades em todo este
processo:«Para mim, o Ministério Público apenas arranjou uma forma de adaptar a
lei ao seu interesse – e o seu interesse era não ter que mandar 2000 mil
cartas, ouvir 2000 mil pessoas e fazer 2000 mil perícias a computadores».
Hugo Séneca
Exame Informática de 26-09-2012
Sem comentários:
Enviar um comentário