segunda-feira, 17 de setembro de 2012

54 crimes de vandalismo por dia desde o início do ano


A porta e os vidros da seguradora Zurich, na Rua Luís Veiga Leitão, as montras do Montepio Geral, na Rua da Boavista, e da Caixa Geral de Depósitos na zona de Campanhã, Porto, foram apedrejados na madrugada de domingo. A PSP recebeu ontem um pedido para fazer "policiamento" ao escritório da Zurich devido aos "atos de vandalismo", disse fonte policial à Lusa, não os associando, para já, à manifestação anti- troika de sábado.
Os atos de vandalismo em todo o País, contra carros ou prédios, em igrejas e edifícios públicos, ascendem a 54 por dia desde o início de janeiro até junho, somando os dados da PSP e da GNR.
O ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, anunciou a 6 de agosto que vai avançar com legislação própria para combater o vandalismo. Atualmente, os estragos em propriedade particular ou do Estado cabem todos no mesmo "saco" penal: o crime de dano e de dano qualificado.
Quando PSP e GNR contabilizam o crime de dano, juntam os estragos a propriedade particular e a propriedade pública (do Estado ou das autarquias) e a separação dos vários tipos de situação é difícil. Para aumentar a confusão, a Justiça tem interpretações diversas. Nem sempre fazer graffiti em equipamentos ou edifícios públicos é considerado um ato criminoso.
Seja por falha na lei ou na sua interpretação, há casos que têm ficado impunes, como se verifica num acórdão a que o DN teve acesso. Um grupo encheu de graffiti várias carruagens estacionadas numa estação do Metropolitano de Lisboa. A empresa avançou uma ação por dano qualificado em coisa destinada ao uso e utilidade públicos, que é um crime punido com pena de prisão até cinco anos ou com multa até 600 dias. Mas o processo acabou arquivado porque os estragos causados não foram interpretados como crime, nem pelo Ministério Público nem na Relação de Lisboa em sede de recurso do queixoso.
Já num outro acórdão, do tribunal criminal de Lisboa, foi decretada multa contra um arguido punido à revelia, exatamente pelo crime de dano, por ter desenhado uns gatafunhos numa parede (ver caixa).
Interpretações diferentes
Fontes policiais queixaram-se ao DN de que a ação das forças de segurança é dificultada pela "falta de consistência judicial" quanto a este crime. Lembram que têm muitas vezes de pedir aos lesados para apresentar queixa-crime para que haja intervenção. E que a única forma de PSP e GNR excluírem a necessidade de queixa é se o dano for superior a 50 unidades de conta, cerca de 5100 euros. "Passa a ser valor elevado, logo sem necessidade de denúncia", diz fonte policial.
Até agora, o novo diploma sobre vandalismo que o MAI quer levar ao Parlamento pouco avançou. O DN pediu esclarecimentos ao MAI em agosto e setembro mas a resposta foi que "nesta fase" não era possível dar mais informação.
Câmaras de Lisboa e Porto combatem
A autarquia de Lisboa criou um programa de remoção de grafitti e outros registos de "arte de rua" ao mesmo tempo que avançou com a Galeria de Arte Urbana na Calçada da Glória, em 2008, que pretendeu elevar o grafitti a forma reconhecida de arte urbana (distinguindo-o de "garatujas selvagens", como respondeu a Câmara).
No Porto, o presidente da Câmara, Rui Rio, criou, há vários anos, uma equipa de limpeza de grafittis equipada com máquinas para limpar pedra. "Atividade que, em breve, será alargada à pintura de paredes em geral", referiu ao DN o gabinete de Rui Rio.
Existe também um protocolo entre a autarquia e o Ministério Público, para substituir o processo-crime por trabalho à sociedade, obrigando o condenado a limpar o que fez, referiu ainda o gabinete do autarca.
ESTATÍSTICA
Casos recuam no primeiro semestre
Nas áreas da PSP e da GNR as participações pelo crime de dano têm vindo a descer. Passou-se de uma média de 57 atos de vandalismo por dia participados no primeiro semestre de 2011 para 54 no período homólogo deste ano. Desceu de 4484 queixas por dano em geral feitas à PSP e 32 por dano contra o património cultural no primeiro semestre de 2011 contra 4051 e 17, respetivamente, no período homólogo deste ano.
A GNR forneceu só os totais do dano em geral (sem o património cultural): de 5874 queixas no primeiro semestre de 2011 desceu para 5678 em 2012.
'Graffiti' no metro não é crime mas dá indemnização...
Em causa, para os desembargadores da Relação de Lisboa, estava saber se os arguidos, ao fazerem pinturas e desenhos com latas de spray, vulgo graffiti, em várias carruagens estacionadas numa estação do Metropolitano de Lisboa, estariam a cometer o crime de dano qualificado em coisa destinada ao uso e utilidade públicos (punido com prisão até cinco anos ou multa até 600 dias).
No acórdão da Relação, a que o DN teve acesso, os desembargadores dão razão ao Ministério Público, que decidiu arquivar o caso. A"destruição" ou "desfiguração" teria de atingir as características funcionais do Metropolitano, o que não aconteceu. "A atuação dos autores dos graffiti, inserida nos tempos e modas da juventude, é no convencimento de se estar a desenvolver forma de arte e expressão", refere o acórdão da Relação de Lisboa O metro só teria direito a pedir indemnização cível.
... mas também é crime e dá direito a indemnização
A Justiça pode ter dois pesos e duas medidas. O caso de que se dá conta a seguir ilustra isso mesmo. Um cidadão suíço invadiu o resguardo para recolha de material circulante do Metropolitano de Lisboa, nas proximidades da estação Baixa Chiado, e procedeu à pintura de vários metros da parte lateral exterior de uma carruagem do Metropolitano com graffitis. Foi surpreendido em flagrante por uma operadora de linha.
O processo seguiu para julgamento e o 6.° Juízo Criminal de Lisboa condenou o arguido pela autoria material de um crime de dano simples e por um crime de introdução em lugar vedado ao público na multa global de 650 euros, a que corresponde, subsidiariamente, a pena de 86 dias de prisão. Na parte cível, o cidadão suíço foi condenado a pagar ao Metropolitano de Lisboa a quantia de 189,62 euros, com juros de mora. Um tratamento bem diferente do caso anterior.
Dano em património subiu 67% em dois anos na capital
Dados que a Polícia Municipal de Lisboa avançou ao DN indicam que os crimes em património cultural/municipal subiram 67,8% na capital desde 2010. Há dois anos, entre graffiti (15), furtos/danos (sete) e incêndios (seis), os crimes de dano em património cultural totalizavam 28.
Em 2011, os atos de vandalismo com graffiti foram dez em Lisboa, com furtos e danos foram 15 e com incêndios seis, num total de 31 casos contabilizados. Finalmente, este ano e até ao momento, não houve um único caso de vandalismo com graffiti registado pela Polícia Municipal na cidade de Lisboa.
Em contrapartida, houve 38 casos de furtos/danos e nove de incêndios, num total de 47 crimes registados. Contas feitas, isto significa que os atos de vandalismo subiram 67,8% na capital desde 2010.
Rute Coelho
Diário de Notícias de 17-09-2012

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