domingo, 22 de abril de 2012

O delírio

Um dos sintomas da esquizofrenia europeia é o delírio com que as grandes multinacionais políticas fazem, por estes dias, o que querem das nossas vidas. Com base num experimentalismo que às vezes chega a parecer criminoso, os tecnocratas da 'troika' gerem a vida de milhões de cidadãos como se não houvesse erro que lhes possa ser imputado. A análise do FMI fez-me ir ao armário à procura de vestes pessimistas que eu não queria estrear. Esses senhores dizem-nos agora, com o ar de quem sempre achou que ia ser assim, que a austeridade vai matar a nossa economia e que o aperto aos bancos vai fazer desaparecer o crédito. Dizem-nos agora, com o ar de quem sempre achou que ia ser assim, o que muita gente anda a dizer desde que desenharam o famoso memorando. E eu até estou à vontade para falar do assunto porque sempre fui dos que pensaram que é preciso meter na ordem as contas públicas, "custe o que custar". Os senhores com quem eu concordei dizem-me agora que estou errado. E dizem-no como se tivesse sido eu a convencê-los que eles tinham razão. Por causa das suas experiências, o dinheiro está a desaparecer de Portugal e nem as boas ideias parecem valer um tostão. Todas as conversas de negócios são feitas à volta do dinheiro que não há. É como se os homens de negócios mantivessem a conversa, apenas, porque não querem perder a arte da retórica. Toda a gente fala do que sabe quase não existir. E neste mundo à parte em que se fala de dinheiro, porque o pouco que existe não sai deste círculo fechado, só existe o medo de que tudo acabe por dar para o torto. Já há consciência de que a multidão de deserdados cresce todos os dias e que cada dia tem menos a perder. Se querem perceber o que aí vem tentem imaginar-se no papel de dezenas de milhares de pais que caíram no desemprego e esgotaram o prazo a que têm direito ao subsídio de desemprego, sem saberem como vão dar vida aos filhos. E nas centenas de milhares que vão a caminho do mesmo vazio. Quando Vítor Gaspar garante que os portugueses "estão completamente dispostos a sacrificar-se", ressalvando que esperam, no entanto, que os sacrifícios sejam repartidos de forma justa, convém que leve em linha de conta que as injustiças se agravam à medida que florescem as crises. E a paciência, mesmo de um santo, tem limites. Portugal está muito longe de ser um sucesso. Sei do esforço que o Governo tem feito para cumprir o memorando. Sei da exigência que colocam na sua tarefa, mas sei também que o memorando já é questionado até por quem nos impôs estes níveis de austeridade. Aproveitem a deixa e não apresentem apenas contas certinhas à troika, peçam-lhes também contas pelo modelo que desenharam. PAULO BALDAIA Diário de Notícias de 22-4-2012


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