Há quem considere que não existem direitos adquiridos e que, num momento de crise, tudo está em causa. E há também quem pense – como o presidente do Supremo Tribunal de Justiça – que pôr em causa os direitos adquiridos é equivalente a um rompimento do contrato social em vigor.
Em geral, o primeiro grupo ataca os direitos adquiridos porque pensa que não será afectado pelo seu cancelamento. O segundo grupo, ao qual pertence o presidente do STJ, agarra-se à ideia de direitos adquiridos porque está já a ser afectado pelo seu cancelamento.
No entanto, a questão fundamental - que também está presente, é justo dizê-lo, no discurso do presidente do STJ - não é a da existência ou inexistência de direitos adquiridos mas antes a do valor que os diferentes direitos têm na sociedade portuguesa. Assim, por exemplo, para retomar o discurso de Noronha do Nascimento, os direitos dos trabalhadores do Estado à remuneração que com eles foi contratada valem muito menos do que os direitos societários (e os direitos de propriedade). Podemos ser mais específicos: o Estado cancela facilmente os direitos adquiridos pelos seus trabalhadores, mas não cancela com a mesma facilidade - ou não cancela de todo - os direitos dos seus credores a receber o que lhes é devido, ou os direitos das empresas que com ele estabeleceram parcerias público-privadas a ter os proveitos contratados.
Mas aquilo que o presidente do STJ não se atreveu a dizer é que este desequilíbrio entre direitos adquiridos, contra os dos trabalhadores e a favor dos das entidades empresariais e dos credores, não é apenas o produto das decisões políticas do actual Governo e da maioria parlamentar que o apoia. É também uma consequência do enviesamento geral do sistema legal e judiciário. Se assim não fosse, o Governo e a maioria que o apoia poderiam tomar tais decisões, mas elas seriam bloqueadas nos tribunais, incluindo - mas não só - no Tribunal Constitucional.
Ao contrário do que alguns sugerem, não se trata aqui de uma divisão entre, por um lado, direitos económicos e sociais e que implicam retribuição por parte do Estado e, por outro lado, os direitos que não implicam essa retribuição, como os chamados direitos-liberdades (expressão, reunião, associação, etc.). Isto é, não se trata de proteger os segundos e dizer que a salvaguarda dos primeiros dependem da situação económica do país e não pode ser vista como absoluta. Com efeito, os exemplos dados acima são todos de direitos económicos e sociais, todos têm a ver a com remunerações e respeito pelos contratos.
O facto de os direitos económicos e sociais de alguns valerem muito menos do que os de outros mostra bem o tipo de sistema jurídico e de sociedade em que vivemos.
Opinião de João Cardoso Rosas, professor universitário
Diário Económico de 08-02-2012
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