quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Contradições e limitações da Justiça


A Justiça tem contradições e limitações que lhe retiram eficácia, nobreza e exemplaridade. A ausência destes princípios nega-lhe o seu papel de pilar estruturante do Estado de Direito. E muitas vezes a Justiça não é eficaz e exemplar.
Mas o que pode fazer um juiz para inverter esse estado de coisas? Em alguns casos, nada. Não tem poderes processuais ou legais suficientes para tornar eficaz o funcionamento dos tribunais, ou para contornar a lei e aplicar uma medida mais pedagógica do que legal, a não ser no caso dos processos de jurisdição voluntária, que são uma gota no oceano dos processos que tramitam nos tribunais. Pode um juiz aplicar a medida de coacção da prisão domiciliária, sob a condição do criminoso mudar de domicílio para que não conviva, por exemplo, com um familiar da pessoa que assassinou? Não. Pode o juiz criminal impedir que uma filha deixe de viver com o pai que assassinou o seu marido, para que este não conviva com a filha desta? Não. Pode um juiz criminal ultrapassar a jurisdição de menores que confiou a guarda da criança à mãe, retirando-lhe direitos? Não.
Então, como se evita este absurdo e triste coincidência de um criminoso conviver com um familiar, que é menor? Como se conjuga a defesa do superior interesse da criança com a medida de coacção aplicada?
Só recorrendo à prisão preventiva do arguido. E se a prisão domiciliária for a medida certa e acautelar todos os pressupostos e finalidades prosseguidos pela prisão preventiva? A única saída, mesmo que seja exagerada e injusta, é a prisão preventiva. Dois regimes jurídicos em confronto, que se atropelam e que não cumprem as finalidades desejadas e queridas pela comunidade.
Não seria curial um sistema normativo mais aberto que desse mais poderes ao juiz, permitindo-lhe condicionar a aplicação desta medida de coacção à obrigação de indicar uma outra residência, sob pena de, não o fazendo, aplicar-se a medida mais gravosa de coacção?
Se a lei conferisse essa margem de manobra ao juiz a Justiça seria mais justa, mais certeira e equilibrada. E evitava situações estranhas, difíceis de serem explicadas, como é "obrigar" uma menor a viver e a conviver com o assassino do seu pai. Nem se assegura o superior interesse da criança, nem se aplica uma medida de coacção ajustada ao caso concreto. Só se salva o superior interesse da criança prendendo o criminoso, o que pode não ser razoável.
E, depois, perante tamanha contradição e limitação, digam que a culpa é do juiz. E não de uma lei estranha que não está adaptada para a vida. A vida é muito mais que uma lei.
Rui Rangel
Correio da Manhã de 16/02/2012

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