segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Lei de limitação de mandatos autárquicos divide juristas


Há autarcas que se preparam para contornar a lei, candidatando-se a um município vizinho. Constitucionalistas estão divididos
A dois anos de eleições autárquicas e com a mudança da lei eleitoral no horizonte, há já quem defenda uma clarificação quanto à limitação de mandatos. Ao todo, serão 163 dos actuais 308 presidentes de câmara que estarão impedidos de se recandidatar em 2013 por terem já concluído pelo menos três mandatos à frente das respectivas autarquias. Mas a questão que agora se levanta é se essa limitação lhes impossibilita também a candidatura a um outro município.
Embora a lei pareça não o impedir, há quem entenda que, no campo dos princípios, tal não deveria ser permitido, e admite-se que a questão venha a ser esclarecida no âmbito da reforma da lei eleitoral autárquica, para a qual o PSD criou já um grupo no Parlamento com o CDS e o PS, partido que tem de estar envolvido, já que a alteração à lei exige maioria qualificada.
O ministro dos Assuntos Parlamentar, Miguel Relvas, garantiu já que a nova lei não poderá deixar dúvidas. É certo que falava apenas em relação às alterações à lei eleitoral, afastando qualquer hipótese de recandidaturas devido ao facto de os autarcas passarem a ser eleitos através de candidaturas à assembleia municipal.
Relvas foi categórico ao afirmar que o futuro modelo eleitoral não permitirá fazer “batota”, e que incluirá um artigo consagrando a impossibilidade de os presidentes de câmara - e também das juntas de freguesia - se recandidatarem após terem cumprido três mandatos consecutivos. Alguns especialistas entendem, no entanto, que a limitação se deveria alargar às candidaturas noutros municípios.
“O que se pretende, em termos de princípio republicano de combate à corrupção, é eliminar situações menos transparentes, assegurar a rotatividade da classe política e a alternância. Creio que a lei não pretende que efectivamente continuem a reproduzir-se [candidaturas], deixando uma comarca e passando para a comarca que fica a 20 quilómetros”, explicou ao PÚBLICO o constitucionalista Gomes Canotilho. Reconhecendo embora que o que a lei de limitação de mandatos “pretendeu, de uma forma imediata, que o candidato, naquele cargo, naquela câmara não pudesse estar mais tempo”, o constitucionalista afirma que, “em termos de princípio democrático e de princípio republicano, não me está a agradar nada essa interpretação”.
Também o deputado do PSD Manuel Meirinhos, que integra o grupo de trabalho que está a estudar a lei eleitoral das autarquias, entende que não deverá ser permitida a candidatura a outro município. “Se há uma limitação sobre um mandato, essa limitação incide sobre a função e não sobre o local onde se exerce essa função”, sustenta. Para este deputado, não há lugar para dúvidas: “Um presidente que exerceu três mandatos numa determinada câmara não poderá candidatar-se a outra, senão não há limitação de mandatos.”
Diferente é o entendimento de Vital Moreira quanto ao alcance da actual lei de limitação de mandatos. Para este constitucionalista, o impedimento restringe-se “a uma candidatura ao mesmo cargo, mas se for noutro município já não é o mesmo cargo e logo pode candidatar-se outras três vezes seguidas”.
Da mesma forma, também o constitucionalista Jorge Bacelar Gouveia entende que “cada autarquia é uma unidade política e, portanto, [o autarca] já não estará a exercer o mesmo mandato” numa autarquia diferente. “Se a intenção da lei é evitar e prevenir a corrupção, ora a corrupção tem a ver com a acumulação de poder de uma pessoa, sendo do mesmo sítio. Se for outra autarquia, essa questão desaparece porque a pessoa já não está no mesmo núcleo de poder”. E vai mais longe, condenando a ideia de aproveitar a alteração da lei eleitoral para bloquear a candidatura noutro município. “É uma medida excessiva e acho que isso seria inconstitucional”. Porquê? Porque isso, sustenta, “é levar longe de mais uma proibição de vício de um direito de candidatura”. No mesmo sentido, vai o especialista em Direito Administrativo e das Autarquias Locais, António Cândido Oliveira: “A lei diz respeito ao presidente da câmara e presidente da junta e o que diz é que só podem ser eleitos para três mandatos consecutivos e não para três mandatos consecutivos na mesma autarquia”.
Vieira de Andrade, professor de Direito na Universidade de Coimbra, considera, por seu lado, que “uma pessoa que tenha cumprido três mandatos consecutivos na mesma autarquia pode candidatar-se a um outro município que não o seu”: “Formalmente, a [lei de limitação de mandatos] não o impede.”
Presidentes em trânsito
Menezes pondera o Porto, Soares abraça Coimbra

Jaime Soares (PSD), um dos dinossauros do poder local que há 37 anos preside à Câmara de Vila Nova de Poiares, não afasta a possibilidade de, em 2013, se candidatar pela primeira vez a uma câmara que não a sua no distrito de Coimbra, se discordar das escolhas do partido.
“Não tenho no meu horizonte próximo a intenção de me candidatar a qualquer órgão autárquico, mas se, porventura, em relação a uma autarquia importante do distrito de Coimbra, os responsáveis locais do PSD fizerem escolhas que tenham a ver não com os interesses do partido, mas com negócios e lógicas de grupo, tomarei uma atitude consentânea para combater alguma desonestidade política que se pode colocar na escolha dos candidatos”, afirma. Também Luís Filipe Menezes não esconde a vontade de se mudar para a margem direita do Douro. Embora tenha uma base sociológica que extravasa o PSD, como referiu ao PÚBLICO um dirigente do partido, a verdade é que uma eventual candidatura sua ao Porto poderá não ser consensual. 
Margarida Gomes
Público,  
04-12-2011



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