quinta-feira, 10 de novembro de 2011

A ‘crise da Justiça’


Opinião de Celeste Cardona no Diário de Notícias de 10-11-2011

Um dos temas que mais nos apoquentam é a chamada “crise da Justiça”! A nós e à generalidade dos países europeus, em que o debate social e político sobre a justiça penal é, hoje, analisado à luz de determinados factores, tais como os da morosidade, a grande inacessibilidade, o desperdício organizacional e administrativo e o da generalização dos movimentos de reforma para a combater.
Quanto à lentidão e à morosidade são mais ou menos conhecidas as estatísticas relativas à elevada percentagem da criminalidade, tendo sido registada no período de 1990-2000 uma tendência de crescimento médio anual de 15 752 processos.
O número de inquéritos abertos em cinco anos (de 1990 a 1995) aumentou cerca de 40,2%, com o número de 426 506 processos.
O aumento da criminalidade registada é também consequência de certos factores económico-sociais, tais como o consumo e tráfico de droga e “criminalidade urbana”, bem como o crescimento exponencial da criminalidade complexa, de que não nos podemos alhear e que contribui de forma decisiva para a lentidão e a morosidade.
A esta “crise” o poder político tem vindo a responder com alterações nas legislações respectivas, procurando definir regras normativas dirigidas à resolução/simplificação da ineficiência e da lentidão.
Mas, tal como resulta da consulta dos dados e elementos disponíveis, parece que os resultados efectivos não são os que se pretendiam. (Ver o mais recente documento do Observatório da Justiça publicado no site do Ministério da Justiça).
A questão que pretendo reflectir com os leitores é, justamente, a de saber se a resolução deste aflitivo problema não deve passar por uma discussão profunda e séria sobre os princípios que modelam o nosso sistema de justiça penal.
Como sabemos, quer a Constituição quer a lei determinam que a acção penal está subordinada ao princípio da legalidade, ou seja, a entidade titular da acção penal está obrigada a promovê-la sempre que tiver adquirido notícia de um crime e a submetê-la a julgamento, desde que verificados os respectivos pressupostos.
Foi criada em Portugal uma filosofia penal que assenta na concepção de que “a justiça é para todos”, o que significa que adquirida a notícia, por qualquer das formas previstas na lei, o titular da acção penal tem o dever constitucional e legal de promover a respectiva investigação.
É certo que não desconhecemos a denominada Lei-Quadro da Política Criminal aprovada através da Lei 17/2006, de 23 de Maio, e a Lei 38/2009, de 20 de Julho, que, ao abrigo da primeira, vem definir os objectivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio 2009-2011.
Mas esta lei que aparentemente podia ter sido concebida como o início de uma alteração profunda no sistema de justiça penal determina, no entanto, no seu artigo 2.° que a definição de objectivos, prioridades e orientações não pode “prejudicar o princípio da legalidade…”
O quadro normativo subsequente e complementar continua a ser “vassalo” do princípio da legalidade da acção penal.
Ora, uma das propostas de reforma que vêm sendo discutidas entre os operadores judiciários é a introdução na ordem jurídica penal do princípio da oportunidade.
Bem recentemente, aliás, na conferência realizada pelo DCIAP subordinada ao tema “O Ministério Público e o Combate à Corrupção” esta questão foi analisada e debatida de forma que considero dever ser escutada e ponderada.
Em que consiste, então, o princípio da oportunidade do ponto de vista dos seus objectivos? Visa uma política criminal pragmática e diferenciada
Pragmática porque a justiça é um bem escasso.
Diferenciada, na medida em que este modelo supõe que sejam eleitos critérios de selecção claros e transparentes, susceptíveis de fundamentar uma triagem de crimes que devem ou não ser investigados. Uma justiça penal orientada pelo princípio da oportunidade suscita problemas de vária ordem, de que destacamos os constitucionais, de organização do sistema e de atribuição de responsabilidade aos operadores intervenientes na determinação dos processos elegíveis para investigação. Sendo mais fácil “remendar” do que “construir”, é tempo, no entanto, de mudar!


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