quinta-feira, 26 de junho de 2008

Notícia do Jornal de Notícias de 25.6.2008

PGR arrasa conselho da prevenção da corrupção

Magistrado desafia deputados socialistas a legislar sobre o enriquecimento ilícito

O procurador-geral da República (PGR), Pinto Monteiro, criticou o “certo pendor governamental do Conselho de Prevenção da Corrupção, numa audição parlamentar, cuja legitimidade foi contestada pelo deputado do PS Ricardo Rodrigues
Fernando Pinto Monteiro a sou as opções da maioria socialista e do Governo na criação do Conselho de Prevenção da Corrupção (CPC) e nas leis de segurança interna e de organização e investigação criminal. Fê-lo na qualidade de PGR e não como presidente do Conselho Superior do Ministério Público, o órgão ao qual formalmente se referia a audição parlamentar.
A formalidade foi usada como argumento por Ricardo Rodrigues (membro do Conselho, eleito pelo Parlamento) para contes tara legitimidade da audição. Pinto Monteiro não gostou e argumentou que falava como procura dor porque “seria impossível reunir o conselho para emitir um parecer com o escasso tempo” que lhe fora dado pelos deputados. O “verniz estalou” entre ambos, ao ponto de, no final da audição, Pinto Monteiro ter saído da sala sem cumprimentar Ricardo Rodrigues. O incidente decorreu na ausência temporária do presidente da comissão, o socialistas Osvaldo Castro, que, já fora da sala e formalmente, pediu desculpas a Pinto Monteiro.
Incidente à parte, o que ficou da reunião foram as palavras duras e críticas do magistrado, ao dizer que há “confusão entre prevenção e investigação”. E desafiou a maioria: “Se querem contri uir para combater a corrupção, seria melhor que colaborassem na obtenção de informação sobre o enriquecimento ilícito”. Para fundamentar as críticas de governamentalização da CPC, Pinto Monteiro fez questão de lembrar aos deputados que pertencera à antiga Alta Autoridade Contra a Corrupção, um organismo que, sublinhou, “não tinha um único membro nomeado pelo Governo, funcionava bem, mas que teve resultados pequenos”.
Além das críticas ao Conselho, aprovado na generalidade apenas com os votos favoráveis do PS, o PGR repetiu as objecções que tem vindo a fazer às leis de segurança interna e de organização e investigação criminal. Neste contexto, Pinto Monteiro defendeu a existência de mecanismos de controlo dos poderes do futuro secretário-geral de Segurança Interna, sob pena de estes “se sobreporem às competências do Ministério Público (MP)”. A rematar, o magistrado lamentou que a maioria tivesse perdido a oportunidade para garantir em lei a fiscalização das polícias criminais pelo MP. Em resposta, o PS garantiu que o princípio da fiscalização será garant ido na futura lei do MP.
Em nome do Conselho Superior da Magistratura, o juiz Rui Moreira também deixou na comissão críticas “à invasão do poder executivo na investigação criminal”, no âmbito do serviço de informação e investigação criminal, criado pela lei de segurança interna.
Ana Paula Correia

Do Jornal Público de 25.6.2008

«Na lei actual, o património divide-se em partes iguais. Com a nova lei, a Ana tem direito a 1/6 do património e o Zé a 5/6

O Zé e a Ana na nova lei do divórcio

Q Zé e Ana estão casados há 15 anos e têm dois filhos, ele é engenheiro e ela secretária. Ele, sabe-se lá porquê, ultimamente chega a casa bebe uns uísques e... bate na Ana. À terceira vez, a Ana apresentou queixa na GNR, para “ver se ele tem respeito a alguém”. A Ana gosta do Zé e não se quer divorciar, apenas pediu ajuda para “esta fase má” do casamento.
Hoje, com a lei actual, a Ana não tem medo de apre sentar queixa porque o casamento não é posto em causa por esse facto. Amanhã, com a nova lei do divórcio, o Zé com cópia da queixa apresentada na GNR pode divorciar--se (art. 1.781°. al. d), nova versão). O Zé usa a sua própria violência para pôr fim ao casamento.
Acontece que a Ana ganha mil euros por mês, mas o marido aufere 5000 euros por mês. Sempre foi assim. Ele ganhava cinco vezes mais do que ela. E certo que ela orientava a casa, mas ele também ajudava nas tarefas domésticas (como qualquer casal moderno...).
Hoje, com a lei vigente, o património que construíram (a casa onde vivem, o carro e os 80.000 euros de “pé-de-meia”) é para dividir em partes iguais. A Ana fica com a casa e ele como carro e o dinheiro. Amanhã, com a nova lei do divórcio, na partilha (art. 1.676°, n.° 2, nova versão) a Ana tem direito a 1/6 do património e o Zé a 5/6. Contas feitas, a Ana para ficar com a casa terá de pedir ao Banco €82.000 que dará de tornas ao Zé - Isto é, a Ana terá direito a 37.500 euros e o Zé a 187.500 (na divisão do património conjugal). Acontece ainda que, nos últimos três anos, o tio do Zé - o tio Arlindo - viveu com eles porque estava velho e não tinha filhos. Prevendo o seu fim fez um tes tamento ao Zé e à Ana deixando-lhes a casa na Nazaré e três pedaços de pinhal. O Zê e a Ana trataram de tudo e até registaram em seu nome as propriedades.
Hoje, com o divórcio, o Zé e a Ana continuam a ser donos em partes iguais das propriedades. Amanhã, com a nova lei do divórcio, a Ana que não quis divorciar-se, que foi vitima de violência do marido, tendo este obtido o divórcio, perde os bens que herdara do tio Arlindo (art. 1.791.º, nova versão) revertendo os mesmos, na totalidade, para o Zé. Quando a Ana procurou alguém que lhe explicou o que se iria passar, disse em voz baixa (não vá alguém ouvir): “Afinal, a violência doméstica compensa. Ainda dizem eles para apresentar queixa. Estou cada vez mais sozinha”. »
Isilda Pegado, Advogada

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Uniformização de jurisprudência

O Supremo tribunal de Justiça tirou hoje dois acórdãos uniformizadores de jurisprudência:
Condução perigosa - condução em estado de embriaguez - proibição de conduzir - conteúdo da acusação
«Em proceeso por crime de conduçãoperigosa de veículo ou por crime de condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, não constando da acusação ou da pronúncia referência à norma do n.º 1 do artigo 69.º do Código da Estrada, não pode ser aplicada a apena acessória de proibição de conduzir ali prevista, sem que ao arguido seja comunicada, nos termos dos n.ºs 1 e 3 do artigo 358.º do Código de Processo Penal, a alteração da qualificação jurídica dos factos daí resultante, sob pena de a sentença incorrer na nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 379.º daquele diploma legal».
Proc. n.º4449/07-3, Relator: Cons. Oliveira Mendes (unanimidade)
*
Consumo de droga - detenção de quantidade superior à necessária para 10 dias - incriminação
«Não obstante a derrogação operada pelo art. 28.º da Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, o artigo 40.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, manteve-se em vigor não só "quanto ao cultivo" como relativamente à aquisição ou detenção, para consumo próprio, de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV, em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias»
Proc. n.º 1008/07, Relator: Cons. Carmona da Mota (4 votos de vencido)

domingo, 22 de junho de 2008



LANÇAMENTO EM COIMBRA


Dia 26 de Junho - 5ª feira - 21h30m


Livraria Almedina - Estádio


Apresentação de Rui do Carmo

sábado, 21 de junho de 2008

Casa da Supplicação (seleccção do CM)

Escutas telefónicas
V - Existe uma diferença qualitativa entre a intercepção telefónica efectuada à revelia de qualquer autorização legal e a que, autorizada nos termos legais, não obedeceu aos requisitos a que alude o art. 187.º do CPP. Nesta hipótese o meio de prova foi autorizado e está concretamente delimitado em termos de alvo, prazo e forma de concretização, e se os pressupostos de autorização judicial forem violados estamos em face de uma patologia relativa a uma regra de produção de prova.
VI - As proibições de prova são «barreiras colocadas à determinação dos factos que constituem objecto do processo». Mais do que a modalidade do seu enunciado, o que define proibição de prova é a prescrição de um limite à descoberta da verdade. Normalmente formulada como proibição, a proibição de prova pode igualmente ser ditada através de uma imposição, e mesmo de uma permissão. É que toda a regra relativa à averiguação dos factos proíbe ao mesmo tempo as vias não permitidas de averiguação.
VII - A proibição de prova em sentido próprio no sistema processual penal português é somente aquela norma probatória proibitiva cuja violação possa redundar na afectação de um dos direitos pertencentes ao núcleo eleito no art. 32.º, n.º 8, da Lei Fundamental, e que o art. 126.º do CPP manteve, sem alargar. VIII - Diferentemente, as regras de produção da prova – cf., v. g, o art. 341.° do CPP – visam apenas disciplinar o procedimento exterior da realização da prova na diversidade dos seus meios e métodos, não determinando a sua violação a reafirmação contrafáctica através da proibição de valoração. As regras de produção da prova configuram «meras prescrições ordenativas de produção da prova, cuja violação não poderia acarretar a proibição de valorar como prova (...) mas unicamente a eventual responsabilidade (disciplinar, interna) do seu autor». Umas vezes pré-ordenadas à maximização da verdade material (como forma de assegurar a solvabilidade técnico-científica do meio de prova em causa), as regras de produção da prova podem igualmente ser ditadas para obviar ao sacrifício desnecessário e desproporcionado de determinados bens jurídicos.
IX - Admitindo que a circunstância de não ter sido determinada a destruição das intercepções telefónicas não transcritas, conforme determina o art. 188.º, n.º 3, do CPP, constitua uma nulidade processual, é manifesto que, pelo facto de não ter sido, oportunamente, suscitada a arguição de nulidade, se produziu a convalidação do acto processual imperfeito.
X - É que, para além da teleologia do processo penal, é o próprio dever de lealdade processual de todos os intervenientes no processo que impõe que a imperfeição seja suscitada por forma a causar o menor dano na tramitação processual e não como último argumento que se mantém resguardado para se utilizar como último recurso caso o resultado final não agrade.
XI - Aliás, e em última análise, se a intercepção utilizada consubstanciava virtualidades probatórias não concedidas em sede de inquérito pelo juiz de instrução, mas escrutinadas em audiência, então o vício praticado não foi a não destruição das intercepções, mas sim o facto de as mesmas não terem sido decididamente valoradas e consideradas como relevantes pelo mesmo juiz instrutório.
XII - O art. 8.º da CEDH permite a ingerência de uma autoridade pública, com finalidade preventiva ou repressiva, na área dos direitos fundamentais, desde que devidamente respeitadas duas condições essenciais: a legalidade, e a sua necessidade face a interesses particularmente protegidos. Assim, se forem observadas as regras de produção de prova legalmente consignadas nada impede que as intercepções telefónicas constituam o único meio de prova a fundamentar a convicção do tribunal.
XIII - Conforme referem Gomes Canotilho e Vital Moreira (in CRP Anotada), para além dos pressupostos de previsão constitucional expressa e salvaguarda de direito ou interesse constitucionalmente protegido, o terceiro pressuposto material para a restrição legítima de direitos, liberdades e garantias consiste naquilo que se designa por princípio da proporcionalidade, que se desdobra em três subprincípios: o da adequação, o da necessidade ou indispensabilidade e o da proporcionalidade. O denominador comum aos três é exactamente o de equacionar a restrição que constituem em termos de direitos fundamentais com os interesses que se pretende prosseguir. Porém, tal adequação de perfil superior em termos de admissibilidade e ponderação constitucional nada tem a ver com um inusitado pressuposto processual penal de que um determinado meio de prova, desacompanhado de outro, não tem relevância para fundamentar a convicção do Tribunal.
XIV - A afirmação da recorrente de que o seu direito ao silêncio é violado pela utilização das intercepções telefónicas tem subjacente uma deturpação da teleologia do processo penal, quando não uma visão alheia a princípios fundamentais – entre os quais se encontra o da procura da verdade, seguindo pelos caminhos delimitados pelo respeito dos direitos e garantias dos intervenientes processuais, que, diga-se de passagem, não se resumem aos direitos do arguido e que, em última análise, é o direito da própria comunidade à exigência de um processo justo»
AcSTJ de 02-04-2008 Proc. n.º 578/08-3, Relator: Cons. Santos Cabral
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Impedimentos
A questão colocada pelo arguido, relacionada com o facto de, em caso de repetição do julgamento do recurso, se impor a participação no respectivo julgamento de outros juízes que não os subscritores do anterior, tem a sua sede própria de enquadramento no instituto dos impedimentos, recusas e escusas, regulado nos arts. 39.º e ss. do CPP. III - Tendo dois dos juízes subscritores do acórdão ora recorrido participado em acórdãos anteriores proferidos, em recurso, no processo, um como juiz relator, o outro como juiz adjunto, encontravam-se impedidos de intervir no julgamento do recurso, devendo ter declarado esse impedimento nos autos, conforme impõe o n.º 1 do art. 41.º do CPP. IV - Não o tendo feito, e podendo o acto concretamente praticado ser repetido, com utilidade, o mesmo tem de ser considerado nulo, de acordo com o disposto no art. 41.º, n.º 3, do CPP. V - Não se encontrando tal nulidade prevista em qualquer das als. do art. 119.º, nem a sua insanabilidade cominada em qualquer outra disposição legal, maxime no art. 41.º, trata-se de uma nulidade sanável, a arguir no prazo de 10 dias a contar do momento em que o interessado tem conhecimento do impedimento do juiz ou dele devia ter tido conhecimento.
AcSTJ de 02-04-2008 Proc. n.º 208/08-3, Relator: Cons. Oliveira Mendes
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Imputações genéricas e caso julgado
II - A afirmação «12. O arguido ES vinha vendendo heroína a consumidores, e em resultado dessa actividade vinha adquirindo, seja por troca directa, seja por compra com dinheiro obtido na venda de heroína, inúmeras coisas, que lhe foram apreendidas e que se encontram examinadas a folhas 142 a 145, para onde se remete, e de que destacam objectos de ouro, telemóveis, relógios, câmaras fotográficas e vestuário, além de outras» corresponde não propriamente a um facto, mas antes a uma imputação genérica, com utilização de fórmulas vagas, imprecisas, nebulosas, difusas, obscuras, que é de evitar de todo em sede de fundamentação de facto.
III - Como vem sendo afirmado pela jurisprudência dominante do STJ, as imputações genéricas, designadamente no domínio do tráfico de estupefacientes, sem qualquer especificação das condutas em que se concretizou o aludido comércio e do tempo e lugar em que tal aconteceu, por não serem passíveis de um efectivo contraditório e, portanto, do direito de defesa constitucionalmente consagrado, não podem servir de suporte à qualificação da conduta do agente.
IV - Por isso, será de ter por não escrita aquela imputação genérica (...).
V - Verificando-se que: - nos presentes autos, a única actividade provada do arguido tem a ver com as duas vendas de heroína no dia 10-08-2004 (duas doses, a perfazerem o total de 1,195 g), e no outro processo [em que foi condenado na pena de 4 anos e 3 meses de prisão, por autoria material de crime de tráfico de estupefacientes, por decisão transitada em 29-11-2005] está em causa a posse de 10,022 g de heroína e vendas, por três vezes, do mesmo produto, no dia 13-08-2004; - da vida anterior do recorrente nada se provou, cingindo-se a sua actividade global conhecida aos referidos factos, devendo tais intervenções do recorrente no mercado ser vistas como duas etapas de uma mesma e única actividade, como duas condutas parcelares, actos desdobrados de um mesmo desempenho, entre si conexionados por uma muito estreita proximidade temporal, estando-se perante crime que normalmente é de actuação prolongada no tempo; deve entender-se que a sua condenação pelo episódio do dia 13-08-2004 abarca toda a sua actividade, sob pena de violação do princípio ne bis in idem.
VI - A solução será, assim, por verificação de caso julgado, absolver o recorrente desta segunda condenação.
AcSTJ de 02-04-2008 Proc. n.º 4197/07-3, Relator: Cons. Raul Borges

Recurso directo do colectivo para o Supremo Tribunal de Justiça
I - A redacção impressa na reformulação legal do art. 432.º do CPP pela Lei 48/2007, de 29-08, entrada em vigor em 15-09-2007 [estabelecendo agora aquele preceito que dos acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo apenas é admissível recurso para este STJ, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito, caso tenha sido aplicada pena de prisão superior a 5 anos], suscita questão nova que se prende com a formação da pena conjunta no caso da realização de cúmulo jurídico em que alguma ou algumas das penas parcelares são inferiores a 5 anos de prisão e a pena conjunta resultante do cúmulo é superior a 8 anos de prisão. II - Tal questão tem de ser resolvida com o apelo aos princípios de determinação da pena de concurso e aí deverão distinguir-se dois momentos: o primeiro é o da determinação da pena que concretamente caberia a cada um dos crimes em concurso como se de crimes singulares, objecto de cognições autónomas, se tratasse, seguindo, para tanto, o processo normal de determinação da pena; o segundo momento consiste na definição da pena de concurso que resultará de uma moldura penal proveniente da conjunção das penas parcelares e da determinação da pena dentro dos limites relativos àquela moldura penal, que se efectivará em função das exigências gerais de culpa e de prevenção. Temos, assim, dois momentos possíveis de definição de pena com sujeição a critérios diferentes: a definição das penas parcelares que modelam a moldura penal dentro da qual será aplicada a pena conjunta resultante do cúmulo jurídico e, posteriormente, a definição da pena conjunta dentro dos limites propostos por aquela. III - É, quanto a nós, evidente que as penas parcelares englobadas numa pena conjunta só podem ser objecto de recurso para este STJ desde que superiores a 5 anos de prisão. Por outras palavras, dir-se-á que está, então, em causa a forma como se produziu a pena conjunta de concurso superior a 5 anos de prisão e não qualquer uma das penas parcelares relativamente à qual foi cominada pena inferior àquele limite. Sendo assim, é liminar a conclusão de que o objecto do presente recurso [em processo em que o recorrente foi condenado nas penas parcelares de 6 anos de prisão e de 1 ano e 6 meses de prisão, respectivamente por um crime de tráfico de estupefacientes e por um crime de detenção de arma proibida, e na pena única de 7 anos de prisão), nos termos do normativo citado, se cinge à pena parcelar relativa ao crime de tráfico p. e p. pelo art. 21.º do DL 15/93 e à pena conjunta resultante das penas parcelares determinadas.
AcSTJ de 02-04-2008 Proc. n.º 415/08-3, Relator: Cons. Santos Cabral
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Conjugicídio
I - A doutrina e a maioria da jurisprudência nunca consideraram que a relação conjugal pudesse ser encarada como abrangida pela al. a) do n.º 2 do art. 132.º do CP.
II - A nova formulação deste preceito [ao qual a Lei 59/2007, de 04-09, aditou a circunstância qualificativa que passou a integrar a sua al. b) – praticar o facto contra cônjuge, ex-cônjuge, pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação, ou contra progenitor de descendente comum em 1.º grau] vem consagrar a inserção de forma autónoma do conjugicídio e situações paralelas, para além de outras, o que se justificará atendendo à evolução legislativa, que tem tido em vista o fenómeno da violência doméstica (conjugal), da violência familiar e dos maus tratos familiares (...)
III - Tal agravativa será de ter em conta apenas para o futuro, atento o princípio ínsito no comando constitucional expresso no art. 29.º, n.º 4, da CRP e concretizado nos arts. 1.º, n.º 1, e 2.º, n.º 4, do CP.
AcSTJ de 02-04-2008 Proc. n.º 4730/07-3, Relator: Cons. Raul Borges

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Fixação de jurisprudência

Por acórdão de 19 de Junho de 2008, o Supremo Tribunal de Justiça, julgou verificada a oposição de julgados e mandou prosseguir o recurso extrordinário para fixação de jurisprudência (proc. n.º 1954/08-5), quanto à seguinte questão de direito:

«Qual o prazo de interposição de recurso em processo de contra-ordenação, nos termos do n.º 1 do art. 74.º do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), face à declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do art. 74.º, 1 do Dec. Lei 433/82, de 27/10 (Acórdão n.° 27/2006, de 10/1)?»

Casa da Supplicação

Aplicação da lei tempo - Processo penal - Admissibilidade do recurso - Data relevante
1 – No tratamento das questões de aplicação da lei no tempo das alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto no CPP, na matéria de recorribilidade das decisões, os juízes das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça chegaram a consenso sobre a data relevante para a aplicação na nova redacção dessas disposições e que é, no máximo, a da data da prolação da primeira decisão de fundo proferida no processo.
2 – Esse consenso visou responder aos problemas de entendimento e decisão que se vinham desenhando no seio do Supremo Tribunal de Justiça, face à inexistência de qualquer disposição transitória visando antecipar a resolução antecipada dos problemas de aplicação da lei no tempo que se viessem a colocar, designadamente na fase de recurso e funda-se nos seguintes argumentos.
3 – Para o efeito do disposto no art.º 5.º, n.º 2, al. a), do CPP, os direitos de defesa, para além dos que têm eficácia em todo o decurso do processo (art.º 61.º, n.º 1), são apenas os que se encontram consignados para a fase processual em curso no momento da mudança da lei.
4 – A prolação da decisão final na 1ª instância encerra a fase processual do julgamento (Livro VII) e inicia, consoante o caso, a dos recursos (Livro IX) ou a das execuções (Livro X).
5 – Ao se iniciar a fase dos recursos, o arguido inscreve nas suas prerrogativas de defesa o direito a todos os graus de recurso que a lei processual lhe faculta nesse momento.
6 - A lei processual posterior que retirar o direito a um desses graus de recurso constitui um agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa.
7 - É recorrível para o STJ a decisão proferida pela Relação já depois da entrada em vigor da nova lei de processo que não reconheça esse grau de recurso, se a lei que vigorava ao tempo da decisão da 1ª instância o mandasse admitir.
8 - É aplicável a nova lei processual à recorribilidade de decisão que na 1ª instância já tenha sido proferida depois da entrada em vigor dessa lei, independentemente do momento em que se iniciou o respectivo processo.
9 - A lei que regula a recorribilidade de uma decisão, ainda que esta tenha sido proferida em recurso pela Relação, é a que se encontrava em vigor no momento em que a 1ª instância decidiu, salvo se lei posterior for mais favorável para o arguido.
Decisão Sumária de 19-06-2008, proc. n.º 1664/08-5, Relator: Cons. Simas Santos

sábado, 14 de junho de 2008

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Casa da Supplicação

Declarações do arguido - proibição de prova - valor probatório - nulidade da sentença
I- A prova por declarações de co-arguido, não sendo uma prova proibida no sentido do art. 126.º do CPP, tem um diminuto valor e, por isso, carece de corroboração por outras provas e acarreta para o tribunal um acrescido dever de fundamentação.
II- Tendo o recorrente sustentado perante o Tribunal da Relação que a sua condenação resultara exclusivamente das declarações dos co-arguidos e que, assim, tal prova era insuficiente, não bastava, para manter o juízo de condenação, indicar que a 1ª instância as avaliou de acordo com o princípio da livre convicção, pelo que se entende que aquele tribunal omitiu pronúncia sobre questão de que deveria conhecer e incorreu na nulidade a que se reportam os art.ºs 379.º, n.º 1, al. c) e 425.º, n.º 4, do CPP.
AcSTJ de 12/06/2008,Proc. n.º 1151/08-5, Relator: Cons. Santos Carvalho

quarta-feira, 11 de junho de 2008

TERTÚLIA - República do Direito

MINISTÉRIO PÚBLICO - QUE FUTURO?

com António Cluny

Procurador-Geral Adjunto

Presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público


Livraria Coimbra Editora - Rua Ferreira Borges, Coimbra


Dia 16 de Junho - 2ª feira - 18h

terça-feira, 10 de junho de 2008

Diversos temas na jurisprudência do STJ (selecção de CM)

Habeas corpus
A figura jurídica do habeas corpus, assumiu foros constitucionais, pela primeira vez, na primeira Constituição conhecida, em Inglaterra, a Magna Carta, de João Sem Terra, de 19 de Junho de 1215 (capítulo XXIX), que garantia que nenhum cidadão podia ser preso ou processado “... a não ser em virtude de um julgamento legal por seus pares e na forma da lei do país”. O controle legal da prisão de qualquer cidadão era realizado sumariamente pelo juiz, que, ante os factos apresentados, decidia de forma sumária acerca da legalidade da prisão. O procedimento do habeas corpus, em sua génese, aproximava-se do próprio conceito do devido processo legal (due process of law). A sua utilização só foi restrita ao direito de locomoção dos indivíduos, em 1679, através do Habeas Corpus Act.
Outros autores, porém, consideram que o habeas corpus tem a sua origem no reinado de Carlos II, na Petition of rights, que culminou com o referido Habeas Corpus Act de 1679, embora a configuração plena do habeas corpus não terminasse ainda, pois até então apenas era utilizado quando se tratasse de pessoa acusada de crime, não sendo utilizável em outras hipóteses. Somente em 1816, o novo Habeas Corpus Act inglês ampliou a área de actuação do instituto, com vista à defesa rápida e eficaz da liberdade individual.
O princípio jurídico que fundamenta o habeas corpus já existia no direito romano, no recurso conhecido como interdicto de homine libero exhibendo (recurso de mostrar o homem livre), expresso na fórmula Quem liberum dolo malo retines exhibeas que se aplicava a tudo o que restringisse a liberdade de um homem que a ela tivesse direito, para que se apresentasse de imediato perante o pretor, que decidiria a respeito.
AcSTJ de 12-12-2007 Proc. n.º 4643/07-3, Relator: Cons. Pires da Graça
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Tráfico de estupefacientes
O art. 21.º do DL 15/93 basta-se com a aptidão que os actos revelam para constituir um perigo para determinados bens e valores (a vida, a saúde, a tranquilidade, a coesão interindividual das unidades de organização fundamental da sociedade), considerando integrado o tipo de crime logo que qualquer das condutas descritas se revele, independentemente das consequências que possa determinar ou efectivamente determine: a lei faz recuar a protecção para momentos anteriores, ou seja, para o momento em que o perigo se manifesta.
Por outro lado, tal preceito caracteriza-se por uma estrutura progressiva, pretendendo abarcar a multiplicidade de condutas em que se pode desdobrar a actividade ilícita relacionada com o tráfico de droga. Tal preocupação, de perfil transversal, concretiza-se com a integração vertical vertida em três tipos legais fundamentais que revelam a maior ou menor gravidade desta actividade em relação ao tipo fundamental daquele art. 21.º, ou seja, o art. 24.º no sentido agravativo e o art. 25.º no sentido atenuativo.
Em relação à progressividade de condutas abarcadas no tipo legal fundamental, a opção que a jurisprudência consagrou tem como paradigma a teoria das condutas alternativas, que radica na consideração de que as diversas condutas não são autónomas em si, mas alternativas, de tal maneira que para a subsistência do delito é indiferente que se realize uma ou outra, permanecendo um só delito ainda que se realizem as diversas acções descritas. Efectivamente, neste caso a razão pela qual se castiga por um único delito não radica na existência de um concurso de normas, mas sim na especial estrutura delitiva: as condutas alternativas estão entre si numa relação de progressão criminal, de maneira a que do cultivo de droga se passa à fabricação de produtos estupefacientes que exijam intervenção química, ao transporte e, por último, aos actos de tráfico.
AcSTJ de 05-12-2007 Proc. n.º 3396/07-3, Relator: Cons. Santos Cabral
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Roubo e burla informática
Resultando da matéria de facto assente que os arguidos, através de constrangimento e ameaça com objecto que o ofendido pensou ser uma arma de fogo, lograram retirar a este € 30 e 2 cartões de débito e respectivos códigos, obrigando-o, sob ameaça de morte, a conduzir o seu veículo até, pelo menos, 7 postos Multibanco, mais do que privar da liberdade o ofendido, os arguidos, ao apoderarem-se dos cartões de crédito, agiram na esperança de lograrem obter dinheiro da conta da vítima, levando-a a seguir um percurso, tentando as caixas Multibanco, em obediência àquela resolução criminosa de, pela via da violência, da ameaça e do constrangimento, se apoderarem de dinheiro que lhes não pertencia, pelo que essa privação, grave, de liberdade surge como meio de alcançarem a subtracção e não autonomizada dela, antes com ela se fundindo.
Na situação dos autos, em que se desenvolve uma tentativa infrene de levantamentos nas várias caixas Multibanco, não através de um qualquer processo astucioso, urdido fraudulentamente, propício e causalmente condicionante da utilização dos cartões de débito, mas de uma obtenção forçada junto do seu titular, mediante o uso de ameaça, inserindo-se num projecto de apropriação pela violência, ameaça e constrangimento, criando a susceptibilidade de risco de prejuízo patrimonial, após aquela entrega, não se mostram tipificados os elementos do crime de burla informática.
AcSTJ de 05-12-2007 Proc. n.º 3864/07-3, Relator: Cons. Armindo Monteiro
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Roubo e sequestro
No crime de roubo, o âmbito da limitação à liberdade ambulatória pode trazer problemas de concurso – aparente ou real – entre o sequestro e o roubo.
O STJ, com geral uniformidade, firmou jurisprudência no sentido de que, sempre que a duração da privação de liberdade individual não exceda o que é necessário para a consumação do roubo, é de arredar o concurso real de infracções, reconduzindo a pluralidade à unidade sempre que tal privação se apresente como essencial (crime-meio) para alcance do fim (crime-fim), sendo o sequestro consumido pelo roubo, por via de uma relação de subsidiariedade – cf. Ac. de 16-11-2006, Proc. n.º 2546/06-5, e Comentário Conimbricense do Código Penal, I, págs. 415-416.
Sempre que tal privação se englobe num desígnio de roubo, apresentando-se proporcionada e necessária a limitação, a conduta do agente actualiza somente um crime de roubo.
AcSTJ de 05-12-2007, Proc. n.º 3864/07-3, Relator: Cons. Armindo Monteiro

Omissão de pronúncia – regime da nulidade
A omissão de pronúncia segue o regime das demais nulidades da sentença, devendo ser arguida junto do tribunal que a proferiu, quando ela não admitir recurso ordinário (art. 668.º, n.º 3, do CPC).
AcSTJ de 05-12-2007 Proc. n.º 3868/07-3, Relator: Cons. Maia Costa
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Crime continuado
Quando os factos revelam que a reiteração criminosa resulta antes de uma predisposição do agente para a prática de sucessivos crimes, ou que estes resultam de oportunidades que ele próprio cria, está evidentemente afastada a possibilidade de subsumir os factos ao crime continuado – ainda que demonstrada a repetição do mesmo crime e a utilização de um procedimento idêntico, num quadro temporal bastante circunscrito –, porque se trata então de uma situação de culpa agravada, e não atenuada.
AcSTJ de 05-12-2007 Proc. n.º 3989/07-3, Relator: Cons. Maia Costa
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Armas
O art. 4.º do DL 48/95, de 15/03 [Para efeito do disposto no Código Penal, considera-se arma qualquer instrumento, ainda que de aplicação definida, que seja utilizado como meio de agressão ou que possa ser utilizado para tal fim] mantém actualidade, não obstante a entrada em vigor, em 22-08-2006, da Lei 5/2006, de 23-02, que visa a regulamentação do regime jurídico das armas, definindo o que deve entender-se sobre os 45 (quarenta e cinco) tipos de armas que enumera e a regulamentação da aquisição, detenção, uso e porte das mesmas, mas que não revogou aquela disposição.
AcSTJ de 13-12-2007 Proc. n.º 3210/07-3, Relator: Cons. Raul Borges
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Sujeito passivo do crime de roubo
Sujeito passivo do crime de roubo pode ser não só o proprietário da coisa móvel, mas ainda o seu detentor, a pessoa que tem a guarda do bem, por exemplo o caixa do supermercado, a empregada doméstica, os empregados de um banco, o guarda-nocturno, salientando-se que o detentor tem a ver com a postura daquele que goza de um poder de facto sobre a coisa, podendo alargar-se o conceito de sujeito passivo a todos os que oponham resistência à subtracção do bem, sendo o detentor do bem a vítima da colocação em perigo de vida ou da inflicção de ofensas graves à integridade física (Conceição Ferreira da Cunha, Comentário Conimbricense, tomo II, págs. 163 e 179).
AcSTJ de 13-12-2007 Proc. n.º 3210/07-3, Relator: Cons. Raul Borges
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Prisão superior a 8 anos – cumulo jurídico
Tem vindo a assumir papel relevante na jurisprudência deste STJ a orientação que defende que este posicionamento deve ser objecto de uma limitação: sendo posta em causa a operação de cúmulo jurídico de que emergiu uma pena de prisão superior a 8 anos, e ao menos à sombra de um sempre presente favor recursis, admite-se que o recorrente discuta esse aspecto da causa, até porque estando em causa, então, uma pena de prisão superior a 8 anos, distinta das parcelares que no cúmulo confluem, a situação escaparia ou poderia escapar da previsão da al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP.
Tendo entrado em vigor, no dia 15-09-2007, a Lei 48/2007, que introduziu a denominada Reforma do Processo Penal, através da qual se alterou o teor do referido art. 400.º e se estabeleceu uma nova al. f) – correspondente à anterior al. f) –, em que se dispõe que não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem a decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos, coloca-se uma questão de aplicação da lei no tempo.
No domínio da anterior redacção da referida al. f), e na interpretação mais favorável para os recorrentes, apenas seria admissível recurso da pena conjunta que correspondesse ao concurso de crimes a que fosse aplicável pena de prisão superior a 8 anos. Por seu turno, a actual redacção estabelece à partida uma diferença para definir a admissibilidade de recurso no caso de dupla conforme, que consiste na circunstância de o marco e limite ser a pena efectivamente aplicada e não a pena aplicável. Por outro lado, a admissibilidade do recurso é aferida em relação à pena aplicada, qualquer que seja a sua génese, isto é, independentemente de esta ser uma pena relativa a um crime isolado ou a um concurso de crimes.
Esta última diferença suscita uma questão nova, que se prende com a formação da pena conjunta no caso da realização de cúmulo jurídico em que cada uma das penas parcelares é inferior a 8 anos de prisão e apenas a pena conjunta resultante do cúmulo é superior a 8 anos de prisão: interposto recurso qual o segmento da decisão proferida em relação ao qual o mesmo é admissível?
A questão tem de ser resolvida com o apelo aos princípios de determinação da pena do concurso, e aí, desde logo, deverão distinguir-se dois momentos: o primeiro é o da determinação da pena que concretamente caberia a cada um dos crimes em concurso, como se de crimes singulares, objecto de cognições autónomas, se tratasse, seguindo, para tanto, o processo normal de determinação da pena; o segundo consiste na definição da pena do concurso, que resultará de uma moldura penal proveniente da conjunção das penas parcelares, e da determinação da pena dentro dos limites relativos àquela moldura penal, que se efectivará em função das exigências gerais de culpa e de prevenção.
Temos, assim, distintas fases de definição de pena, com sujeição a critérios diferentes: a definição das penas parcelares que compõem a moldura penal dentro da qual será aplicada a pena conjunta resultante do cúmulo jurídico e, posteriormente, a definição da pena conjunta dentro dos limites propostos por aquela.
É manifesto que as penas parcelares englobadas numa pena conjunta que está sujeita à regra da dupla conforme só podem ser objecto de recurso desde que superiores a 8 anos de prisão.
Por outras palavras, dir-se-á que está, então, em causa a forma como se produziu a pena conjunta de concurso superior a 8 anos de prisão e não qualquer uma das penas parcelares relativamente às quais foi cominada pena inferior àquele limite.
Sendo assim, é liminar a conclusão de que a nova redacção do normativo em causa não importou qualquer alteração em relação à questão da admissibilidade de recurso em apreço, que se mostra limitado à pena única aplicada ao arguido.
AcSTJ de 13-12-2007 Proc. n.º 4283/07-3, Relator: Cons. Santos Cabral
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Tráfico de menor gravidade – infracção única
Não parece curial proceder à unificação de actos que isoladamente configuram um crime de tráfico de estupefacientes, previsto no art. 25.º do referido diploma, adicionando as quantidades transaccionadas sem que nenhum elemento indique que as mesmas integram uma quantidade global alguma vez na posse do agente ou sem que exista elemento que imprima uma ideia de sucessivas reformulações de decisão de cometer o crime de tráfico.
AcSTJ de 19-12-2007 Proc. n.º 4203/07-3, Relator: Cons. Santos Cabral
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Jovem delinquente
Esbatidas a partir de 01-10-1995 as diferenças de campo de aplicação nas duas previsões (art. 4.º do DL 401/82 – «o juiz deve» – e art. 72.º do CP – «o tribunal atenua»), a diferença será marcada pelo facto de, como resulta do art. 4.º daquele diploma, a finalidade ressocializadora se sobrepor aos demais fins das penas, de tal forma que não pode recusar-se a atenuação especial com fundamento na retribuição ou na prevenção geral.
AcSTJ de 23-01-2008, Proc. n.º 4560/07-3, Relator: Cons. Raul Borges
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Recurso para o STJ – prisão superior a 8 anos – cumulo jurídico
Actualmente, após a revisão do CPP operada pela Lei 48/2007, de 29-08, designadamente da al. f) do n.º 1 do art. 400.º, é admissível recurso para o STJ de acórdão da Relação, proferido em recurso, que confirme decisão cumulatória que haja condenado o arguido em pena [única] superior a 8 anos de prisão, ainda que aos crimes parcelarmente considerados seja aplicável pena de prisão inferior a 8 anos, embora, no caso e no que respeita à medida concreta da pena, o recurso fique limitado à pena conjunta resultante do cúmulo.
AcSTJ de 09-01-2008 Proc. n.º 4457/07-3, Relator Cons. Pires da Graça

Julgar...

«Aprendi a aprender e a não julgar os outros antes de tentar percebê-los. O ódio e a inveja, definitivamente, não são ou não deviam ser sentimentos humanos»
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Diz o meu amigo Octávio Ribeiro da Cunha, no Notícias Magazine de 8Jun08

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Ciúme (selecção de CM)

I - O homicídio privilegiado assenta, como acentua Figueiredo Dias (Comentário Conimbricense do Código Penal, vol. I, pág. 47), numa cláusula de exigibilidade diminuída, concretizada em certos “estados de afecto”, vividos pelo agente, que diminuam sensivelmente a sua culpa.
II - Constituem esses elementos privilegiadores a compreensível emoção violenta, a compaixão, o desespero, ou o motivo de relevante valor social ou moral.
III - A compreensível emoção violenta é um estado de afecto provocado por uma situação pela qual o agente não é responsável. Ela é, de certo modo, a resposta a uma provocação e, nessa medida, ela pode diminuir de forma sensível a culpa do agente. Mas terá de ser compreensível, exigência adicional de pendor objectivo não extensível aos outros elementos privilegiadores.
IV - Quanto ao desespero, ele abrangerá os estados de afecto asténicos, como a angústia e a depressão.
V - Resultando da matéria de facto apurada que: - o arguido agrediu mortalmente a vítima, sua mulher, após uma discussão resultante da recusa desta última em manter com ele relações sexuais; - cerca de uma hora após a agressão (após ter lavado e guardado o punhal com que golpeara a vítima), e depois de constatar a morte da mulher, tentou suicidar-se na Ponte 25 de Abril, sendo impedido disso por agentes policiais; - o arguido suspeitava que a mulher tinha um envolvimento amoroso com outro homem, suspeitas que aumentaram, no dia dos factos, com a recepção de mensagens constantes no telemóvel daquela e após ela lhe ter comunicado que tinha intenção de se divorciar, hipótese que era para ele inaceitável; - o arguido amava a mulher e sente muito a sua falta; tais factos afastam decisivamente a possibilidade de integração no elemento “compreensível emoção violenta”, uma vez que o estado de afecto vivido pelo arguido não resultou de uma “provocação” da vítima, já que assim não pode ser considerada a intenção por ela anunciada de se divorciar, por ser um direito seu.
VI - Os factos descritos poderão considerar-se como integrando o elemento “desespero”, pois que configuram um “crime passional”, em que o agente mata o objecto da sua paixão por não poder conservá-lo só para si, quadro típico completado pela tentativa de subsídio subsequente (que, pela leitura da matéria de facto, deve ser entendida como autêntica, não simulada ou encenada).
VII - Contudo, a verificação do elemento privilegiador não basta para privilegiar o crime. «Os estados ou motivos assinalados pela lei não funcionam por si e em si mesmos (hoc sensu, automaticamente), mas só quando conexionados com uma concreta situação de exigibilidade diminuída por eles determinada; neste sentido é expressa a lei ao exigir que o agente actue ‘dominado’ por aqueles estados ou motivos” (cf. Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, vol. I, pág. 48).
VIII - A ponderação da diminuição sensível de culpa, da diminuição da exigibilidade de conduta diferente, é indispensável para subsunção dos factos ao art. 133.º do CP: só se o “estado de afecto” que determina o crime for de molde a atenuar sensivelmente a exigibilidade de conformidade com o direito, mitigando notavelmente a culpa, o homicídio pode ser privilegiado.
IX - Tal ponderação terá de ser realizada à luz do que seria exigível a alguém colocado naquelas circunstâncias concretas; doutra forma, poderia dar-se relevância atenuativa a reacções violentas desproporcionadas e extravagantes, ou a condutas completamente reprováveis, com o álibi de serem desencadeadas por “estados de alma” fortemente emotivos.
X - Não se verifica, in casu, uma situação de exigibilidade diminuída, de diminuição sensível da culpa, pois que ao arguido era exigível comportamento diferente. A reacção violenta do arguido, ainda que eventualmente desencadeada por desespero, não pode receber a cobertura do art. 133.º do CP, porque sobre o arguido recaía o dever de respeitar as decisões da mulher, como pessoa dotada de autonomia plena, e consequentemente tinha o dever de autocontrolar as suas emoções.
XI - A valorização do ciúme ou da desconfiança sobre a fidelidade do cônjuge como elemento mitigador da responsabilidade criminal é absolutamente de rejeitar no ordenamento jurídico de um Estado de direito democrático, assente na dignidade da pessoa humana e no direito de todos ao livre desenvolvimento da sua personalidade. Aliás, nem se provaram quaisquer circunstâncias que tivessem desencadeado, naquela ocasião, uma emoção de súbita violência por parte do arguido, pois nem a intenção do divórcio nem a recusa de relações sexuais eram factos novos (o casal já dormia em quartos separados), nem se provou qual o conteúdo das mensagens recebidas pela vítima no telemóvel.
XII - Sendo elevado o grau de ilicitude, quer pelo resultado, quer pelo modo de execução do crime, e grande a exigência de prevenção geral, conhecida como é a extensão do fenómeno do homicídio conjugal no nosso país, a circunstância de o arguido se mostrar profundamente arrependido não se apresenta como particularmente relevante, não existindo fundamento para a atenuação especial da pena.
AcSTJ de 03-10-2007, Proc. n.º 2791/07-3, Relator: Cons. Maia Costa

quinta-feira, 5 de junho de 2008

C asa da Supplicação

Recurso de matéria de facto - Especificações necessárias - Conclusões da motivação - Convite à correcção
1 – Se nas conclusões da motivação se não especificam os pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados, pois que se dirige genericamente a toda a matéria provada, mesmo a estabelecida com base nos exames e perícias efectuados, e depois a toda a matéria da sua culpabilidade e não indica as provas que, na opinião do recorrente impõem decisão diversa da recorrida, apresentando antes a sua leitura subjectiva de todo o julgamento e que não contém qualquer referência aos suportes técnicos, deve entender-se que não foi cumprido o formalismo dos n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP, por respeitar o recurso a matéria de facto
2 – E se essas especificações não constam do texto da motivação, não deve o recorrente ser convidado a corrigir as conclusões da motivação.
3 – Com efeito, o ónus de formular conclusões da motivação do recurso visa, assim, proporcionar ao tribunal um maior facilidade e rapidez na apreensão dos fundamentos deste. E, para isso, aquelas devem conter um resumo preciso e claro dos fundamentos de facto e de direito da tese ou teses defendidas na motivação, de tal modo que possibilite um apreciação crítica ao tribunal de recurso. Daí que, quando o texto da motivação contenha fundamentos que não reaparecem nas conclusões, seja compreensível que se admita a correcção: a impugnação assentou também naqueles fundamentos que não aparecem, ou só aprecem incorrectamente retomados nas conclusões, que importa corrigir.
4 – Mas se no texto que fixa os fundamentos da impugnação não contem algum dos que depois aparecem nas conclusões, também é compreensível que se não admita a correcção do texto da motivação. É que então a impugnação não assentou naquelas razões do pedido que só aparecem nas conclusões.
5 – Quando as conclusões (algumas das conclusões) não encontram correspondência no texto da motivação, está-se perante a insuficiência da motivação que deve ser tratada, no respectivo âmbito, como falta de motivação.
6 – A recente Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, veio, aliás, consagrar esta posição na nova redacção dada ao art. 417.º do CPP. Estabelece no seu n.º 3 que, se a motivação do recurso não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos n.ºs 2 a 5 do art. 412.º, o relator convida o recorrente a apresentar, completar ou esclarecer as conclusões formuladas, no prazo de 10 dias, sob pena de o recurso ser rejeitado ou não ser conhecido na parte afectada. Mas logo esclarece, no n.º 4, que tal aperfeiçoamento não permite modificar o âmbito do recurso que tiver sido fixado na motivação. Ou seja, que o texto da motivação constitui o limite da correcção possível das conclusões.
AcSTJ de 05.06.2008, proc. n.º 1884/08-5, Relator: Cons. Simas Santos
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Aplicação da lei no tempo - aplicação da lei processual penal no tempo - direito ao recurso - recurso penal - admissibilidade de recurso - esgotamento dos recursos -prazo de interposição de recurso
I- A lei que regula a recorribilidade de uma decisão, ainda que esta tenha sido proferida em recurso pela Relação, é a que se encontrava em vigor no momento em que a 1ª instância decidiu, salvo se lei posterior for mais favorável para o arguido
II- Importa distinguir, para efeitos de aplicação da lei no tempo, entre regras que fixam as condições de admissibilidade do recurso e as que se limitam a regular as formalidades de preparação, instrução e julgamento do recurso, estas, sem margem para dúvidas, de imediata aplicação (cf. Alberto dos Reis, RLJ, Ano 86.º, págs. 49-53 e 84-87).
III- Assim, embora se aplique à admissibilidade de todos os recursos as normas do CPP na sua versão original, por ser a vigente na altura em que foi proferida a decisão da 1ª instância e a que melhor protege o direito ao recurso, o prazo de interposição de tais recursos é de 20 dias, por aplicação do art.º 411.º, n.º 1, do CPP na sua versão actual, por ser a que já vigorava quando foi proferida a decisão recorrida “stricto sensu” (aplicação imediata da lei processual).
AcSTJ de 05/06/2008, Proc. 1151/08-5, Relator: Cons. Santos Carvalho

"Bando" e "prova do crime"

Dois acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça (selecção de CM), sobre dois temas interessantes:
A noção de bando e a prova indirecta do facto criminoso
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I - O bando introduz uma perigosidade acrescida tanto na execução do furto como no seu resultado; tal qualificativa (prevista na al. f) do n.º 2 do art. 204.º), como as demais, à excepção do valor, é de funcionamento ipso facto, como presunção de que, in casu, se verifica uma exasperação especial da ilicitude ou da culpa; se, porém, se demonstrar o contrário, as qualificativas serão afastadas, em termos tais que o funcionamento é automático – entendimento sustentado por Lopes Rocha (Jornadas de Direito Criminal, CEJ, págs. 375-376), Maia Gonçalves (Comentário ao CP) e Figueiredo Dias (2.ª Sessão da CRCP, em 14-05-1990), para quem «com a introdução de dois escalões – com o que se erigiu um novo sistema – será muito difícil fugir ao funcionamento automático das circunstâncias.»
II - O bando é um grupo social ou institucionalizado com relativa autonomia sociológica e psicológica que, dadas as suas características, pode desaguar na criminalidade incontrolada, pela mobilidade que lhe é própria (Ac. deste STJ de 07-03-1997, Proc. n.º 10/97).
III - A situação do bando visa abarcar aquelas situações de pluralidade de agentes – dois apenas, segundo alguns autores, necessariamente mais do que dois, segundo outros – actuando de uma forma voluntária e concertada, com uma incipiente estruturação de funções que, embora mais graves do que a co-autoria e menos do que a associação criminosa, por nelas inexistir uma organização estruturada, sem níveis de hierarquias de comando, de divisão de tarefas ou estruturação de funções; o bando é um grupo inorgânico destinado à prática reiterada de delitos – Ac. deste STJ de 01-10-1997, Proc. n.º 627/97 - 3.ª.
IV - O bando, situa-se, de acordo com as melhores regras interpretativas, a meio caminho entre a co-autoria e associação, recuperando o Ac. deste STJ de 05.02.2003, Proc. n.º 280/02 - 5.ª, a definição de bando encetada no Ac. de 24-02-1999, Rec. n.º 1136/99 - 3.ª, aferida com maior precisão no Ac. de 04-06-2002, Proc. n.º 1218 /02 - 3.ª, reeditada no Ac. da 5.ª secção deste STJ prolatado no Proc. n.º 280 em 05-02-2003, mas dentro da fidelidade ao esquema de que o bando é um minus, integrante do tipo, relativamente à associação, um grupo desarticulado, em que os seus membros gozam de relativa autonomia, mas visando a prática de crimes em comum, sem líder, distribuição de tarefas e especialização.
V - O furto cometido por membro de bando destinado à prática de crimes contra o património, com a colaboração de, pelo menos, outro membro, expõe o agente à pena de 2 a 8 anos de prisão. Bastará qualquer forma de participação, mas uma acção isolada de um dos membros do bando não é suficiente, como se disse, para a qualificação.
AcSTJ de 12-09-2007 Proc. n.º 2605/07 - 3.ª Secção: Relator. Cons. Armindo Monteiro
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I - A prova do facto criminoso nem sempre é directa, de percepção imediata; muitas vezes é necessário fazer uso dos indícios.
II - “Quem comete um crime busca intencionalmente o segredo da sua actuação pelo que, evidentemente, é frequente a ausência de provas directas. Exigir a todo o custo, a existência destas provas implicaria o fracasso do processo penal ou, para evitar tal situação, haveria de forçar-se a confissão o que, como é sabido, constitui a característica mais notória do sistema de prova taxada e o seu máximo expoente: a tortura” (J. M. Asencio Melado, Presunción de Inocência y Prueba Indiciária, 1992, citado por Euclides Dâmaso Simões, in Prova Indiciária, Revista Julgar, n.º 2, 2007, pág. 205).
III - Indícios são as circunstâncias conhecidas e provadas a partir das quais, mediante um raciocínio lógico, pelo método indutivo, se obtém a conclusão, firme, segura e sólida de outro facto; a indução parte do particular para o geral e, apesar de ser prova indirecta, tem a mesma força que a testemunhal, a documental ou outra.
IV - A prova indiciária é suficiente para determinar a participação no facto punível se da sentença constarem os factos-base (requisito de ordem formal) e se os indícios estiverem completamente demonstrados por prova directa (requisito de ordem material), os quais devem ser de natureza inequivocamente acusatória, plurais, contemporâneos do facto a provar e, sendo vários, estar interrelacionados de modo a que reforcem o juízo de inferência.
V - O juízo de inferência deve ser razoável, não arbitrário, absurdo ou infundado, e respeitar a lógica da experiência e da vida; dos factos-base há-de derivar o elemento que se pretende provar, existindo entre ambos um nexo preciso, directo, segundo as regras da experiência.12-AcSTJ de 09-2007 Proc. n.º 4588/07 - 3.ª Secção, Relator: Cons. Armindo Monteiro