Recurso de matéria de facto - Poderes de cognição do STJ - Conclusões da matéria de facto - Direito do arguido ao silêncio - Indemnização civil - insuficiência da motivação - Rejeição parcial do recurso
1 – Resulta da Revisão de 1998 do CPP, que o Supremo Tribunal de Justiça foi restituído à sua qualidade de Tribunal de revista que conhece exclusivamente da matéria de direito, com a excepção dos recursos trazidos de decisões finais do tribunal de júri e das decisões em que as Relações funcionam como tribunais de 1.ª Instância.
2 – Nos restantes casos, o Supremo Tribunal de Justiça não conhece da questão de facto que lhe seja colocada pelos recorrentes, o que não o impede de oficiosamente declarar, se for o caso, a existência de qualquer dos vícios do n.º 2 do art. 410.º do CPP, que impossibilitam a definição da aplicação do direito, por insuficiente ou inadequada matéria de facto.
3 – As conclusões ou ilações que as instâncias extraem da matéria de facto são elas mesmo matéria de facto que escapam à censura do Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista, salvo se em vez de desenvolverem a matéria de facto a alteram, o que não vem sequer invocado.
4 – O sistema probatório alicerça-se em grande parte no raciocínio indutivo de um facto desconhecido para um facto conhecido; toda a prova indirecta se faz valer através desta espécie de presunções. O recurso às presunções naturais não viola o princípio in dubio pro reo, pois elas cedem perante a simples dúvida sobre a sua exactidão no caso concreto, pelo que aquele princípio constitui o limite àquele recurso.
5 – É ao recorrente que compete apresentar as razões da sua discordância com a qualificação jurídica dos factos, não cabendo ao Tribunal ad quem substituir-se ao recorrente na procura de eventuais razões de discordância.
6 – Mesmo quando o recorrente não ponha operativamente em causa a incriminação definida pelas instâncias, não pode nem deve o STJ – enquanto tribunal de revista e órgão, por excelência e natureza, mentor de direito – dispensar-se de reexaminar a correcção das subsunções, pois constitui núcleo essencial da função de julgar, o enquadramento jurídico dos factos apurados, a determinação do direito, pelo que não está limitada por errado enquadramento que haja sido feito pelos interessados ou pelas partes.
7 – Se o arguido agiu animado por um sentimento de raiva, porque estava convencido que este tinha um envolvimento amoroso com a sua anterior namorada, não agiu por motivo fútil. Se é certo que o propalado “ciúme” não surge como um motivo nobre e socialmente aceite como desculpabilizante de um crime contra o sujeito que se deseja ou sobre o rival, o estado de raiva em que colocou o recorrente e em que este agiu, afasta o motivo fútil, que é o “motivo sem motivo”, a sem razão que permita compreender psicologicamente a acção.
8 – A circunstância de o arguido em julgamento se haver remetido ao silêncio não pode ser valorada em seu desfavor, na certeza de que o fez no exercício de um direito – art. 343.º, n.º 1, do CPP, mas, como vem alertando o Supremo Tribunal de Justiça, a opção pelo silêncio pode ter consequências, que não passam pela sua valorização indevida. O mesmo já fez também o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, tendo presente o art. 6.º da CEDH e a propósito do silêncio do arguido e das presunções judiciais.
9 – Num crime de homicídio simples, mostra-se adequada a pena de 14 anos de prisão, quando:
– o arguido tinha apenas 20 anos de idade à data dos factos, e estava social e familiarmente inserido (vive com a mãe), apesar da instabilidade afectiva decorrente da recente separação da sua companheira e mãe do filho de ambos (separação que esteve na origem dos factos ilícitos cometidos), com emprego, (trabalhava como caixa de um parque de estacionamento, auferindo cerca de 600/700 € mensais), tem o 8º ano de escolaridade, não regista antecedentes criminais, sempre considerado pelos amigos e tido como uma pessoa pacífica, não lhe sendo conhecidos hábitos de violência;
– é elevada a ilicitude, em especial por causa do modo de execução (de que se destacam as 26 facadas desferidas sobre a vítima, várias delas na cabeça), sendo a vítima amigo de infância do arguido.
10 – Se nas conclusões e texto da motivação o recorrente se limita a pedir a diminuição do montante da indemnização sem indicar qualquer razões, nem particularizar sequer a que parte da indemnização se refere, não deve ser convidado a corrigir as conclusões e o recurso deve, nessa parte, ser rejeitado por insuficiência de motivação.
Supremo Tribunal de Justiça
AcSTJ de 15.02.2007, Proc. n.º 15/07-5, Relator: Cons. Simas Santos
1 – Resulta da Revisão de 1998 do CPP, que o Supremo Tribunal de Justiça foi restituído à sua qualidade de Tribunal de revista que conhece exclusivamente da matéria de direito, com a excepção dos recursos trazidos de decisões finais do tribunal de júri e das decisões em que as Relações funcionam como tribunais de 1.ª Instância.
2 – Nos restantes casos, o Supremo Tribunal de Justiça não conhece da questão de facto que lhe seja colocada pelos recorrentes, o que não o impede de oficiosamente declarar, se for o caso, a existência de qualquer dos vícios do n.º 2 do art. 410.º do CPP, que impossibilitam a definição da aplicação do direito, por insuficiente ou inadequada matéria de facto.
3 – As conclusões ou ilações que as instâncias extraem da matéria de facto são elas mesmo matéria de facto que escapam à censura do Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista, salvo se em vez de desenvolverem a matéria de facto a alteram, o que não vem sequer invocado.
4 – O sistema probatório alicerça-se em grande parte no raciocínio indutivo de um facto desconhecido para um facto conhecido; toda a prova indirecta se faz valer através desta espécie de presunções. O recurso às presunções naturais não viola o princípio in dubio pro reo, pois elas cedem perante a simples dúvida sobre a sua exactidão no caso concreto, pelo que aquele princípio constitui o limite àquele recurso.
5 – É ao recorrente que compete apresentar as razões da sua discordância com a qualificação jurídica dos factos, não cabendo ao Tribunal ad quem substituir-se ao recorrente na procura de eventuais razões de discordância.
6 – Mesmo quando o recorrente não ponha operativamente em causa a incriminação definida pelas instâncias, não pode nem deve o STJ – enquanto tribunal de revista e órgão, por excelência e natureza, mentor de direito – dispensar-se de reexaminar a correcção das subsunções, pois constitui núcleo essencial da função de julgar, o enquadramento jurídico dos factos apurados, a determinação do direito, pelo que não está limitada por errado enquadramento que haja sido feito pelos interessados ou pelas partes.
7 – Se o arguido agiu animado por um sentimento de raiva, porque estava convencido que este tinha um envolvimento amoroso com a sua anterior namorada, não agiu por motivo fútil. Se é certo que o propalado “ciúme” não surge como um motivo nobre e socialmente aceite como desculpabilizante de um crime contra o sujeito que se deseja ou sobre o rival, o estado de raiva em que colocou o recorrente e em que este agiu, afasta o motivo fútil, que é o “motivo sem motivo”, a sem razão que permita compreender psicologicamente a acção.
8 – A circunstância de o arguido em julgamento se haver remetido ao silêncio não pode ser valorada em seu desfavor, na certeza de que o fez no exercício de um direito – art. 343.º, n.º 1, do CPP, mas, como vem alertando o Supremo Tribunal de Justiça, a opção pelo silêncio pode ter consequências, que não passam pela sua valorização indevida. O mesmo já fez também o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, tendo presente o art. 6.º da CEDH e a propósito do silêncio do arguido e das presunções judiciais.
9 – Num crime de homicídio simples, mostra-se adequada a pena de 14 anos de prisão, quando:
– o arguido tinha apenas 20 anos de idade à data dos factos, e estava social e familiarmente inserido (vive com a mãe), apesar da instabilidade afectiva decorrente da recente separação da sua companheira e mãe do filho de ambos (separação que esteve na origem dos factos ilícitos cometidos), com emprego, (trabalhava como caixa de um parque de estacionamento, auferindo cerca de 600/700 € mensais), tem o 8º ano de escolaridade, não regista antecedentes criminais, sempre considerado pelos amigos e tido como uma pessoa pacífica, não lhe sendo conhecidos hábitos de violência;
– é elevada a ilicitude, em especial por causa do modo de execução (de que se destacam as 26 facadas desferidas sobre a vítima, várias delas na cabeça), sendo a vítima amigo de infância do arguido.
10 – Se nas conclusões e texto da motivação o recorrente se limita a pedir a diminuição do montante da indemnização sem indicar qualquer razões, nem particularizar sequer a que parte da indemnização se refere, não deve ser convidado a corrigir as conclusões e o recurso deve, nessa parte, ser rejeitado por insuficiência de motivação.
Supremo Tribunal de Justiça
AcSTJ de 15.02.2007, Proc. n.º 15/07-5, Relator: Cons. Simas Santos
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Homicídio simples - Medida da pena - Proporcionalidade - arrependimento
1 – Se o recorrente se limita a impugnar a pena concreta, embora defenda a aplicação de uma pena inferior ao limite mínimo da respectiva moldura sem suscitar qualquer questão cuja solução fosse susceptível de diminuir esse limite mínimo, esse pedido de fixação da pena concreta apresenta-se como completamente destituído de fundamento, nos termos da própria motivação, não competindo ao Supremo Tribunal de Justiça a tarefa de se substituir ao recorrente na fundamentação do seu recurso.
2 – O princípio da proporcionalidade do art. 18.º da Constituição refere-se à fixação de penalidades e à sua duração em abstracto (moldura penal), prendendo-se a sua fixação em concreto com os princípios da igualdade e da justiça. Tratando-se de um crime de homicídio simples (morte de outra pessoa) cometido numa república baseada na dignidade da pessoa humana (art. 1.º da CRP) a moldura penal de 8 a 16 anos não pode sofrer, pela sua duração relacionada com o bem jurídico protegido (a vida humana), qualquer contestação quanto à proporcionalidade.
3 – O arrependimento é um comportamento posterior atendível na dosimetria penal, pois releva quanto à personalidade do agente, mas não diminui em nada a sua culpa.
3 – Numa primeira operação de determinação da medida da pena: a moldura penal abstracta e, numa segunda operação, é dentro dessa moldura penal, que funcionam todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor ou contra o agente, designadamente:
– O grau de ilicitude do facto (o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente);
– A intensidade do dolo ou negligência;
– Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
– As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
– A conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
– A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
4 – A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada (a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor – a medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade) e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade) assim se desenhando uma sub-moldura.
5 – Mostra-se justa e adequada a pena de 9 anos e 6 meses de prisão pela prática de um crime de homicídio voluntário simples:
— se o agente tomou a resolução de matar o ofendido por este ter puxado de arma de fogo contra si, incidente que ficou então resolvido;
— e foi logo buscar uma espingarda e procurar a vítima e aproximar-se dele, e ao vê-la de costas para si, distraído, sem dizer palavra, a uma distância de cerca de 10 mt, apontou a espingarda e disparou por duas vezes na direcção do tronco, primeiro, e depois em direcção ao crânio;
– mas confessou parcialmente e está arrependido, tendo vindo a contribuir com 200 € para sustento dos filhos da vítima.
AcSTJ de 15.02.2007, Proc. n.º 3/07-5, Relator: Cons. Simas Santos
1 – Se o recorrente se limita a impugnar a pena concreta, embora defenda a aplicação de uma pena inferior ao limite mínimo da respectiva moldura sem suscitar qualquer questão cuja solução fosse susceptível de diminuir esse limite mínimo, esse pedido de fixação da pena concreta apresenta-se como completamente destituído de fundamento, nos termos da própria motivação, não competindo ao Supremo Tribunal de Justiça a tarefa de se substituir ao recorrente na fundamentação do seu recurso.
2 – O princípio da proporcionalidade do art. 18.º da Constituição refere-se à fixação de penalidades e à sua duração em abstracto (moldura penal), prendendo-se a sua fixação em concreto com os princípios da igualdade e da justiça. Tratando-se de um crime de homicídio simples (morte de outra pessoa) cometido numa república baseada na dignidade da pessoa humana (art. 1.º da CRP) a moldura penal de 8 a 16 anos não pode sofrer, pela sua duração relacionada com o bem jurídico protegido (a vida humana), qualquer contestação quanto à proporcionalidade.
3 – O arrependimento é um comportamento posterior atendível na dosimetria penal, pois releva quanto à personalidade do agente, mas não diminui em nada a sua culpa.
3 – Numa primeira operação de determinação da medida da pena: a moldura penal abstracta e, numa segunda operação, é dentro dessa moldura penal, que funcionam todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor ou contra o agente, designadamente:
– O grau de ilicitude do facto (o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente);
– A intensidade do dolo ou negligência;
– Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
– As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
– A conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
– A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
4 – A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada (a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor – a medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade) e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade) assim se desenhando uma sub-moldura.
5 – Mostra-se justa e adequada a pena de 9 anos e 6 meses de prisão pela prática de um crime de homicídio voluntário simples:
— se o agente tomou a resolução de matar o ofendido por este ter puxado de arma de fogo contra si, incidente que ficou então resolvido;
— e foi logo buscar uma espingarda e procurar a vítima e aproximar-se dele, e ao vê-la de costas para si, distraído, sem dizer palavra, a uma distância de cerca de 10 mt, apontou a espingarda e disparou por duas vezes na direcção do tronco, primeiro, e depois em direcção ao crânio;
– mas confessou parcialmente e está arrependido, tendo vindo a contribuir com 200 € para sustento dos filhos da vítima.
AcSTJ de 15.02.2007, Proc. n.º 3/07-5, Relator: Cons. Simas Santos
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