quinta-feira, 14 de julho de 2005

Magistratura: Itália e Portugal

"Em Portugal nada de semelhante ao que ocorre em Itália se poderia passar!Entre nós governa um partido de esquerda, que, por o ser, nunca pensaria emvingar-se das magistraturas por causa de concretos processos que tivessem afligido militantes seus...
No próximo dia 14, a magistratura italiana fará, pela quarta vez na suahistória, uma greve. Trata-se de um movimento cívico de protesto contra achamada "lei Castelli", que o Presidente da República, Ciampi, se havia járecusado a promulgar e que Leandro Despouy, o relator especial da NaçõesUnidas da Comissão dos Direitos Humanos sobre a Independência dos Juízes eAdvogados havia, recentemente, considerado "uma limitação inquietante dagarantia da independência que desde há um decénio caracteriza o sistemajudicial italiano, confere à Itália um prestígio moral invejável econstitui um modelo para os outros países".O Presidente Ciampi considerou, quando decidiu não promulgar a lei, que a dita reforma subtrairia as prerrogativas constitucionais do Conselho Superior daMagistratura na gestão da carreira do magistrados, implicaria uma separaçãoradical entre juízes e procuradores, produziria uma hierarquizaçãoinsuportável do Ministério Público e não responderia, de facto, a nenhumadas reivindicações e preocupações dos cidadãos quanto à eficácia egarantias do sistema de justiça.
Claro que tudo isto se passa na Itália deBerlusconi, que diz querer, deste modo, legitimar a magistratura, mas quemuitos alegam pretender, afinal, simplesmente, vingar-se dos seus juízes,devido aos processos de que foi e é alvo.2. Em Portugal, nada de semelhante se poderia passar!Em primeiro lugar, porque entre nós governa um partido de esquerda, que, por oser, nunca pensaria em vingar-se das magistraturas em geral, por causa deconcretos processos que tivessem afligido militantes seus.
Em segundo lugar, porque a "inteligência", as "elites intelectuais"portuguesas, que muito têm pensado sobre estes assuntos, não deixariam.
Lembremo-nos de artigos recentes e eloquentes intervenções públicas dealguns deles sobre a matéria. Um professor de Direito Constitucional que jáantes do 25 de Abril não gostava de greves dos alunos e que agora,coerentemente, continua a não gostar que os mesmos ex-alunos façam greve porserem magistrados; embora se esqueça de referir a jurisprudência do TribunalConstitucional - o único tribunal maioritariamente não composto por juízesde carreira - que legitimou essa prática.
Um "educador da classe operária"que foi (é?) advogado de uma multinacional do petróleo e que também nãogosta de greves dos magistrados, porque põem em causa os órgãos de soberania- "do Estado burguês", supõe-se! Um sociólogo que, depois da crítica aojornalismo português pela forma como, sem pesquisar os factos, noticiou um"arrastão" - que afinal não existiu - afirma, sem hesitação, que o poder político só nomeia, como representantes para o Conselho Superior da Magistratura, outros magistrados de carreira, facto tão evidentemente verdadeiro como o referido "arrastão".
Em terceiro lugar, porque vivemos num país onde a cultura cívica e democrática é exemplar e tanto bastaria para proteger a magistratura.
Recordemos, a propósito, as sondagens que atribuem folgadas vantagens a candidatos às autárquicas que foram e são alvo de processos-crime relacionados com o exercício dessa função. Daí que alguns dos referidos intelectuais tenham, até, assisadamente, aventado que era preciso "legitimar"os magistrados pela via eleitoral, no pressuposto, absolutamente comprovado, de que a legitimação maioritária pode tornar verdadeiro um facto falso ou justa uma sentença iníqua.Por isso, estou certo, em Portugal nada se passará como em Itália.
Podemos,assim, justamente, prestar a nossa desinteressada e indignada solidariedade aos juízes italianos, alvos de métodos nunca vistos nem experimentados no nosso democrático país."
António Cluny, Presidente do Sindicato dos Magistrados do MinistérioPúblico, Público 13JUL2005

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