Prestação de trabalho a favor da comunidade — pressupostos
A pena de prestação de trabalho a favor da comunidade só pode ter lugar nos casos previstos no n.º 1 do artigo 58.º do Código Penal, ou seja, «se ao agente dever ser aplicada pena de prisão em medida não superior a 1 ano», e ainda assim, de forma não automática, pois cumulativamente, exige a lei que seja de «concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».
Ac. de 12.07.2005 do STJ, proc. n.º 2520/05-5, Relator: Cons. Pereira Madeira
Cúmulo jurídico — pena unitária — princípio da acumulação — princípio da exasperação — limite mínimo da moldura penal
1 - Se o recorrente impugna a pena unitária não faz sentido que invoque somente como mal interpretada a norma do art. 71.º do C. Penal, quando é certo que o normativo especialmente vocacionado para a determinação da pena unitária em caso de concurso de crimes é antes a do art. 77.º do mesmo diploma legal.
2 - A soma das penas parcelares que integram o concurso, atento o princípio de cumulação a fonte essencial de inspiração do cúmulo jurídico, em que são determinadas as penas concretas aplicáveis a cada um dos crimes singulares é o limite máximo da moldura penal do concurso, dentro do qual é encontrada a pena unitária, tendo em atenção os factos e a personalidade do agente. Mas não se pode esquecer que o nosso sistema é um sistema de pena unitária em que o limite mínimo da moldura atendível é constituído pela mais grave das penas parcelares (numa concessão minimalista ao princípio da exasperação ou agravação - a punição do concurso correrá em função da moldura penal prevista para o crime mais grave, mas devendo a pena concreta ser agravada por força da pluralidade de crimes, sem que possa ultrapassar a soma das penas concretamente que seriam de aplicar aos crimes singulares), sendo, pois, de toda a relevância a consideração do quantum do limite mínimo a considerar.
Ac. de 12.07.2005 do STJ, proc. n.º 2521/05-5, Relator Cons. Simas Santos
Assistente — Estatuto — Constituição como assistente — Falsidade de depoimento
1 – No nosso ordenamento, o exercício da acção penal foi confiado a um órgão de Estado - ao Ministério Público, pela forma especificada nos referidos dispositivos do Código de Processo Penal, de acordo com a concepção de que o jus puniendi e o correlativo jus procedendi são de interesse eminentemente público.
2 – Mas não se esqueceu que para a protecção da vítima deve conferir-se-lhe voz autónoma nível do processo penal de forma a permitir-lhe uma acção conformadora do sentido da decisão final: o assistente.
3 – Do estatuto de assistente destacam-se, pois, a sua qualificação como sujeito processual, mesmo quando se trate de processos por crimes públicos e os poderes processuais alargados que lhe são conferidos, nomeadamente o direito de recurso relativamente a todos os tipos de crimes.
4 -– Podem constituir-se assistentes:
– as pessoas e entidades a quem leis especiais conferirem esse direito;
– qualquer pessoa em determinados crimes expressamente indicados;
– as pessoas de cuja queixa ou acusação particular depender o procedimento;
– os representantes do ofendido falecido, não renunciante, incapaz ou menor de 16 anos; e
– os ofendidos, maiores de 16 anos, considerando-se como tais os titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação.
5 – Os titulares dos interesses que a lei penal tem especialmente por fim proteger quando previu e puniu a infracção e que esta ofendeu ou pôs em perigo, são as partes particularmente ofendidas, ou directamente ofendidas e que, por isso, se podem constituir acusadores.
6 – O vocábulo "especialmente" usado pela Lei, significa, pois, de modo especial, num sentido de "particular" e não "exclusivo", adoptando aquela o conceito estrito, imediato ou típico de ofendido.
7 – A legitimidade do ofendido deve ser aferida em relação ao crime específico que estiver em causa, designadamente em caso de concurso de infracções, em que se pode ser ofendido por um só dos crimes, devendo atender-se ao Código Penal, à sistemática da sua Parte Especial, e, em especial, interpretar o tipo incriminador em causa em ordem a determinar caso a caso se há uma pessoa concreta cujos interesses são protegidos com essa incriminação e não confundir essa indagação com a constatação da natureza pública ou não pública do crime.
8 – Só caso a caso, e perante o tipo incriminador, se poderá afirmar, em última análise, se é admissível a constituição de assistente. E esta análise do tipo legal interessado deve ter presente que a circunstância de ser aí protegido um interesse de ordem pública não afasta, sem mais, a possibilidade de, ao mesmo tempo, ser também imediatamente protegido um interesse susceptível de ser corporizado num concreto portador, assim se afirmando a legitimidade material do ofendido para se constituir assistente, pois os preceitos penais podem reconduzir-se à protecção de um ou vários bens jurídicos.
9 – O crime de falsidade de depoimento é um crime contra a realização da justiça, de actividade, mas em que o prejuízo de terceiro condiciona a moldura penal abstracta e a possibilidade de dispensa de pena, através da retratação.
14 – Assim, se num caso concreto, o agente com a falsidade de depoimento causar prejuízo aos interesses particulares de determinada pessoa, esta poderá constituir-se assistente.
Ac. de 12.07.2005 do STTJ, proc. n.º 2535/05-5, Relator: Cons. Simas Santos
Fundamentação — nulidade — apreciação crítica das provas — vícios da matéria de facto — poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça — homicídio qualificado — co-autoria — in dúbio pró reo — frieza de ânimo — meio insidioso — medida da pena
1 - Se o recorrente invoca a questão da nulidade da decisão por falta de fundamentação suficiente, mas se dispensa em absoluto de demonstrar essa afirmação, não pode desencadear a pretendida crítica pelo Supremo Tribunal de Justiça que não tem que (nem pode) desencadear uma qualquer expedição tendente a testar todas as modalidades possíveis de incumprimento daquele dever de fundamentação.
2 – Teve lugar a apreciação crítica das provas se é imediatamente compreensível o modo e razões pelas quais se formou a convicção do Tribunal no sentido enunciado na sentença condenatória: depoimentos simples, claros, não contraditórios ou obscuros, isentos e credíveis, dos dois ofendidos que sobreviveram (que presenciaram e sofreram os actos praticados pelo arguido e seus comparsas) do inspector da Polícia Judiciária, que investigou os factos e relatou o significado coerente dos indícios e vestígios que, “in loco”, dos mesmos encontrou, dos documentos, autos de apreensão e exame constantes dos autos, que forma especificados.
3 – Com efeito, o dever constitucional de fundamentação da sentença basta-se com a exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, bem como o exame crítico das provas que serviram para fundar a decisão e o exame crítico da prova, exige, como o fez o tribunal colectivo, a indicação dos meios de prova que serviram para formar a sua convicção, mas, também, os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse em determinado sentido, ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência.
3 - Tem decidido o Supremo Tribunal de Justiça, a uma só voz, que para conhecer de recurso interposto de um acórdão final do tribunal colectivo relativo a matéria de facto, mesmo que se invoque qualquer dos vícios previstos no art. 410.º do CPP, é competente o tribunal de Relação. Nos recursos interpostos da 1.ª Instância ou da Relação, o Supremo Tribunal de Justiça só conhece dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, por sua própria iniciativa e, nunca, a pedido do recorrente, que, para tal, terá sempre de dirigir-se à Relação, como fez o recorrente neste caso.
4 – O princípio in dubio pro reo, não significa dar relevância às dúvidas que as partes encontram na decisão ou na sua interpretação da factualidade descrita e revelada nos autos. É, antes, uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Mas daqui não resulta que, tendo havido versões díspares e até contraditórias sobre factos relevantes, o arguido deva ser absolvido m obediência a tal princípio. A violação deste princípio pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, só podendo ser afirmada, quando, do texto da decisão recorrida, decorrer, por forma evidente, que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido.
5 – Saber se o tribunal deveria ter ficado em estado de dúvida, é uma questão de facto que exorbita o poder de cognição do Supremo Tribunal de Justiça enquanto tribunal de revista.
6 – Estando assente que o arguido agiu previamente combinado e em conjugação de esforços com, pelo menos, mais dois indivíduos, um deles munido de arma, e que, tal como o recorrente, disparou vários tiros sobre os ofendidos e o veículo em que se transportavam, irmanado com eles em espírito e vontade comum e colectiva, com intenção de tirar a vida a um indivíduo, o que foi conseguido, e a outros dois, o que não foi logrado concretizar, dada a fuga que com êxito concretizaram, deve concluir-se que ele agiu em co-autoria com, pelo menos, mais dois outros indivíduos.
7 - Na verdade, são autores do crime aqueles que tomam parte directa, na execução do crime, não sendo necessário que cada um dos agentes cometa integralmente o facto punível, que execute todos os factos correspondentes ao preceito incriminador; aquele que, mediante acordo prévio com outros agentes, pratica acto de execução destinado a executá-la é co-autor material dessa mesma infracção, não sendo necessário que tome parte na execução de todos esses actos, desde que seja incriminada a actuação total dos agentes.
8 - Se as vítimas foram atraídas a um local ermo, sem que nada as levasse a desconfiar das intenções do recorrente, e, aí surpreendidas, ainda dentro do veículo, por disparos de armas de fogo, na sua direcção, o que impossibilitou a defesa da vítima mortal e a dificultou aos sobreviventes, tendo os crimes sido preparados pelo arguido com alguma antecedência, este manifestou frieza de ânimo e a reflexão sobre os meios empregados, pois se tratou de uma emboscada em que as vítimas foram atraídas a local previamente escolhido pelo recorrente, para aí orientadas por outro, onde já se encontram o recorrente e outro indivíduo, estrategicamente colocados e munidos de armas de fogo de que se haviam previamente munido.
9 – E o arguido usou de meio traiçoeiro e desleal, enganador da vítima, sub-reptício, dissimulado ou oculto, tornando especialmente difícil a defesa da vítima o que releva para a qualificação.
10 - Dentro das molduras penais aplicáveis: de 12 a 20 anos (versão primitiva do C. Penal), para o homicídio qualificado, e de 2 a 13 anos e 4 meses, para os homicídios tentados, não merecem censura as penas de 16 anos de prisão, para o homicídio qualificado e de 6 anos de prisão, para cada um dos homicídios tentados, e a pena unitária de 18 anos.
Ac. de 12.07.05 do STJ, proc. n.º 2315/05-5, Relator: Cons. Simas Santos
Tráfico de menor gravidade — requisitos
1 - É erigido como elemento justificativo do "privilegiamento" do crime a considerável diminuição da ilicitude do facto, traduzida:
- nos meios utilizados;
- na modalidade ou nas circunstâncias da acção;
- na qualidade ou na quantidade das plantas ou substâncias.
Dos elementos que traduzem no essencial a ilicitude: modo de execução do facto, gravidade das suas consequências e grau de violação dos deveres impostos ao agente foram aqui privilegiados os que se refeririam, não sendo atendível para este efeito o grau de culpa.
2 – Não se verifica tráfico de menor gravidade, se:
- os recorrentes venderam substâncias proibidas de diversa qualidade: heroína, cocaína e haxixe durante 6 meses a diversos consumidores;
- foram apreendidos 58,684 de heroína, 4,014 gr. de cocaína e 13,273 gr. de canabis ;
- o esquema traçado para tráfico não prima pela sofisticação, também não se reduz a um pequeno tráfico de rua praticado, por contra de outrem, mas se trata antes de um indivíduo que, em colaboração com o seu tio, organizou um esquema de compra corte e venda de droga aos consumidores mediante a combinação, via telemóvel, dos encontros com os compradores dirigindo-se outros arguidos, que não os recorrentes, depois aos locais previamente designados para efectuar as operações de venda.
Ac. de 12.07.2005 do STJ, proc. n.º 2432/05-5, Relator: Cons. Simas Santos
Acto sexual de relevo — abuso sexual de criança — crime continuado
1 - Se o recorrente não fez, quer no requerimento de interposição, quer no texto da motivação quer nas conclusões do recurso da decisão condenatória qualquer menção ao recurso retido, não pode este recurso ser conhecido.
2 - É este o único sentido que hermeneuticamente se pode atribuir à «especificação obrigatória» dos recursos retidos em relação aos quais mantém interesse, nas conclusões do recurso que os faz subir (art. 412.º, n.º 5 do CPP)
3 - A expressão «acto sexual de relevo» é usada no C. Penal diploma, com o mesmo sentido, nos art.ºs 172.º, n.º 1 (abuso sexual de criança), 163.º (coacção sexual), 166.º (abuso sexual de pessoa internada), 167.º (fraude sexual) e mostrou-se envolver um conceito de “geometria variável”, pois que chegou na redacção originária do C. Penal a abranger o coito anal e oral; coitos que agora foram equiparados à cópula, como se vê dos art.ºs 164.º a 167.º, 172.º e 174.º, deixando de integrar aquele conceito.
6 - O conceito indeterminado, que constitui, confere ao aplicador uma certa margem de manobra, cobrindo, na sua plástica moldura penal abstracta, as hipóteses de actos graves e daqueles que, muito menos graves, não deixem de atentar contra a auto-determinação sexual do ofendido, o bem jurídico protegido: a liberdade de se relacionar sexualmente ou não e com quem, para os adultos; a liberdade de crescer na relativa inocência até se atingir a idade da razão para então e aí se poder exercer plenamente aquela liberdade.
7 – Ocorre acto sexual de relevo se o arguido, tio da menor, formou o desígnio, quando esta tinha 12 anos de idade, de manter com esta um relacionamento amoroso e de cariz sexual, procurou passar a maior parte tempo na companhia da menor, beijou-a na boca a 8.10.2002, passou a telefonar e mandar SMS com regularidade dizendo que a amava. A partir de Junho de 2003, começou a encontrar-se durante a noite, com a menor, e na noite do dia 31 de Outubro para 1 de Novembro de 2003, pelas 00.00 horas, levou a menor para a sua residência, onde trocaram beijos na boca e carícias, até as 05.00. Depois, e por cerca de 7 ou 8 vezes, o arguido encontrou-se da mesma forma com a menor e levou-a para a sua residência, onde mantinham relações sexuais de cópula
8 – Na cronologia dos acontecimentos, a actuação do arguido na referida noite de 31 de Outubro para 1 de Novembro, mostrou-se relevante no processo, em que o recorrente se envolveu, de minar a vontade da menor. No mesmo sentido aponta decisivamente as próprias circunstâncias da acção, local reservado e onde o arguido estava à vontade, gerando grande intimidade, e pela sua duração.
9 – Mas essa conduta do arguido na noite de 31 de Outubro, embora tenha constituído um acto sexual de relevo, integra-se na sua conduta ulterior, como passo do esquema por si gizado, e que integrou todas a s relações sexuais havidas como um crime continuado do art. 172.º, n.º 2 do C. Penal.
Ac. de 12.07.2005 do STJ, proc. n.º 2242/05-5, Relator: Cons. Simas Santos
A pena de prestação de trabalho a favor da comunidade só pode ter lugar nos casos previstos no n.º 1 do artigo 58.º do Código Penal, ou seja, «se ao agente dever ser aplicada pena de prisão em medida não superior a 1 ano», e ainda assim, de forma não automática, pois cumulativamente, exige a lei que seja de «concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».
Ac. de 12.07.2005 do STJ, proc. n.º 2520/05-5, Relator: Cons. Pereira Madeira
Cúmulo jurídico — pena unitária — princípio da acumulação — princípio da exasperação — limite mínimo da moldura penal
1 - Se o recorrente impugna a pena unitária não faz sentido que invoque somente como mal interpretada a norma do art. 71.º do C. Penal, quando é certo que o normativo especialmente vocacionado para a determinação da pena unitária em caso de concurso de crimes é antes a do art. 77.º do mesmo diploma legal.
2 - A soma das penas parcelares que integram o concurso, atento o princípio de cumulação a fonte essencial de inspiração do cúmulo jurídico, em que são determinadas as penas concretas aplicáveis a cada um dos crimes singulares é o limite máximo da moldura penal do concurso, dentro do qual é encontrada a pena unitária, tendo em atenção os factos e a personalidade do agente. Mas não se pode esquecer que o nosso sistema é um sistema de pena unitária em que o limite mínimo da moldura atendível é constituído pela mais grave das penas parcelares (numa concessão minimalista ao princípio da exasperação ou agravação - a punição do concurso correrá em função da moldura penal prevista para o crime mais grave, mas devendo a pena concreta ser agravada por força da pluralidade de crimes, sem que possa ultrapassar a soma das penas concretamente que seriam de aplicar aos crimes singulares), sendo, pois, de toda a relevância a consideração do quantum do limite mínimo a considerar.
Ac. de 12.07.2005 do STJ, proc. n.º 2521/05-5, Relator Cons. Simas Santos
Assistente — Estatuto — Constituição como assistente — Falsidade de depoimento
1 – No nosso ordenamento, o exercício da acção penal foi confiado a um órgão de Estado - ao Ministério Público, pela forma especificada nos referidos dispositivos do Código de Processo Penal, de acordo com a concepção de que o jus puniendi e o correlativo jus procedendi são de interesse eminentemente público.
2 – Mas não se esqueceu que para a protecção da vítima deve conferir-se-lhe voz autónoma nível do processo penal de forma a permitir-lhe uma acção conformadora do sentido da decisão final: o assistente.
3 – Do estatuto de assistente destacam-se, pois, a sua qualificação como sujeito processual, mesmo quando se trate de processos por crimes públicos e os poderes processuais alargados que lhe são conferidos, nomeadamente o direito de recurso relativamente a todos os tipos de crimes.
4 -– Podem constituir-se assistentes:
– as pessoas e entidades a quem leis especiais conferirem esse direito;
– qualquer pessoa em determinados crimes expressamente indicados;
– as pessoas de cuja queixa ou acusação particular depender o procedimento;
– os representantes do ofendido falecido, não renunciante, incapaz ou menor de 16 anos; e
– os ofendidos, maiores de 16 anos, considerando-se como tais os titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação.
5 – Os titulares dos interesses que a lei penal tem especialmente por fim proteger quando previu e puniu a infracção e que esta ofendeu ou pôs em perigo, são as partes particularmente ofendidas, ou directamente ofendidas e que, por isso, se podem constituir acusadores.
6 – O vocábulo "especialmente" usado pela Lei, significa, pois, de modo especial, num sentido de "particular" e não "exclusivo", adoptando aquela o conceito estrito, imediato ou típico de ofendido.
7 – A legitimidade do ofendido deve ser aferida em relação ao crime específico que estiver em causa, designadamente em caso de concurso de infracções, em que se pode ser ofendido por um só dos crimes, devendo atender-se ao Código Penal, à sistemática da sua Parte Especial, e, em especial, interpretar o tipo incriminador em causa em ordem a determinar caso a caso se há uma pessoa concreta cujos interesses são protegidos com essa incriminação e não confundir essa indagação com a constatação da natureza pública ou não pública do crime.
8 – Só caso a caso, e perante o tipo incriminador, se poderá afirmar, em última análise, se é admissível a constituição de assistente. E esta análise do tipo legal interessado deve ter presente que a circunstância de ser aí protegido um interesse de ordem pública não afasta, sem mais, a possibilidade de, ao mesmo tempo, ser também imediatamente protegido um interesse susceptível de ser corporizado num concreto portador, assim se afirmando a legitimidade material do ofendido para se constituir assistente, pois os preceitos penais podem reconduzir-se à protecção de um ou vários bens jurídicos.
9 – O crime de falsidade de depoimento é um crime contra a realização da justiça, de actividade, mas em que o prejuízo de terceiro condiciona a moldura penal abstracta e a possibilidade de dispensa de pena, através da retratação.
14 – Assim, se num caso concreto, o agente com a falsidade de depoimento causar prejuízo aos interesses particulares de determinada pessoa, esta poderá constituir-se assistente.
Ac. de 12.07.2005 do STTJ, proc. n.º 2535/05-5, Relator: Cons. Simas Santos
Fundamentação — nulidade — apreciação crítica das provas — vícios da matéria de facto — poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça — homicídio qualificado — co-autoria — in dúbio pró reo — frieza de ânimo — meio insidioso — medida da pena
1 - Se o recorrente invoca a questão da nulidade da decisão por falta de fundamentação suficiente, mas se dispensa em absoluto de demonstrar essa afirmação, não pode desencadear a pretendida crítica pelo Supremo Tribunal de Justiça que não tem que (nem pode) desencadear uma qualquer expedição tendente a testar todas as modalidades possíveis de incumprimento daquele dever de fundamentação.
2 – Teve lugar a apreciação crítica das provas se é imediatamente compreensível o modo e razões pelas quais se formou a convicção do Tribunal no sentido enunciado na sentença condenatória: depoimentos simples, claros, não contraditórios ou obscuros, isentos e credíveis, dos dois ofendidos que sobreviveram (que presenciaram e sofreram os actos praticados pelo arguido e seus comparsas) do inspector da Polícia Judiciária, que investigou os factos e relatou o significado coerente dos indícios e vestígios que, “in loco”, dos mesmos encontrou, dos documentos, autos de apreensão e exame constantes dos autos, que forma especificados.
3 – Com efeito, o dever constitucional de fundamentação da sentença basta-se com a exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, bem como o exame crítico das provas que serviram para fundar a decisão e o exame crítico da prova, exige, como o fez o tribunal colectivo, a indicação dos meios de prova que serviram para formar a sua convicção, mas, também, os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse em determinado sentido, ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência.
3 - Tem decidido o Supremo Tribunal de Justiça, a uma só voz, que para conhecer de recurso interposto de um acórdão final do tribunal colectivo relativo a matéria de facto, mesmo que se invoque qualquer dos vícios previstos no art. 410.º do CPP, é competente o tribunal de Relação. Nos recursos interpostos da 1.ª Instância ou da Relação, o Supremo Tribunal de Justiça só conhece dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, por sua própria iniciativa e, nunca, a pedido do recorrente, que, para tal, terá sempre de dirigir-se à Relação, como fez o recorrente neste caso.
4 – O princípio in dubio pro reo, não significa dar relevância às dúvidas que as partes encontram na decisão ou na sua interpretação da factualidade descrita e revelada nos autos. É, antes, uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Mas daqui não resulta que, tendo havido versões díspares e até contraditórias sobre factos relevantes, o arguido deva ser absolvido m obediência a tal princípio. A violação deste princípio pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, só podendo ser afirmada, quando, do texto da decisão recorrida, decorrer, por forma evidente, que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido.
5 – Saber se o tribunal deveria ter ficado em estado de dúvida, é uma questão de facto que exorbita o poder de cognição do Supremo Tribunal de Justiça enquanto tribunal de revista.
6 – Estando assente que o arguido agiu previamente combinado e em conjugação de esforços com, pelo menos, mais dois indivíduos, um deles munido de arma, e que, tal como o recorrente, disparou vários tiros sobre os ofendidos e o veículo em que se transportavam, irmanado com eles em espírito e vontade comum e colectiva, com intenção de tirar a vida a um indivíduo, o que foi conseguido, e a outros dois, o que não foi logrado concretizar, dada a fuga que com êxito concretizaram, deve concluir-se que ele agiu em co-autoria com, pelo menos, mais dois outros indivíduos.
7 - Na verdade, são autores do crime aqueles que tomam parte directa, na execução do crime, não sendo necessário que cada um dos agentes cometa integralmente o facto punível, que execute todos os factos correspondentes ao preceito incriminador; aquele que, mediante acordo prévio com outros agentes, pratica acto de execução destinado a executá-la é co-autor material dessa mesma infracção, não sendo necessário que tome parte na execução de todos esses actos, desde que seja incriminada a actuação total dos agentes.
8 - Se as vítimas foram atraídas a um local ermo, sem que nada as levasse a desconfiar das intenções do recorrente, e, aí surpreendidas, ainda dentro do veículo, por disparos de armas de fogo, na sua direcção, o que impossibilitou a defesa da vítima mortal e a dificultou aos sobreviventes, tendo os crimes sido preparados pelo arguido com alguma antecedência, este manifestou frieza de ânimo e a reflexão sobre os meios empregados, pois se tratou de uma emboscada em que as vítimas foram atraídas a local previamente escolhido pelo recorrente, para aí orientadas por outro, onde já se encontram o recorrente e outro indivíduo, estrategicamente colocados e munidos de armas de fogo de que se haviam previamente munido.
9 – E o arguido usou de meio traiçoeiro e desleal, enganador da vítima, sub-reptício, dissimulado ou oculto, tornando especialmente difícil a defesa da vítima o que releva para a qualificação.
10 - Dentro das molduras penais aplicáveis: de 12 a 20 anos (versão primitiva do C. Penal), para o homicídio qualificado, e de 2 a 13 anos e 4 meses, para os homicídios tentados, não merecem censura as penas de 16 anos de prisão, para o homicídio qualificado e de 6 anos de prisão, para cada um dos homicídios tentados, e a pena unitária de 18 anos.
Ac. de 12.07.05 do STJ, proc. n.º 2315/05-5, Relator: Cons. Simas Santos
Tráfico de menor gravidade — requisitos
1 - É erigido como elemento justificativo do "privilegiamento" do crime a considerável diminuição da ilicitude do facto, traduzida:
- nos meios utilizados;
- na modalidade ou nas circunstâncias da acção;
- na qualidade ou na quantidade das plantas ou substâncias.
Dos elementos que traduzem no essencial a ilicitude: modo de execução do facto, gravidade das suas consequências e grau de violação dos deveres impostos ao agente foram aqui privilegiados os que se refeririam, não sendo atendível para este efeito o grau de culpa.
2 – Não se verifica tráfico de menor gravidade, se:
- os recorrentes venderam substâncias proibidas de diversa qualidade: heroína, cocaína e haxixe durante 6 meses a diversos consumidores;
- foram apreendidos 58,684 de heroína, 4,014 gr. de cocaína e 13,273 gr. de canabis ;
- o esquema traçado para tráfico não prima pela sofisticação, também não se reduz a um pequeno tráfico de rua praticado, por contra de outrem, mas se trata antes de um indivíduo que, em colaboração com o seu tio, organizou um esquema de compra corte e venda de droga aos consumidores mediante a combinação, via telemóvel, dos encontros com os compradores dirigindo-se outros arguidos, que não os recorrentes, depois aos locais previamente designados para efectuar as operações de venda.
Ac. de 12.07.2005 do STJ, proc. n.º 2432/05-5, Relator: Cons. Simas Santos
Acto sexual de relevo — abuso sexual de criança — crime continuado
1 - Se o recorrente não fez, quer no requerimento de interposição, quer no texto da motivação quer nas conclusões do recurso da decisão condenatória qualquer menção ao recurso retido, não pode este recurso ser conhecido.
2 - É este o único sentido que hermeneuticamente se pode atribuir à «especificação obrigatória» dos recursos retidos em relação aos quais mantém interesse, nas conclusões do recurso que os faz subir (art. 412.º, n.º 5 do CPP)
3 - A expressão «acto sexual de relevo» é usada no C. Penal diploma, com o mesmo sentido, nos art.ºs 172.º, n.º 1 (abuso sexual de criança), 163.º (coacção sexual), 166.º (abuso sexual de pessoa internada), 167.º (fraude sexual) e mostrou-se envolver um conceito de “geometria variável”, pois que chegou na redacção originária do C. Penal a abranger o coito anal e oral; coitos que agora foram equiparados à cópula, como se vê dos art.ºs 164.º a 167.º, 172.º e 174.º, deixando de integrar aquele conceito.
6 - O conceito indeterminado, que constitui, confere ao aplicador uma certa margem de manobra, cobrindo, na sua plástica moldura penal abstracta, as hipóteses de actos graves e daqueles que, muito menos graves, não deixem de atentar contra a auto-determinação sexual do ofendido, o bem jurídico protegido: a liberdade de se relacionar sexualmente ou não e com quem, para os adultos; a liberdade de crescer na relativa inocência até se atingir a idade da razão para então e aí se poder exercer plenamente aquela liberdade.
7 – Ocorre acto sexual de relevo se o arguido, tio da menor, formou o desígnio, quando esta tinha 12 anos de idade, de manter com esta um relacionamento amoroso e de cariz sexual, procurou passar a maior parte tempo na companhia da menor, beijou-a na boca a 8.10.2002, passou a telefonar e mandar SMS com regularidade dizendo que a amava. A partir de Junho de 2003, começou a encontrar-se durante a noite, com a menor, e na noite do dia 31 de Outubro para 1 de Novembro de 2003, pelas 00.00 horas, levou a menor para a sua residência, onde trocaram beijos na boca e carícias, até as 05.00. Depois, e por cerca de 7 ou 8 vezes, o arguido encontrou-se da mesma forma com a menor e levou-a para a sua residência, onde mantinham relações sexuais de cópula
8 – Na cronologia dos acontecimentos, a actuação do arguido na referida noite de 31 de Outubro para 1 de Novembro, mostrou-se relevante no processo, em que o recorrente se envolveu, de minar a vontade da menor. No mesmo sentido aponta decisivamente as próprias circunstâncias da acção, local reservado e onde o arguido estava à vontade, gerando grande intimidade, e pela sua duração.
9 – Mas essa conduta do arguido na noite de 31 de Outubro, embora tenha constituído um acto sexual de relevo, integra-se na sua conduta ulterior, como passo do esquema por si gizado, e que integrou todas a s relações sexuais havidas como um crime continuado do art. 172.º, n.º 2 do C. Penal.
Ac. de 12.07.2005 do STJ, proc. n.º 2242/05-5, Relator: Cons. Simas Santos
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