segunda-feira, 15 de novembro de 2004

Coito oral e cópula: duas violações?

Com a alteração introduzida ao art. 164.º do C. Penal, pela Lei n.º 65/98 de 2 de Setembro, o coito anal e o coito oral passaram a integrar, ao lado da cópula, os modos de execução do crime de violação.
O que coloca a questão de saber se se mantém a jurisprudência anterior que entendia que o coito anal e oral ocorrido numa violação eram punidos, como atentado ao pudor, em concluso real com a violação.
O Supremo Tribunal de Justiça respondeu afirmativamente no acórdão de 11.11.2004 (proc. n.º 3259/04-5, Relator: Cons. Simas Santos), cujo sumário foi aqui divulgado (Casa da Suplicação VIII).
Argumentou-se então:
«Quando o coito oral e anal não integravam o tipo da violação, mas integravam antes o atentado ao pudor com violência, era uniforme a jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça no sentido de que: «(1) nos últimos anos começou a criar-se um movimento jurisprudencial no sentido de conceder autonomia punitiva às diferentes condutas de natureza sexual de que é vítima uma determinada pessoa, mesmo quando os actos são praticados na sequência de uma conduta, prolongada no tempo, sim, mas circunscrita a um intervalo temporal relativamente reduzido. (2) - Mas, semelhante ao que sucede com o roubo, quando haja condutas enquadráveis nas figuras da violação e do atentado ao pudor, deverá entender-se que serão consumidos pelo crime de violação os actos necessários para a sua prática, mesmo quando possam ser considerados como correspondentes a crimes de atentado ao pudor, mas que, tais casos passarão a contribuir a comissão de crime autónomo de atentado ao pudor quando não tenham qualquer relação com o de violação, ou se mostrem desnecessários para a sua normal consumação. (3) Se à «cópula» bocal com a menor se seguiu a violação, então verifica-se o concurso real entre os dois crimes (Ac. do STJ de 14.10.93, proc. nº 45177, já em 9.11.83, BMJ 331-229, se afirmava que «continua a justificar-se a autonomização do crime de atentado ao pudor relativamente à violação, pois se trata de interesses juridicamente diferentes»).
Neste sentido se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça ainda nos Acs de 12.11.86, BMJ 361-259 , de 23.5.90, BMJ 397-232, de 13.2.91, BMJ 404-218, de 20.3.91, AJ n.º 17 e BMJ 405-209; de 24.11.93, proc. n.º 45532; de 17.6.92, proc. n.º 42688; de 28.2.96, proc. n.º 48589; de 17.10.96, proc. n.º 568/96, de 20.2.97, Acs STJ V, 1, 227; de 20.3.97, proc. n.º 1315/96; de 17.9.97, proc. n.º 616/97, de 30.7.98, proc. n.º 693/98, de 29.10.98, proc. n.º 538/98, de 30.7.98, proc. n.º 693/98; de 29.10.98, proc. n.º 538/98; de 30.7.98, proc. n.º 693/98; de 29.10.98, proc. n.º 538/98.
Com a redacção dada ao art. 164.º do C. Penal, pela Lei n.º 65/98, de 2 de Setembro, o coito anal ou o coito oral passaram a integrar o tipo de violação, ao lado da cópula.
O que não alterou, só por si, aquela jurisprudência assente.
Desde logo, pretendeu-se aumentar a protecção do bem jurídico em causa, agravando assim a sanção para o coito oral ou anal, por meio de violência, ameaça grave ou abuso de autoridade, e não diminui-la, como resultaria do abandono daquela posição jurisprudencial.
Depois, a razão de ser desta posição mantém-se. O processo executivo, em qualquer dos três meios agora previstos (coito oral, coito anal, cópula), pressupõe motivação diversa e decisões autónomas, para cada um deles. Da mesma forma não é o mesmo o desvalor de resultado em cada um dos casos, por forma a que se possa falar em mera repetição mecânica imediata de uma mesma agressão.
Cada um daqueles meios implicando para o ofendido uma diferente intromissão e compressão da sua liberdade e autodeterminação sexual, bem como da sua intimidade sexual. E para o agente uma nova formulação de vontade.»
Mas será assim ?

2 comentários:

L.C. disse...

Parabéns pela inovação e pelo estilo. É a primeira vez que um ilustre conselheiro do STJ se presta a auscultar publicamente a opinião alheia e, com humildade, a dar conta das suas (in)certezas. Haja quem tenha gabarito para introduzir o contraditório.

A.R. disse...

Artigo 164º
Violação
1 - Quem, por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa a sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, cópula, coito anal ou coito oral é punido com pena de prisão de 3 a 10 anos.

Algumas considerações sobre o acórdão:
a) Dentro do mesmo contexto de violência, o arguido praticou a cópula e depois o coito anal com a mesma ofendida.
b) Partindo do entendimento jurisprudencial anterior, quando o coito anal tinha um diferente enquadramento legal, e aí se entendia que, verificando-se a prática de cópula e de coito anal, havia o cometimento de dois crimes (violação e atentado ao pudor), decidiu-se, no acórdão, que também agora havia a prática de dois crimes, ainda que incriminados pela mesma norma.
c) Creio que teria sido melhor ponto de partida o de se saber o entendimento, no domínio da jurisprudência anterior, sobre a prática de duas ou mais cópulas no mesmo contexto de violência. Entendia-se, então, que o arguido praticava um só crime de violação ou tantos crimes quantas as cópulas?
d) Em nenhuma das situações, parece-me, será de considerar a hipótese de crime continuado, estrutura ficcional que aligeira a culpa do agente.
e) Um só crime ou tantos crimes quantas as cópulas e/ou os coitos?
f) Um só crime seria premiar uma determinação criminosa que precisa, por cada um daqueles actos, de se renovar com uma expressiva vontade.
g) Por outro lado, por cada cópula e/ou coito, renova-se, de um modo mais intenso, a humilhação e a dor da ofendida: há uma nova ofensa à sua liberdade de expressão sexual.
h) Trata-se de condutas criminosas distintas ainda que desenvolvidas numa mesma sequência temporal.
i) Para este efeito, será irrelevante que entre cada um dos actos medeie 5 minutos ou uma hora.
Por estas breves razões, creio que a solução do acórdão é a mais adequada.
Outra questão será a do tratamento jurídico a dar aos actos (apalpar os seios, penetração com os dedos, ou outros) que poderão ser anteriores ou posteriores à cópula e/ou ao coito.