Público - 23/03/2013
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Depois
de terem sido absolvidos pelo Tribunal de Contas em 2012, 19 ex-dirigentes da
ARS de Lisboa e Vale do Tejo podem ter de pagar milhões de euros por alegadas
ilegalidades no caso do Amadora-Sintra
É
um processo "kafkiano", desafaba a ex-ministra da Saúde Ana Jorge,
confessando ontem a sua "surpresa" pelo facto de o Tribunal de Contas
(TC) ter voltado atrás na decisão de a absolver da acusação de não ter
acompanhado devidamente o contrato de gestão privada do Hospital Amadora-Sintra
firmado com o grupo José de Mello Saúde há quase duas décadas. Só à antiga
governante, que é acusada de ter efectuado pagamentos "ilícitos" à
sociedade gestora do hospital quando presidiu à Administração Regional de Saúde
de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT) entre 1997 e 2000, são reclamados 3,5 milhões
de euros. "Isso não é pagável", lamenta.
Neste complexo e volumoso processo que se arrasta há mais de uma
década nos tribunais, além de Ana Jorge são acusados de responsabilidade
financeira duas dezenas de ex-dirigentes e membros da ARSLVT, como Constantino
Sakellarides, que foi director-geral da Saúde. No total, o Ministério Público
reclama indemnizações no montante 60 milhões de euros, por considerar que os
ex-responsáveis da ARS autorizaram "despesas e pagamentos ilícitos e
danosos" à sociedade gestora do hospital, o primeiro com gestão privada em
Portugal (1995).
Quando tudo parecia resolvido - em Julho do ano passado o
vice-presidente do Tribunal de Contas (TC) absolveu o vasto lote de arguidos
alegando que este caso já tinha sido apreciado por um tribunal arbitral que
concluiu não ter havido prejuízos para o Estado e até o condenou, pelo
contrário, a pagar 43 milhões de euros à sociedade gestora-, dois
juizes-conselheiros do mesmo tribunal consideraram agora que só o TC tem
competência para apreciar a complexa situação.
Não unânime (um juiz-conselheiro votou contra), a decisão surge
na sequência do recurso apresentado pelo Ministério Público (MP), como ontem
noticiou o semanário Sol.
O procurador António Cluny invocou a inconstitucionalidade da argumentação da
primeira sentença, em que defendendia que a decisão do tribunal arbitral fazia
jurisprudência. Cluny contrapôs que um "órgão supremo de fiscalização da
legalidade das despesas públicas" não pode "ficar condicionado pela
decisão de um tribunal arbitral". Deram-lhe razão e agora volta tudo à
estaca zero. Como a primeira sentença não produziu efeito, o caso deve ser
julgado. Mas advogado de Ana Jorge, João Correia, estuda ainda a hipótese de
recorrer. "Há quem defenda que o acórdão é passível de recurso e quem
defenda que não", explica.
Ana Jorge, que quando era ministra fez regressar o hospital à
esfera de gestão pública em 2009, não compreende a insistência do MP, depois de
não um mas dois tribunais arbitrais terem decidido que o Estado não tinha sido
lesado, "pelo contrário". O Estado foi condenado por um primeiro
tribunal arbitral a pagar à sociedade gestora do hospital 43 milhões de euros,
em 2003, e, por outro tribunal arbitral, a 18 milhões de euros, em 2012. Mas os
actuais responsáveis da ARSLVT ainda vão tentar anular esta segunda decisão,
sabe o PÚBLICO (ver caixa).
"Querem fazer disto um exemplo. Só cumprimos o que estava
estabelecido, tivemos de executar o contrato de gestão firmado por Paulo Mendo
[ministro da Saúde de Cavaco Silva]. Nós só fazíamos propostas de pagamento aos
ministros da altura", sublinha Ana Jorge, que recorda que o contrato foi
validado pelo próprio TC. O processo, que atravessou o consulado de vários ministros
da Saúde, não tem assim fim à vista. A acção de responsabilidade financeira foi
desencadeada por uma auditoria da Inspecção-Geral de Finanças em 2002, que
acabou por ser posta em causa pelo primeiro tribunal arbitral. Os inquéritos
instaurados pela Inspecção-Geral da Saúde e pelo DIAP de Lisboa foram
entretanto arquivados.
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