quinta-feira, 8 de agosto de 2013

CORTES NAS REFORMAS DEIXAM POLÍTICOS DE FORA

Nova lei não contempla cortes nas subvenções vitalícias

Deputados mais de 12 anos e ministros e secretários de Estado até 2005 ficam a receber o mesmo que até aqui

Cavaco Silva pode ficar a ganhar menos do que Assunção Esteves, presidente da Assembleia da República

Os juizes também escapam a talhada nas pensões, tal como os diplomatas. As Finanças dizem que há explicação Ainda não se conhece o número de pensionistas afectados, mas o que o Estado poupar nas pensões perde em IRS

MARGARIDA BON DE SOUSA

As subvenções vitalícias pagas aos políticos não estão contempladas na proposta de lei que prevê a convergência entre os pensionistas da Caixa Geral de Aposentações e a Segurança Social. Ou seja, todos os deputados que estiveram no parlamento durante mais de 12 anos ou membros do governo que exerceram cargos até ao final de 2005 continuam a receber o mesmo que agora.

A ser aprovada como foi entregue aos sindicatos, a nova lei vai criar outras distorções. Por exemplo, o Presidente da República pode vir a ganhar menos que a presidente do parlamento. No caso de Cavaco Silva, uma parte da sua reforma, a que é paga pela Caixa Geral de Aposentações, sofrerá um corte de 10%, mantendo-se idêntica a parcela paga pelo Banco de Portugal. Já no caso de Assunção Esteves, o valor mantém-se idêntico, já que a sua reforma integra a de um dos poucos grupos profissionais que escaparam aos cortes: o dos juízes.

As Finanças explicaram ontem que as pensões dos magistrados, tal como a dos diplomatas, estão indexadas aos vencimentos pagos a profissionais que estão no activo e que têm vindo a sofrer reduções. “Por força desta circunstância, estes beneficiários tiveram o valor da respectiva pensão diminuído pela aplicação da redução remuneratória (até 10%) imposta pela lei que aprovou o Orçamento do Estado para o ano de 2011 e mantida nos anos seguintes.”

Contudo, a proposta não contém nenhuma ressalva para o futuro, o que significa que se no futuro próximo estes salários vierem a ser repostos, uma vez que só passaram no Tribunal Constitucional por serem transitórios, estes dois grupos ficam numa situação privilegiada relativamente aos restantes pensionistas da CGA, que não podem contar com a reposição da reforma a curto prazo (ver texto do lado).

FIM DA ESCOLHA

A partir do ano que vem, não haveria a possibilidade de um presidente do Parlamento ganhar mais que o Presidente da República. Isto porque a proposta de lei também obriga os reformados que venham a exercer funções públicas a abdicarem da pensão.

O documento refere que, “no período que durar o exercício de funções públicas autorizadas, os aposentados, bem como o pessoal na reserva fora de efectividade ou equiparado, não recebem pensão ou remuneração”. Quando deixam funções, “o pagamento da pensão ou remuneração de reserva é retomado, com valor actualizado nos termos gerais”.

No universo dos actuais pensionistas, existem vários grupos: os que beneficiam de regras antigas que exigem financiamento por transferências do Orçamento do Estado para compensar as pensões mais elevadas do que as suas contribuições para a CGA permitiriam; os novos, que beneficiam de regras de transição, que, apesar de menos onerosas, continuam a exigir financiamento por transferências do OE, e os futuros, que irão beneficiar de regras menos vantajosas no cálculo da pensão, recaindo sobre os mesmos o ónus, enquanto contribuintes, de suportar encargos que permitam o equilíbrio financeiros dos sistemas de protecção social.

MENOS PENSÃO, MENOS IRS

O governo ainda não esclarece para já qual o número de pensionistas que serão afectados por algum tipo de corte, nem se as ressalvas que foram introduzidas em matéria de idade permitem alcançar a meta de poupança que foi comunicada à troika com a convergência das pensões públicas com as privadas, e que era de 740 milhões de euros. Uma coisa é certa: se o Estado vai poupar na despesa com pensões, também vai perder receita de IRS, uma vez que os cortes incidem sobre o valor bruto das pensões, o que reduz o rendimento sujeito a imposto.

A redução, que pode ir até 10% da reforma ilíquida no final de 2013, não irá incidir na parcela de um dos subsídios que está a ser distribuída em duodécimos para atenuar o efeito desta medida no rendimento disponível dos pensionistas. Essa é uma parcela autónoma no valor da pensão.

CORTES E CONTRIBUIÇÃO EXTRA?

Por esclarecer para já fica ainda outra questão: os cortes vão coexistir com a CES (contribuição extraordinária de solidariedade), que afecta as pensões acima de 1350 euros? Depende do que for aprovado no Orçamento do Estado para o próximo ano. A CES deixa de estar em vigor no final de 2013, mas pode ser novamente aprovada, como já aconteceu no passado.

Cortes duram pelo menos até ao final da década

No melhor cenário, o do governo, o corte será anulado em 2019

A proposta de lei do governo promete uma reversão dos cortes a aplicar nas pensões do Estado “num contexto de crescimento económico do país e de equilíbrio orçamental das contas públicas”.

Para que seja reposta a pensão, pelo valor bruto em vigor no final de 2013, é no entanto necessário preencher duas condições cumulativas: um crescimento nominal do produto interno bruto (PIB) superior a 3% ao ano e um défice das contas públicas que não ultrapasse 0,5% do PIB. E estas duas condições têm de se verificar dois anos seguidos. Na prática, este duplo condicionamento afasta qualquer hipótese de reposição num horizonte próximo.

Mesmo fazendo fé nas previsões do governo, as mais optimistas e que têm projecções até mais tarde, no melhor cenário, as pensões poderão ser repostas em 2019. O Documento de Estratégia Orçamental (DEO) estima que o PIB nominal cresça acima dos 3% a partir de 2016. No entanto, o saldo negativo das contas públicas só vai ficar abaixo dos 0,5% em 2017. Logo, se as suas condições se cumprirem a partir desse ano, o corte poderia ser anulado em 2019.

Menos optimistas são as projecções do Fundo Monetário Internacional (FMI), que só vão até 2017. Até essa data, o FMI não prevê que o défice público português fique limitado a 0,5% do PIB. A previsão para esse ano é de 1,1%. Sendo assim, a contagem só poderia começar a partir de 2018, partindo do pressuposto de que nesse ano as duas condições seriam cumpridas.

Isto atiraria a devolução dos valores agora cortados para 2020. Nesse cenário, o governo promete recalcular a pensão para o valor bruto no final de 2013, sem prejuízo de actualizações legais, que podem não chegar para compensar a perda produzida pelo efeito da inflação. Ana Suspiro

i, 8 Agosto 2013

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