39
anos depois do 25 de Abril, a qualidade da democracia portuguesa está em
debate. O PÚBLICO foi ouvir 55 personalidades representativas da sociedade
sobre a situação do país. Esta é a avaliação que fazem, dada através das ideias
que apresentam sobre como melhorar a democracia portuguesa. Inquérito
organizado por São José Almeida
Adolfo Luxúria Canibal - Músico
Acabaria
com a sua excessiva dependência dos partidos políticos, que detêm o papel quase
exclusivo de representação da vontade popular: 1. Grupos de cidadãos não
organizados em partido político poderiam ser eleitos para a Assembleia da
República; 2. Os deputados eleitos representariam os cidadãos dos círculos
eleitorais que os elegeram e não o partido político que integram.
Reforçaria
a democracia directa, tirando aos cidadãos o papel de reféns indefesos dos
ciclos eleitorais: 1. O partido que forma Governo estaria limitado ao
cumprimento do programa de Governo que eleitoralmente apresentou, sendo deposto
em caso de incumprimento; 2. Dependeria de referendo a adopção de qualquer
medida que não estivesse prevista no programa de Governo eleitoralmente aprovado.
Alexandre
Quintanilha - Professor na Universidade do Porto
Dois
aspectos essenciais para aumentar a nossa confiança nas instituições e tornar a
nossa sociedade mais dinâmica e justa:
1. Que o
jornalismo fosse menos "de opiniões" e mais "de
investigação". A maioria dos meios de comunicação está a preencher os seus
"espaços" com comentadores individuais ou com debates entre
personalidades. Suponho que com o objectivo de que todas as opiniões possam ser
ouvidas. Seria mais interessante que a informação fosse aprofundada e
fidedigna.
2. Que
exigíssemos uma maior responsabilização a todos os cidadãos. O que só seria
possível com um sistema de justiça mais transparente e eficiente; com meios de
comunicação mais independentes dos grandes grupos financeiros; com códigos de
honra exigidos e respeitados por todas as profissões; e com uma meritocracia a
sério.
Ana
Bacalhau - Cantora
Eu,
sozinha, não conseguiria melhorar grande coisa. Isso é que é interessante na
democracia. Precisa do colectivo, mais do que do individual. Melhor dizendo, o
primeiro impulso para a congregação parte do indivíduo, mas a finalidade será
sempre o trabalho em equipa. Por isso é que é tão importante o contributo de
todos para a sua manutenção. Por isso é que é tão perigosa a ideia do salvador,
que chega e resolve os problemas. Nenhum indivíduo poderá representar bem todos
os indivíduos. Ao contrário, um conjunto de pessoas apostadas em trabalhar
juntas já estará mais bem preparado para representar o maior número de
indivíduos possível. O ideal seria que todos obrigássemos este individualismo
que ainda vive na nossa sociedade a socializar e a aprender a trabalhar em
equipa, para o bem comum.
Ana
Luísa Amaral - Poeta, professora da Faculdade de Letras da Universidade do
Porto
Bastaria
justiça! Quando a separação de poderes é vista como um entrave à governação;
quando as soluções propostas para aliviar a crise passam por empobrecer a
classe média e aqueles que vivem já no limiar da pobreza; quando os direitos
dos investidores são postos à frente dos direitos daqueles que trabalharam toda
uma vida; quando quem roubou ou defraudou o Estado e os seus concidadãos não é
punido; quando os direitos previstos pela Constituição, como o direito à
educação ou à saúde, estão a ser desmantelados, eu pergunto: mas que
democracia? Não me parece que se trate de "melhorar" a democracia
portuguesa, mas de a salvar de uma espécie de "fascismo
social", como diz Boaventura de Sousa Santos. Bastaria justiça, esse
princípio básico que engloba direitos, respeito, legalidade e igualdade. Que
ela se faça.
Ana
Vidigal - Artista plástica
Millôr
Fernandes escreveu:
"Realmente
voto não enche barriga, mas chega aquele momento em que o pessoal já comeu o
suficiente."
Para
melhorar (inclusive a dita democracia) recomendo um antiácido.
Ana
Zanatti - Actriz e escritora
Ir à
fonte de todas as coisas, que somos nós, e fazer uma profunda análise de
consciência, para distinguir o essencial do acessório, porque é do essencial
que vimos a abdicar.
Olhar
menos para a esquerda e para a direita e mais para a frente, para o progresso
do espírito. Uma democracia que assenta apenas em valores que se transaccionam
nos mercados financeiros está condenada a ruir.
Reforma
profunda no sistema educativo, desde a infância, para criar cidadãos
conscientes da sua responsabilidade individual em todos os sectores da vida,
com sólida formação moral, que possam vir a ocupar com dignidade e isenção os
seus lugares na família, no trabalho, na sociedade, na política.
Uma
classe política mais culta, informada e humanizada. Com mais amor a Portugal e
menos à sua auto-promoção.
António
Marinho e Pinto - Presidente da Ordem dos Advogados
Aumentaria
o grau de participação dos cidadãos nos processos decisórios relativos às
grandes questões do estado e da sociedade e, concomitantemente, diminuiria as
competências dos titulares dos poderes representativos. Ou seja: restringiria o
âmbito e a extensão da democracia representativa em benefício da democracia
participativa, criando um novo equilíbrio entre a participação dos cidadãos e o
exercício do poder pelos seus representantes.
O
desenvolvimento estrondoso das tecnologias da comunicação, permite, hoje,
auscultar, quase em tempo real, a vontade soberana do povo e, por isso, ele
deve ser chamado, mais frequentemente, a pronunciar-se sobre as grandes
questões do estado e da sociedade.
Nem a
democracia participativa deve esvaziar a representativa, nem esta pode
continuar a ser praticada tal como o tem sido até agora. Uma relação mais
equilibrada entre elas fortalecerá ambas.
António
Mega Ferreira - Escritor
A lista
seria longa, o espaço é curto. Duas prioridades: prazos eleitorais e justiça.
Mesmo sem entrarmos em debates sobre o sistema de representação (candidaturas
independentes, círculos uninominais, autarquias, etc., etc.), há algo de mais
imediato a que é preciso atender: prazos para realização de eleições (90 dias é
pré-histórico) e para posse de novo Governo (30 dias é pré-moderno). Em
Portugal, as crises governamentais são prenúncio de catalepsia institucional.
Quanto à justiça: um prazo médio de 1096 dias para resolução de um processo (a
média europeia é de 147 dias) é um absurdo; a possibilidade de inviabilizar,
através de recursos, a execução das penas é um escândalo. Diminuir a burocracia
e simplificar o processo não chega: rever todo o sistema de garantias dos
direitos dos arguidos pode ser arriscado - mas é necessário.
Boaventura
Sousa Santos - Sociólogo catedrático jubilado da Universidade de Coimbra
É
necessário refundar a democracia, ir aos fundamentos. O primeiro é a visão e o
projecto de país. É urgente um debate sobre o que queremos ser como comunidade
cívica, cultural e política. A cultura autoritária dominante está a tentar
convencer os portugueses de que o 25 de Abril foi uma aberração e que não
merecíamos ter saído do jugo salazarista. Segundo, é preciso recuperar a
soberania, o que pode ser feito por duas vias: aprofundando a democracia
europeia ou saindo do euro. Neste momento, o euro é o nosso modo de nem sermos
europeus nem podermos ser outra coisa. Para recuperar a soberania, é necessária
uma classe política capaz de governar ao serviço dos portugueses. Medida de
emergência: a demissão do Governo. Temos um Governo dominado por um ministro
que governa o país ao serviço dos alemães. Medida de fundo: uma assembleia
constituinte para fortalecer a democracia representativa com a democracia
participativa, blindar o país contra tutelas externas não democráticas,
estabelecer um sistema político e administrativo sujeito ao controlo dos
cidadãos.
Catarina
Furtado - Embaixadora de Boa Vontade do UNFPA e presidente da Associação
Corações com Coroa
Muitas
das coisas a melhorar podem não depender exclusivamente de nós. A Europa, tal
como vem sendo construída, defendida e fundamentada nos seus princípios, vai
acentuar cada vez mais a desigualdade e as demagogias sobre o carácter dos
povos. Sou optimista e lutadora, no entanto, temo pelo futuro das gerações. Não
acredito que, se não mudarmos o paradigma económico, alguma coisa se altere do
ponto de vista social e político. Somos um povo amável, solidário e aventureiro
e poderíamos contribuir para a nossa democracia se fizéssemos um esforço
acentuado na Educação com base na promoção dos Direitos Humanos, uma educação
de raiz, escolar, assente na igualdade de oportunidades e de género e na
não-discriminação. Contrariar a dimensão mais caritativa de apoio imediato, que
tem sido política e socialmente valorizada, e apostar na prevenção e na acção
construtiva para uma mudança de mentalidades com uma abordagem de intervenção
cívica e empoderadora.
David
Marçal - Bioquímico
1. Uma
democracia mais directa e menos dominada pelos partidos. Não há hoje em dia
nenhuma boa razão que impeça a realização de referendos populares com grande
regularidade, recorrendo ao voto electrónico, combinando a possibilidade de se
votar nas juntas de freguesia, em casa através de computadores pessoais ou até
com o telemóvel. Grupos de cidadãos deveriam ter a possibilidade de propor
consultas populares, sem que estas tivessem que ser aprovadas pela Assembleia
da República. É recorrente, e até tacitamente aceite, a quebra de compromissos
eleitorais. A ideia dos nossos representantes democráticos como uma espécie de
paizinhos que sabem o que é melhor para nós, não faz sentido.
2. Uma
democracia socialmente mais coesa, com a adopção de políticas que contrariem a
concentração de riqueza e em que o Estado atenue efectivamente a inevitável
desigualdade de oportunidades entre os cidadãos, em áreas como a saúde e a
educação.
Diogo
Ramada Curto - Historiador
Melhoraria
a distribuição da riqueza, multiplicaria as formas de participação política,
quebraria o monopólio dos profissionais da política, tornaria transparente o
financiamento dos partidos, lutaria por uma sociedade sem discriminações de
classe, raça, credo e género, criaria quotas para a representação das mulheres,
salvaguardaria o serviço nacional de saúde e a protecção aos idosos, tornaria
mais acessível a leitura de livros, continuaria a rede de bibliotecas, daria
melhores condições aos museus e aos arquivos, dignificaria por todos os meios a
função dos professores, sobretudo do básico e do secundário, investiria mais na
pesquisa científica e na criação artística e musical, trataria os emigrantes
como parte integrante do que somos, estabeleceria relações de franca igualdade
com as antigas colónias, sem derrapar em mitos paternalistas, e não esqueceria
os ideais da Primeira República ridicularizados pelo Estado Novo.
Dulce
Maria Cardoso - Escritora
Responsabilizaria
de forma efectiva os governantes. A existência de eleições livres não faz com
que os cidadãos sejam responsáveis por más governações nem pressupõe que sejam
delas vítimas. Uma democracia que não penalize os que governam mal, que não
puna os que o fazem por negligência ou dolo, determina que - mais cedo ou mais
tarde - se defenda e se imponha uma ditadura.
Eugénia
de Vasconcellos - Poeta
Para que
a democracia tenha significado e exista, as acções têm de ter consequências
previsíveis. As instituições têm de ter poder real e ética de conduta. Se nós,
indivíduo e sociedade, confiamos no poder e na ética das instituições
sentimo-nos representados por elas e representantes delas. Quando não nos
revemos nos órgãos de soberania, nas empresas e nas comunidades, quando a
opacidade das decisões remete para a aleatoriedade e o compadrio, ou para uma
lógica de lucro sem ganho humano, excluímo-nos tanto como somos excluídos do
tecido social que assim ainda mais se fragiliza. Perdem-se as expectativas de
ser, produzir, intervir e ter. Perde-se a noção do valor da vida. Perde-se a
esperança. É preciso acreditar. Acreditar é o primeiro passo para fazer.
Eugénio
Fonseca - Presidente da Cáritas
A sua
dimensão participativa. Considero que sem uma constante intervenção cívica
teremos sempre uma democracia anémica. Sem dúvida que é importante continuar a
valorizar a componente representativa, tanto mais que também esta está a ser,
cada vez mais, desvalorizada. A forma mais segura de evitar a abstenção
eleitoral é manter os cidadãos motivados a cooperarem, a seu nível, na
governação do país.
Para que
se efective a intervenção sociopolítica, impõe-se não dar apenas relevo
retórico à missão da designada sociedade civil, mas criar-lhe, de facto,
condições mobilizadoras e facilitadoras deste desempenho. Sem dúvida que os
partidos políticos são imprescindíveis à concretização do regime democrático,
mas não o esgotam. Até eles teriam a ganhar com uma maior participação
organizada dos portugueses. É urgente insuflar mais cidadania à nossa
democracia.
Filipe
Vargas - Actor
Nós,
portugueses, somos uma maioria melhor que a minoria que nos representa e temos
de saber usar esse poder. Para isso, devemos começar por voltar a ganhar a
consciência da importância de cada um na sociedade (com a nossa voz e trabalho,
cumprindo obrigações e exigindo retorno) e fazer crescer o nosso poder,
cuidando do papel educativo (e não delegável) da família (seja lá qual for a
sua forma ou feitio), implicando-nos mais nas nossas comunidades (reactivando,
e não enfraquecendo, a relação entre os eleitores e suas juntas de freguesia),
agindo de forma concreta em cada localidade (o sucesso dos orçamentos participativos
é disto um bom exemplo), fortalecendo a autonomia regional (descentralizando,
por que não?) e intervindo a nível nacional com movimentos de cidadãos capazes
de criar hipóteses reais de democracia directa.
Gastão
Cruz - Poeta
A
qualidade da democracia depende da qualidade da sociedade em que ela existe. Se
essa sociedade for pouco culta e pouco educada, não saberá evitar que políticos
arrivistas, aventureiros, alcancem lugares de topo, utilizando-os em proveito
próprio e de uma minoria que lhes é afecta, e brutalizando a população
indefesa.
Só a
educação e a cultura poderão contribuir para "melhorar a democracia".
Porém, os oportunistas, uma vez no poder, tudo fazem para que o esclarecimento
das maiorias votantes não ocorra.
Mas a
pergunta é sobre a democracia portuguesa. No tempo presente, ela foi tomada de
assalto (por meio de mentiras e falsas promessas) por um bando de medíocres mas
pertinazes serventuários dos poderosos.
É um
tempo de monstros. Melhorar a democracia portuguesa? Os monstros não vão
deixar. Tentarão não deixar...
Gonçalo
M. Tavares - Escritor
1.
"O cantor"
Um
pássaro foi atingido com um tiro na asa direita e passou por isso a voar na
diagonal.
Mais
tarde foi atingido na asa esquerda e viu-se obrigado a deixar de voar,
utilizando apenas as duas patas para andar no chão.
Mais
tarde foi atingido por uma bala na pata esquerda e passou por isso a andar na
diagonal.
Uma outra
bala atingiu-o, semanas depois, na pata direita, e o pássaro deixou de poder
andar.
A partir
desse momento dedicou-se às canções."
Muitas
pessoas estão a transformar-se em cantores - mas não por vontade própria. E
isto é a primeira parte de uma tragédia.
2. Em
2013, nada tira mais liberdade do que o desemprego. A História mostrou,
infelizmente vezes de mais, como a taxa de desemprego e a democracia estão
ligadas.
"O
desempregado com filhos"
"Disseram-lhe:
só te oferecemos emprego se te cortarmos a mão.
Ele
estava desempregado há muito tempo; tinha filhos, aceitou.
Mais
tarde foi despedido e de novo procurou emprego.
Disseram-lhe:
só te oferecemos emprego se te cortarmos a mão que te resta.
Ele
estava desempregado há muito tempo; tinha filhos, aceitou.
Mais
tarde foi despedido e de novo procurou emprego.
Disseram-lhe:
só te oferecemos emprego se te cortarmos a cabeça.
Ele
estava desempregado há muito tempo; tinha filhos, aceitou."
(de
"O Senhor Brecht")
Irene
Pimentel - Historiadora
Em
situação de crise global, é bom regressar aos clássicos que definiram a
sociedade civil e política e delinearam o Estado de Direito. Foi o caso de John
Locke (1632-1704), segundo o qual todo o poder político legítimo deriva apenas
do consentimento dos governados que confiam as suas "vidas, liberdades, e
posses" à comunidade, tornada política. Mais tarde, outros filósofos
definiram a separação de poderes, acrescentando ao legislativo e executivo, o
judicial. Continuo adepta de uma democracia representativa, aceitando delegar
em instituições democráticas o poder que não exerço directamente. Mas urge
aprofundar o Estado democrático e o funcionamento da sociedade civil, de modo a
que os partidos voltem a representar os que neles delegam. Por outro lado, face
ao abuso do poder, não haverá direito de resistência civil? É que, como diz
Locke, a comunidade política pode ser dissolvida sempre que o detentor do poder
desrespeita a lei, perdendo assim o direito a ser obedecido.
Isabel
Allegro de Magalhães - Catedrática UNL, membro do Graal
Não
reconheço hoje em Portugal democracia representativa. Se um Governo retira
garantias adquiridas, futuro, voz, à maioria na base da pirâmide social, e
protege o topo: o regime treme. (Na Hungria já vacilou: newstatesman.com/austerity-and-its-discontents/2013/04/hungary-no-longer-democracy.)
No mínimo, falta respeito pelos cidadãos e a Constituição: por
cada pessoa como sujeito da sua história e participante do destino comum;
faltam mulheres e homens competentes, experientes, dos partidos e da sociedade
civil organizada, que na AR e Governo dêem prioridade aos mais frágeis e travem
os desvios; falta um PR a impedir as sucessivas agressões ao regime, não um
mero "Residente da República" (C. Albino). E perante o estado do mundo:
há que aprender (toda a sociedade) a centrar mais a vida na alegria do que não
custa dinheiro: afectos, imaginação, solicitude, silêncio, riso, arte,
pensamento, natureza.
Isabel
Hub Faria - Professora catedrática aposentada
Melhor
democracia quer dizer mais ética, mais formação, melhor informação, mais
conhecimento, menos capelinhas, mais representatividade e mais instrução
explícita para o exercício pleno da liberdade individual e da cidadania.
Na altura
em que são "os mercados" que mandam, melhorar a democracia significaria
mais e melhor regulação do sistema bancário, de modo a que os "maus
negócios" da banca privada não pudessem ser transformados em dívida
pública.
O
incumprimento injustificado dos programas eleitorais deveria ser suficiente
para obrigar a mudanças no Governo ou de Governo.
Melhorar
a democracia implica incentivar a democracia participativa, abrir a agenda
política e promover a discussão de assuntos que, sendo do interesse da
população, raramente são alvo de atenção dos partidos.
Uma outra
ideia para melhorar a democracia portuguesa seria praticá-la "à
portuguesa": "Ou há democracia ou...!!!"
Januário
Torgal Ferreira - Bispo das Forças Armadas e de Segurança
Ao
contrário do "ninguém fica para trás", a sociedade portuguesa padece
de uma gravíssima injustiça social. Se uma sociedade democrática tem como
responsabilidade ser inclusiva, a saúde deste corpo doente só se restabelecerá
atribuindo a cada um o que lhe pertence, a começar pelos mais esbulhados. Na
resistência à ditadura, exigiu-se a distribuição, com equidade e justiça
social, dos frutos do trabalho. Urgiu-se o respeito pelas pessoas, em tantas
circunstâncias, reduzidas a meros objectos. Não vale tudo para salvar o
"clube" ou para despoluir o patriotismo manchado. As destruições de emprego,
da industrialização, do crescimento económico, da classe média, de direitos e
de deveres são "crimes", dos quais os "últimos" não foram
constituídos réus. Mais um motivo para lhes ser paga a dívida do prometido.
Neste mundo em que se passou "da poesia da revolução à prosa da segurança
social" (Marcel Gauchet), "quem vive na miséria tem direito a receber
imediatamente o necessário" (João Paulo II, 1 de Janeiro de 1998). A única
arma de Abril foi a razão do direito! O desconsolo de uma esperança adiada
gerou um "dia inteiro e limpo".
João
Botelho - Cineasta
Hoje, não
sei mais se o meu país é uma democracia ou um caso de loucura. É um belo sítio
mal frequentado, citando o escritor. O alheamento e a importância dos cidadãos
face às tropelias dos pequenos e grandes poderes aproximam-se de uma ideia
única, a náusea. Portugal transformou-se num reino de intermediários sem
escrúpulos e de mercearias gigantescas (as duas ou três pessoas mais ricas
deste país são merceeiros). Os patos são bravos, os governantes são incompetentes
e sobretudo incultos.
Por que
não o controlo do enriquecimento excessivo de ex-governantes visitando as suas off-shores, por que não deixar
cair na falência os bancos fraudulentos, por que não investir prioritariamente
na agricultura (couves e batatas, em vez de eucaliptos, carneiros, vacas e
porcos, em vez de campos de golfe vazios) e nas pescas, nos recursos
infindáveis do nosso mar (peixe fresco e algas fazem tão bem à saúde!) e
sobretudo na investigação e na educação? Que decadência, meus senhores! Era
difícil mas sabia tão bem dividir as orações de Os Lusíadas, ou resolver uma
raiz quadrada aos dez anos. E ler, ler, ler.
Se os
nossos governantes alguma vez tivessem lido um clássico, seriam mais humanos e,
sobretudo, mais democratas.
Jorge
Buescu - Professor de Matemática, FCUL
Tinha 9
anos na altura do 25 de Abril. A minha politização foi feita com figuras do
calibre de Mário Soares, Sá Carneiro, Freitas do Amaral ou Álvaro Cunhal.
Homens a quem, concordando-se mais ou menos com o respectivo ideário político,
é forçoso reconhecer uma estatura política excepcional. O que tinham em comum?
Uma educação e formação extraordinárias. Eram homens extraordinariamente bem
preparados para a vida cultural, intelectual, profissional e cívica.
Personalidades intensas e complexas cujo interesse não se esgotava na política
mas a ela decidiram dedicar-se de corpo e alma, com espírito de missão.
É com
tristeza que verifico que, quatro décadas depois, estas qualidades foram hoje
substituídas pelo sucesso na navegação em estruturas partidárias mais ou menos
medíocres.
Joana
Vasconcelos - Artista plástica
Eu
melhoraria tudo na democracia portuguesa. Faria um reset.
João
Lobo Antunes - Neurocirurgião
A justiça
no sentido mais amplo do conceito. De facto, aprendemos rapidamente as regras
da democracia. Mais difícil tem sido aprender a viver em democracia e a justiça
é uma condição de liberdade. Qualquer democracia, acima de tudo, exige justiça.
Refiro-me não só ao seu exercício célere e exemplar no domínio que lhe é
próprio, mas que atenda também à igualdade de oportunidades na educação, ao
acesso equitativo na saúde, à vigilância das desigualdades sociais e da
pobreza, à protecção dos velhos e dos que não têm emprego, ao cuidado da terra
e do ambiente. É indispensável ainda garantir justiça na governação da
República e a coragem de assumir uma solidariedade responsável que obriga à
revisão de modelos sociais caducos, quando não irresponsáveis.
Só a
justiça pode moldar a consciência moral de um povo que é afinal uma construção
colectiva indispensável para enfrentar com convicção e energia as crises com
que a modernidade irá, repetidamente, desafiá-la.
João
Maria de Freitas Branco - Filósofo
Adicionar
liberdade positiva (a social, estar livre do medo da fome).
Reforma
eleitoral para que as eleições deixem de ser uma fraude e o seu resultado a
paradoxal negação da D. Garantir que o programa executado corresponda ao
programa eleitoral votado. Criar para tal o Conselho de Defesa do Cidadão
Eleitor constituído por "homens bons" eleitos e indigitados pelas
instituições estruturantes da D.
Fim do
monopólio das direcções partidárias na escolha dos deputados (possibilidade de
listas nominais), fim da partidocracia que gerou uma casta contaminada de
deficientes morais que, sem elevação ético-política, tem governado o país,
impedindo a participação cívica e as autênticas alternativas.
Criação
de instrumentos jurídico-políticos eficazes no combate sistemático à corrupção.
Mais
participação cívica.
José
Mouraz-Lopes - Juiz conselheiro no Tribunal de Contas, presidente da Associação
Sindical dos Juízes
Asseguradas
as garantias primárias de um estado democrático e social, importa que a
democracia evolua para uma maior participação dos cidadãos na efectiva
definição das políticas e no controlo efectivo da actividade pública. Assim,
importa ponderar:
- Um
sistema social que quebre a espiral de desigualdade e incentive a maternidade
enquanto factor de crescimento e de renovação.
- Um
sistema político que amplie a participação dos cidadãos, através da alteração
do sistema eleitoral permitindo a eleição de deputados em lista uninominal,
exigente na transparência e na meritocracia da actividade política, ampliando a
responsabilidade no exercício de funções públicas.
- Um
sistema de justiça simplificado e eficaz, dotado de recursos e de garantias de
independência, que permita que as decisões judiciais sejam efectivadas no tempo
devido.
Lara
Li - Cantora
Começando
por uma ponta da meada redonda e densa, sente-se a falta do que deveria ser o
material do núcleo: a Educação, a que deve ser intrínseca a decência, quer
dizer, ética.
Sendo a
ponta da meada o que se deve ir puxando para desenrolar o assunto e chegar ao
centro, torna-se o problema bicudo: como fazer passar a Educação começando
desde o princípio até ao tal núcleo, o emissor da energia que sustenta esta
coisa?
Não sendo
em meada doente electrizante a decência, parece indispensável falar nela para
que o fio pense que está relativamente lavado e macio. O núcleo lá está, a
emitir informação clara sobre como, com o maior vigor e extraordinário esforço,
impoluto, tem lutado contra as maiores adversidades.
A
sujidade tornou-se transversal à meada e todas as camadas de fio estão em tal
estado que a Educação não consegue inscrever-se e ingressar na meada.
Além de
uma boa escolaridade, a Educação é indispensável a quem vota em quem todos deve
servir, governando.
Sobre
como melhorar a democracia portuguesa, chegada a este ponto a meada: é
possível, em democracia?
Lídia
Jorge - Escritora
Agora que
a sociedade portuguesa tem as veias abertas, é legítimo perguntar se aquilo de
que enferma a Democracia Portuguesa provém da imperfeição das suas instituições
ou da debilidade dos seus intérpretes. Não escondo que me inclino muito mais
para a segunda hipótese do que para a primeira. Está à vista de todos, de forma
muito cruel, como a debilidade de carácter se encontra na base da indiferença
política. Os mecanismos que permitem o acesso dos indiferentes ao poder
deveriam ser modificados. A questão da representatividade deveria ser revista.
E a discussão premente, sobre uma relação de independência entre o poder
político e o esmagador poder financeiro, coração do futuro do mundo, tem de
encontrar entre nós intérpretes à altura. Nesse campo, e no estado de
selvajaria em que nos encontramos, semelhante combate vai precisar não só de
heróis mas de leis.
Luís
de Sousa - Investigador ICS-UL e presidente da Transparência e Integridade,
Associação Cívica
Alteraria
por completo o modo de fazer política e de pensar o Estado: menos
arte-&-manhas, mais ciência de Governo; menos preocupação pela conquista,
exercício e manutenção de poder, mais preocupação com a resolução de problemas
estruturantes; menos programas, mais planos estratégicos; menos mandar, mais consultar;
menos impressionismo, mais método; menos "fazer obra", mais smart spending; menos leis,
mais implementação; menos monopólios de poder, mais pluralismo; menos
discricionariedade, mais responsabilidade; menos culto do sucesso, mais
civilização; menos captura do Estado, mais res
publica; menos sentido de mercado, mais sentido de Estado; menos
austeridade, mais reorganização e optimização; menosjobs for the boys,
mais competência e mérito; menos corrupção, mais ética.
Manuel
Aires Mateus - Arquitecto
Democracia
centra a ideia de comunidade, colectivo, comum. Somos nós e não
"eus", é aceitar o estado de todos e para todos, é aceitar os outros.
Melhorar a democracia é melhorarmo-nos, é investir na cultura e na educação, é
criar uma maior consciência, exigência e capacidade em cada um, para melhor
gerirmos ou em melhores delegarmos.
Democracia
na sua relação com a Arquitectura é aceitar o espaço comum, o urbano ou a
paisagem, de todos, como central e não como resultante, ou sobrante da
realização ou interesses de alguns. É concentrar a atenção no colectivo, no que
nos une, onde estabelecemos relações ou criamos identidade.
Manuel
Clemente - Bispo do Porto
Somos nós
todos, enquanto sociedade, que temos de melhorar. Sociedade significa
reconhecimento mútuo, vizinhança, companheirismo, co-responsabilidade. E temos
de fazê-lo num tempo novo, que traz grandes oportunidades e grandes desafios,
ligados a dois factores que parecem contraditórios: globalização e
individualização.
A
globalização abre espaços e horizontes largos e imediatos, mas tanto
possibilita deslocações rápidas como nos sujeita a domínios que não
controlamos, extravasando a política tradicional. A individualização retém-nos
mais na pretensão singular, imediatamente transposta para qualquer geografia
real ou mediática, com menos dependência e proximidade concreta.
Daí a
importância de desenvolvermos conjuntamente a solidariedade e a
subsidiariedade, quer ganhando consciência e responsabilidade pelo todo, quer
arriscando participações práticas e locais, onde nos possamos exercitar como
"cidadãos" propriamente ditos, com nome e figura. Nós e os outros,
nós com os outros, todos para todos.
Para a
democracia portuguesa isto significa, além do mais: informação correcta,
persistente e pedagógica da parte de quem dispõe de mais dados; diálogo e mútua
escuta da parte dos intervenientes sociais, culturais, económicos e políticos;
conhecimento recíproco e habitual de eleitos e eleitores; solidariedade e
participação concretas, que unam o local e o geral, o particular e o público.
Manuel
Sobrinho Simões - Cientista
Procuraria
que Portugal não descolasse da Europa nem do euro. Apesar das limitações do
regionalismo europeu vitimado pela cupidez do capitalismo financeiro e pela
fragilidade das lideranças, não antevejo futuro para a nossa democracia fora
desse espaço. Procuraria ajudar a evolução no sentido de um federalismo
mitigado, com união bancária e federalismo fiscal. Apostaria na criação de uma
área privilegiada de trocas comerciais com os EUA, Canadá, Austrália, etc. e procuraria
atrair a Turquia e o Norte de África. Por cá, temos de acabar com as propostas
publicitárias, avaliar e reforçar as instituições públicas e melhorar o
funcionamento dos partidos em termos de representação e de participação. Não
vai ser fácil porque somos uma sociedade de altíssimo contexto (primos,
cunhados, organizações secretas e semi-secretas, corporações) a sofrer os
efeitos de uma partidocracia esclerosada com classes dirigentes cada vez menos
capazes e exemplares. Para além de possíveis alterações formais (não sei o
suficiente para opinar sobre a Constituição e o regime semipresidencialista),
continua a ser fundamental apostar na educação - sem melhorar a literacia e
numeracia dos cidadãos, não vamos lá - e prestar uma atenção redobrada à questão
geracional.
Margarida
Martins - Presidente da Abraço
Promover
uma cidadania activa, incentivando a participação da população em associações.
O reforço destas organizações é fundamental para a conquista de uma sociedade
mais justa, igualitária e solidária. Sublinho, a título de exemplo, a
importância das comissões de moradores, de onde poderão sair propostas de
melhor gestão dos bairros onde vivem. Penso que é urgente dar voz efectiva às
associações, pois estas reflectem reais necessidades. Acredito, no entanto,
que, para que haja cidadania activa, deverá estar garantido o acesso à
educação, saúde e conhecimento.
Maria
de Fátima Bonifácio - Historiadora e membro do conselho científico da Fundação
Francisco Manuel dos Santos
Melhoraria
os políticos, governantes e deputados. No plano da educação, recomendaria a
muitos deles a repetição das suas licenciaturas, um ano sabático em
universidades estrangeiras e, em alguns casos mais aflitivos, aconselhava mesmo
a repetição do curso dos liceus. Depois impunha o Português como língua oficial
obrigatória, banindo do Parlamento versões corrompidas da língua pátria que
agridem os nossos ouvidos e deseducam o público. No plano da ética, liquidava
pela raiz os incontáveis casos de promiscuidade e irresponsabilidade - desrespeito
pela coisa pública e pelo bem comum - que gangrenam a nossa democracia e
afastam muita gente boa e útil da política. Não hesitaria em introduzir cursos
sobre a diferença entre o bem e o mal em horários pós-laborais.
Maria
do Carmo Fonseca - Directora do Instituto de Medicina Molecular e professora da
Fac. de Medicina da Univ. de Lisboa
Nos
últimos anos, muito por culpa própria mas também por efeitos exteriores,
Portugal está a viver um período de enormes dificuldades que, não em termos
inéditos, poderão pôr em causa os próprios fundamentos da democracia. As
últimas sondagens de opinião são um indicador violentíssimo: 77% dos inquiridos
consideraram o Governo como "mau" ou "muito mau", mas 61%
diziam que nenhum partido da oposição faria melhor. Dar receitas sobre como
melhorar a democracia portuguesa é falar de como melhorar a cultura de
exigência dos portugueses. Urge consolidar uma ainda frágil cultura de valores
éticos, de transparência, e de valorização do mérito. A nossa sociedade
continua mal adaptada à inovação criativa. Investir no conhecimento não pode
ser um mero chavão inconsequente. Não existem à venda soluções "prontas
para usar". Há que definir metas estratégicas e ser consistente na acção,
no dia-a-dia das vidas de todos nós.
Miguel
Real - Escritor, ensaísta, filósofo
Nomeação
pela Assembleia da República e pelo Presidente da República de um Senado
Provisório, sem poder legislativo, constituído por meia centena de portugueses
acima de toda a suspeita, os melhores nas suas actividades e profissões,
presidido por Viriato Soromelho-Marques ou João Lobo Antunes, que estabelecesse
uma Carta do Futuro a 20 Anos para Portugal, um plano sábio, com objectivos,
metas, instrumentos, que, paralelo à política partidária e institucional,
pudesse fazer renascer a esperança aos portugueses, convictos de que dentro de
duas dezenas de anos Portugal seria um país europeu "normal", isto é,
inserido numa posição económica, social, financeira, demográfica, científica,
cultural mediana face à dos quadros estatísticos da Comunidade Europeia.
Nuno
Artur Silva - Autor e produtor
A
justiça. A única área de poder da sociedade portuguesa onde o 25 de Abril
parece não ter acontecido. Há uma profunda reforma por fazer nas estruturas do
poder judicial. Sem ela, não há condições para que haja de facto justiça para
todos e um eficaz combate à corrupção.
O sistema
partidário e eleitoral. É preciso ligar os partidos aos cidadãos e romper o
bloqueio instalado dos caciques, dos jotas e das claques militantes.
A
educação e a cultura como prioridades estratégicas. Se é verdade que a educação
foi uma das áreas de maior desenvolvimento da democracia portuguesa, é
absolutamente necessário que esse investimento não se interrompa e seja
alargado. E a cultura, que nunca foi prioridade, deve passar a sê-lo, no seu
entendimento mais amplo e transversal. Ligada à educação, à economia, à
estratégia internacional e à qualidade de vida dos cidadãos.
Nuno
Júdice - Poeta, professor catedrático da FSCH, Univ. Nova de Lisboa
Os
dirigentes. A democracia perdeu a capacidade de se ver representada por uma
elite com formação política e com o conhecimento do que é a relação directa do
eleito com o eleitor. Isto começou com a perseguição a quantos iam adquirindo
envergadura política por uma imprensa de escândalo a que se somaram alguns
jornais considerados sérios que, por razões de concorrência, entraram nesse
jogo. Progressivamente, quem tinha competência e capacidade para se dedicar à
política foi abandonando essa cena, deixando o espaço a amadores que, pelo simples
domínio de uma retórica despida de ideias e de projecto, acederam à direcção
dos partidos e dos órgãos de poder. Estamos portanto a ser governados por
instrumentos de interesses nacionais (poucos) e internacionais (muitos) sem que
se veja uma saída para este vazio.
Paulo
Corte-Real - Presidente da ILGA
Democracia
não é equivalente a ditadura da maioria, bem pelo contrário - e é por isso que
é fundamental que exista e se aplique efectivamente uma Constituição que
salvaguarde, nomeadamente, direitos fundamentais de minorias e princípios
constitutivos do regime democrático.
Para
isso, há desde logo uma falha que se tem tornado evidente: não existe a
possibilidade de demitir a pessoa que exerce o cargo de Presidente da
República, quando esta pessoa não zele adequada e atempadamente pelo
cumprimento da Constituição.
E também
em termos de respeito pelas minorias, há um enorme trabalho a fazer - e aqui
destaco o reconhecimento legal da parentalidade exercida por casais do mesmo
sexo, sobretudo, aliás, por uma questão de atenção ao bem-estar de crianças
concretas, que a lei tem a especial obrigação de proteger.
Pedro
Bacelar de Vasconcelos - Constitucionalista
Para que
serve um Presidente que discursa, nomeia, empossa, promulga, veta, viaja,
convoca o povo para decidir, mas ele próprio nem decide nem governa? Não se vê
razão para não acabar com essa excrescência antidemocrática que é a eleição por
sufrágio universal de um Presidente da República que até podia demitir o
Governo ou convocar eleições, mas só o faz quando "a maioria" o
consente! Para quê tão grande aparato e investimento? Porque não elegê-lo no
Parlamento a cuja maioria, de facto, já obedece? Jorge Sampaio bem teria sido o
remate digno e elegante da história de uma instituição que, depois da democracia
atingir a maioridade, apenas sobrevive para iludir a sua própria irrelevância,
para engendrar intrigas e desresponsabilizar os eleitos. Claro que, do mesmo
passo, convém diminuir o número de deputados e exigir-lhes prestação de contas
pelo uso que, em consciência, fizerem do seu mandato.
Raquel
Freire - Cineasta e activista
Apostaria
na educação para a cidadania, empoderando as pessoas. Dando-lhes ferramentas
para a promoção da dignidade humana na sua diversidade, dos valores humanistas
e feministas, da multi e interculturalidade, do aprofundamento da democracia e
da construção de uma sociedade livre, justa, sustentável, solidária e fraterna.
Faria uma revolução do Estado patriarcal, colonial, heterocentrado, autoritário
e punitivo, corrigindo os desvios da Democracia representativa, reforçando a
Democracia participativa e criando formas de Democracia directa. Como abrir as
candidaturas para todos os órgãos, nacionais, locais e europeus, a movimentos
cívicos e a cidadãos em condições semelhantes às dos partidos; e criar espaços
de gestão comunitária com a concessão dos recursos e competências às
comunidades auto-organizadas. Eles dizem crise. Nós dizemos revolução.
Rui
Cardoso Martins - Escritor
Uma
pergunta simples mas de resposta infinita. Com revisões constantes. Não
"ajustamentos", a mentira estúpida do Governo PSD/CDS, que não
percebe Portugal. Como se diz cá em casa, quanto mais se bate no fundo, mais
ele desce. A queda é rápida quando se despreza a democracia (afinal, há uma
resposta simples): "Portugal é uma República soberana, baseada na
dignidade da pessoa humana e na vontade empenhada na construção de uma
sociedade livre, justa e solidária" (Art. 1.º da Constituição). Não se
suspende a soberania e a dignidade para pagar juros impossíveis, destruindo o
trabalho. Em dois anos, por exemplo, aumentou muito o número de gravidezes não
vigiadas. Quantos mortos e problemas nos esperam? E se o número de pobres
explodiu, o de nascimentos encolheu. Seria um bom recomeço acabar com isto.
Rui
Horta - Coreógrafo e bailarino
Portugal
tem um gigantesco potencial por cumprir, algo não sabemos aproveitar, pois
falta-nos a qualificação e a distância crítica para entender um mundo que,
pleno de oportunidades, é cada vez mais complexo. É essencial um pacto de
regime entre todos os partidos, para uma mudança radical ao nível da cultura e
da educação, tornando-as pilares do discurso político.
Não
existe democracia num país que separa cada vez mais os pobres dos ricos,
destruindo a classe média. É fundamental uma discussão profunda e aberta a toda
a sociedade, sobre o Estado Social que queremos e podemos ter, numa óptica de
defesa e melhoria do S. N. de Saúde, da justiça e da protecção social.
É urgente
discutir com toda a sociedade a alteração da nossa lei eleitoral, para que os
movimentos de cidadãos, as estruturas não partidárias e a sociedade civil em
geral possam intervir nas decisões. Os partidos são indispensáveis, mas a a
democracia não se esgota neles. O Parlamento deve abrir-se a formas de pensar
divergentes.
São
José Lapa - Actriz
Portugal
é uma república soberana baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade
popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária (2
de Abril de 1976). Constituição da República Democrática Portuguesa. Em 2013,
Portugal não é uma república soberana, ela é refém de um conjunto de países e
de especuladores que lhe retiram a sua autonomia política; a dignidade humana é
violentamente contrariada por um tremendo desequilíbrio social, um abismo entre
1% da população possuidora da riqueza nacional para a restante população onde 1
milhão de portugueses em meros dois anos perderam os seus empregos e se
encontram sem meios de subsistência; a vontade popular realizada através das
últimas eleições democráticas acentuou exponencialmente a abstenção... falta
cumprir os princípios da Constituição.
Sérgio
Aires - Sociólogo, presidente da EAPN Europa - Rede Europeia Anti-Pobreza
A
Democracia nunca estará totalmente concretizada enquanto todos os cidadãos não
se sentirem totalmente incluídos nas sociedades onde vivem. Democracia e
pobreza são incompatíveis. A juventude e a história da Democracia portuguesa
ainda não lhe permitiram alcançar a sua plenitude. É ainda uma Democracia onde
elites e oligarquias estão demasiado presentes.
Para uma
melhor democracia é fundamental investir tudo na fundação de uma cidadania
plena. Para isso, é fundamental melhorar as formas de governação a todos os
níveis. A boa governação é aquela que entende que o Estado não se confunde com
o Governo, que a legitimidade democrática se renova e garante todos os dias
pela forma como se governa, e onde a participação e co-responsabilização de
todos é a única forma de garantir uma efectiva igualdade de oportunidades - a
principal riqueza e sustento de uma Democracia.
Teresa
Villaverde - Cineasta
Momento
difícil para se falar da nossa democracia porque ela vive agora uma fase
antropofágica, uma fase em que se come a si própria e a uma velocidade muito
alta, parecendo não haver uma garantia dentro dela para travar esse processo.
Às vezes
acontece um casamento em que um dos cônjuges maltrata o outro, sou contra que o
casamento seja razão para autorizar o que maltrata a destruir o outro para
sempre. Neste momento, acho que a nossa democracia foi sequestrada. Quem dirige
o país não entende que a sua função primordial, haja o que houver e custe o que
custar, tem que ser a defesa do bem-estar da população. Neste momento, é um
pouco como se houvesse alguém que não sabe nem guiar nem as regras do trânsito,
mas que guia a toda a velocidade numa auto-estrada em contramão, e não se pode
mandar parar essa pessoa porque é filha de um rei ou de um deus, e algures uma
lei cega diz que é proibido pará-la e ponto.
Tiago
Torres da Silva - Escritor, encenador
A
democracia é o melhor sistema que conheço mas também o mais desafiante. Aquele
em que o indivíduo tem maior responsabilidade. Por isso mesmo, sucessivos
governos democráticos descuram a educação e a cultura, na esperança de que
todos nós nos mantenhamos de alma míope e coração cego. Na minha opinião, a
grande melhoria a fazer na democracia seria investir nestes dois mundos mágicos
que aumentam a capacidade de discernimento dos povos. Para isso, teriam os
sucessivos governos de ter coragem de ver a sua actividade escrutinada por um
povo esclarecido, interveniente, vivo!
A Música,
o Teatro, a Poesia, a Dança, o Cinema deveriam ser tratados não como luxo
desnecessário mas como motor de desenvolvimento, como prioridade absoluta na
expectativa de aumentar a consciência cívica e fazer-nos parte de um todo mais
fraterno, mais solidário e mais justo!
Valter
Hugo Mãe - Escritor
Indubitavelmente
deitaria mão à promiscuidade entre interesses públicos e privados. O modo como
os cargos públicos são ocupados por gente com todo o tipo de compromisso nas
mais variadas empresas privadas é obsceno. É obsceno que, quase
invariavelmente, depois do Governo, aqueles que aparentemente desempenharam uma
missão ocupem altas chefias e consultorias, estabelecendo um leva e traz
insuportável, agredindo princípios de confidencialidade e honestidade comercial
a todos os níveis.
Enquanto
não tivermos políticos sem vínculos privados e sem favorecimentos feitos a
filhos, primos e primas, sobrinhos aos mil e mais tios e tias, não temos
democracia. Apenas a sua aparência.
Vasco
Araújo - Artista plástico
Perguntar
o que se melhoraria na democracia é o mesmo que perguntar o que se melhoraria
no Amor, a resposta é sempre subjectiva e ambígua, mas de certeza que uma das
respostas mais imediatas é a sinceridade. O exercício da sinceridade exige uma
reinvenção da amizade, ética e da forma de viver do ser humano, como se a
liberdade e a verdade residissem inteiras na força da sinceridade.
Ora como
podemos cuidar de nós se não construirmos uma ética assente na sinceridade, só
ela, enquanto transformação do sujeito, permite o acesso à verdade. A existir
um eco qualquer na nossa vida, que seja um abrir do coração, e não uma
aborrecida e monótona repetição do narcisismo vigente.
Vera
Mantero - Coreógrafa e bailarina
Não há
democracia possível sem igualdade
de oportunidades. Não há verdadeira democracia sem uma educação liberal
de qualidade para todos. Sem sabermos pensar e entender o que nos rodeia
somos engolidos por todas as propagandas e manipulações (e não teremos
ferramentas para construir uma vida e um país). Não há democracia que se veja
sem informação a sério. Os
média não podem estar nas mãos daqueles que querem que a população não perceba
nada: políticos, negócios e banca. Não há democracia nenhuma enquanto não
houver justiça eficaz e célere e enquanto toda a gente continuar a fazer
asneiras (que dão cabo das nossas vidas) e a sair sem um arranhão. Não se
melhora a democracia portuguesa sem melhorar a europeia, é preciso poder votar para a Comissão
Europeia e para o Conselho Europeu. Não há melhor democracia em geral
enquanto o poder não regressar
às mãos daqueles que são democraticamente eleitos, enquanto como agora o verdadeiro poder
continuar nas mãos da finança e dos grandes bancos globais. A política tem que
estar por lei totalmente divorciada dos negócios e da finança. O resto não cabe
aqui.
Virgílio
Castelo - Actor
Introdução
de círculos uninominais de deputados à Assembleia da República já, e
levantamento do sigilo bancário para todos os responsáveis políticos (de
presidentes de junta de freguesia a presidentes da República) de 1974 até
agora, e para vigorar daqui em diante. O objectivo seria obrigar todas estas
pessoas a investir 10% das suas economias na compra de dívida pública
portuguesa a juros baixos.
Virgínia
Ferreira - Socióloga, Fac. Economia e Centro de Estudos Sociais Univ Coimbra,
activista na defesa dos direitos à igualdade de género
1.
Tornava-a mais inclusiva e participada - o que faz a democracia é a
operacionalização da representação substantiva dos interesses colectivos nos
processos decisórios que os afectam.
2.
Tornava-a mais transparente - o antídoto para a corrupção, causa da
deslegitimação do nosso regime democrático, é mais transparência e prestação de
contas na administração da res
publica.
3.
Tornava-a mais justa e igualitária - actuais cortes agravam desigualdades
sociais, num país que é já dos mais desiguais, no qual uma justiça inoperante
contemporiza com a desigualdade.
4.
Desmercadorizava-a - o direito ao mercado livre deve perder a primazia que tem
tido entre os direitos individuais reconhecidos.
Assim, a
democracia deixaria de ser, em Portugal, um conjunto de procedimentos formais
reprodutor das desigualdades sociais.
Y.
K. Centeno - Escritora e professora catedrática (aposentada) da Universidade
Nova de Lisboa
Se há
diferença, na nossa democracia, quanto ao entendimento geral do que é a
Democracia - trazida até ao Ocidente por Platão no desenho de uma sociedade
justa -, faltará muito para melhorar.
A minha
reflexão prende-se ainda com os conceitos de Liberdade, Igualdade,
Fraternidade, estruturantes de um século XVIII que para mim é o século I da
nova Era.
Mas
impõe-se:
1.
Recuperar a Ética quanto à dignidade de carácter, à honestidade intelectual, ao
respeito mútuo, liberdade e correspondente responsabilidade, na intervenção
social e política.
2.
Recuperar a Estética: embora Platão expulse o poeta da cidade perfeita, a
dimensão do Belo amplia, na sua criação e contemplação, uma actividade e um
sentimento que devem ser repartidos dando condições de acesso a toda a
sociedade.
3. Por
fim: valorizar a Educação e a Cultura, nos seus espaços próprios, fomentando
uma contínua existência e desenvolvimento.
Sem comentários:
Enviar um comentário