sábado, 27 de abril de 2013

MP arquiva caso de pornografia infantil contra líder de instituição de menores

 
Público - 27/04/2013 - 00:00
A denúncia arquivada é uma das oito reportadas por Catalina Pestana e que foram investigadas pelo DIAP de Lisboa RUI GAUDÊNCIO
Caso envolve cunhado de ex-PGR que foi durante uma década dirigente de lar de rapazes ligado à Igreja. É o único que ainda não prescreveu dos três em que DIAP encontrou factos susceptíveis de integrar crime

Entre as oito denúncias de crimes sexuais envolvendo membros da Igreja arquivadas pelo Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa, na sequência das declarações da ex-provedora da Casa Pia, Catalina Pestana, está uma de pornografia infantil que visa Rui Franco, 64 anos, actualmente empresário e que até ao final do ano passado fez parte dos órgãos sociais de uma instituição ligada à Igreja Católica que acolhe rapazes entre os seis e os 18 anos.

Rui Franco, cunhado do ex-procurador-geral da República Souto Moura, assumiu ao PÚBLICO ter consultado sites de pornografia adulta para tentar encontrar rapazes da instituição a que presidiu durante mais de uma década, mas garante que nunca consultou páginas de pornografia infantil na Internet.

Por sua vez, Souto Moura mostrou-se "totalmente surpreendido" com o envolvimento do marido de uma das irmãs da mulher neste tipo de actividades e reiterou desconhecer sequer que o nome do cunhado é referido inúmeras vezes no despacho de arquivamento do DIAP de Lisboa, datado de 16 de Abril. "Não fazia ideia que ele estava associado a esse inquérito, de que ouvi falar apenas na comunicação social", disse o antigo procurador-geral ao PÚBLICO.

A denúncia arquivada é uma das três em que a investigação apurou factos concretos susceptíveis de integrar crime, neste caso o de pornografia infantil, punido com pena de prisão de um a cinco anos. Destas, é a única que a procuradora não considerou prescrita ou dependente de uma queixa que nunca chegou a ser apresentada.

Mesmo assim, a procuradora da República do DIAP de Lisboa arquivou-a, por considerar que "a mera visualização de sites com conteúdo de pornografia infantil, sem ocorrência de download[descarga] desses conteúdos e desacompanhada de outros elementos de prova, não integra a prática de um crime de pornografia infantil". A esta referência acrescenta ainda que "os autos não contêm indícios bastantes do cometimento do crime de pornografia infantil por parte do suspeito".

Contudo, os relatos que são feitos pelas duas testemunhas que a procuradora cita abundantemente no despacho de arquivamento referem que foram descarregados e armazenados num computador da instituição ficheiros contendo imagens de pornografia envolvendo menores. Essas duas testemunhas, uma das quais dirige actualmente a instituição de acolhimento, falam, aliás, da existência de uma pen, um dispositivo para armazenar dados digitais, que continha "o registo de todos os acessos realizados por Rui Franco no computador portátil que usava". Segundo o depoimento citado pela procuradora, a testemunha "perdeu essa pen", pelo que não a pôde facultar aos investigadores.

As duas testemunhas, uma das quais era amiga do suspeito, conheceram-no como consultor quando este trabalhava numa empresa onde as duas estavam empregues.

Demissão em Dezembro
Uma delas era responsável informática da empresa, tendo descoberto o acesso aos sites pornográficos por parte de Rui Franco quando tentava desvendar a origem de vários vírus no sistema da sociedade. "A dada altura, em 2008, a declarante apercebeu-se que Rui acedia a sites com conteúdo de pornografia infantil", lê-se no despacho. A testemunha afastou por completo a possibilidade de os acessos terem sido feitos por outras pessoas, já que foram feitos unicamente a partir do portátil de Rui Franco e com o seu utilizador e respectiva palavra-passe. "Os acessos a conteúdos de pornografia infantil estavam inequivocamente associados ao histórico do utilizador Rui Franco", relata-se no despacho de arquivamento.

A outra testemunha, a actual directora executiva da instituição de acolhimento, conta um episódio ocorrido no final de 2008, em que para provar o que dizia a responsável informática esta lhe mostrou dois links que tinham sido consultados por Rui Franco. "Então a S. mostrou-lhe uma imagem de um outro acesso de Rui e neste viu a imagem de uma criança nua a praticar sexo oral com um adulto", descreve a procuradora no despacho.

Segundo um destes depoimentos, Rui Franco permaneceu na instituição de acolhimento de menores até Dezembro do ano passado, quando foi forçado pela directora executiva a demitir-se.

Ao PÚBLICO, Rui Franco começou por dizer que a sua saída da instituição não tinha "motivos nenhuns", acabando mais tarde por associá-la a uma notícia publicada pelo Expresso a 15 de Dezembro de 2012, onde se fala da queixa reportada por Catalina Pestana, enquanto vice-presidente da Associação Rede de Cuidadores. Nesse trabalho, o suspeito é identificado como Rui F., "um empresário casado com ligações a grupos de jovens católicos".

Rui Franco, que disse ser católico praticante, assumiu ao PÚBLICO ter consultado sites de "pornografia adulta", apenas com o intuito de verificar se alguns dos rapazes que tinham saído da instituição que liderou estavam "envolvidos em pornografia". Sobre a eventual consulta de sites de pornografia infantil, disse "não ser verdade".

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