Público - 18/04/2013 - 00:00
Juristas e académicos lembram que as candidaturas ainda não foram apresentadas formalmente nos tribunais
O Movimento Revolução Branca (MRB)
apresentou ontem em tribunal a acção principal relativa à candidatura
autárquica do social-democrata Fernando Seara à Câmara de Lisboa. Esta medida
surge depois de o Tribunal Cível de Lisboa ter declarado impedido Fernando
Seara, que cumpre o seu terceiro mandato em Sintra, de se candidatar a Lisboa,
na sequência de uma providência cautelar que o MRB apresentou para "evitar
a perpetuação de cargos" políticos e que um autarca possa andar a
"saltar de câmara em câmara".
No Porto,
o MRB vai tomar uma iniciativa idêntica quanto a Luís Filipe Menezes, que
também está impedido na sequência de uma providência cautelar de se apresentar
como candidato à Câmara do Porto.
Há uma
semana, Seara apresentou recurso na Relação de Lisboa da decisão do Cível de
Lisboa; no caso de Menezes, o autarca já fez saber que vai recorrer para a
Relação do Porto. O presidente da Câmara de Gaia já recrutou mais um advogado.
Chama-se João Soares Franco e faz parte da Vieira de Almeida & Associados.
As
candidaturas consideradas ilegais por violar a Lei de Limitação de Mandatos
(LLM) podem ainda fazer correr muita tinta. E a questão que se coloca é saber
se os tribunais decidem a tempo de os candidatos poderem formalizar as
candidaturas.
Alguns
especialistas ouvidos pelo PÚBLICO entendem que todo este processo começou mal
e há quem considera que o seu desfecho pode ser um grande imbróglio jurídico. O
primeiro ponto para que chamam a atenção é para o facto de as candidaturas
autárquicas ainda não terem sido apresentadas formalmente num tribunal. Por
outro lado, notam que o processo eleitoral autárquico está sujeito a um
procedimento especial: "Começa no Tribunal de Comarca e acaba no Tribunal
Constitucional (Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais - LEOAL)."
O
professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade Católica de
Lisboa Germano Marques da Silva considera que "só após a apresentação das
candidaturas é que o tribunal de comarca da sede do concelho verifica e decide
sobre a legalidade das candidaturas, cabendo recurso dessa decisão para o
Tribunal Constitucional (arts. 25.º a 35.º da LEOAL)."
Salvaguardando,
embora, desconhecer qualquer das providências cautelares já decididas em
tribunal e sua fundamentação, Marques da Silva considera que "não faz
sentido qualquer providência cautelar que vise antecipar a apreciação do
tribunal de comarca sobre a legalidade da candidatura", porque, sublinha,
"a competência judicial para a decisão é especial".
Numa nota
enviada ao PÚBLICO, o professor entende que "o tribunal de comarca carece
de jurisdição para decidir sobre a ilegalidade dos potenciais candidatos fora
do processo especial estabelecido pela LEOAL" e, por isso, sustenta que a
"decisão proferida na providência cautelar é ineficaz por falta de
jurisdição do tribunal".
Por seu
lado, o advogado João Amaral de Almeida, autor do código dos contratos
públicos, diz também que os tribunais se precipitaram porque o processo
eleitoral autárquico ainda não está em curso e advertiu para o tempo que toda
esta tramitação pode levar. Amaral de Almeida diz que as candidaturas que estão
nestas condições correm o risco de não poderem ser aceites, uma vez que se
trata de acções normais e não de acções do processo eleitoral, e que têm uma
tramitação igual às outras, ou seja, da Relação para o Supremo. "O recurso
para o TC só acontecerá no caso de alguém levantar a inconstitucionalidade da
lei", observa. Ao PÚBLICO o advogado não afasta a possibilidade de as
candidaturas em causa serem impugnadas, logo que seja aberto o processo
eleitoral. "Um enorme imbróglio", conclui.
O jurista
Manuel Sampaio Pimentel, que tem sido um dos rostos da contestação às
candidaturas lideradas por autarcas que já cumpriram três mandatos consecutivos
numa autarquia e que agora se candidatam a outra, diz mesmo que "os Juízos
Cíveis de Lisboa e Porto andaram mal ao aceitar as providências
cautelares". "Por um lado, custa-me a admitir a legitimidade do MRB
para apresentar uma petição deste teor, por outro porque me parece um
procedimento, manifestamente, extemporâneo", diz. Sublinha ainda que a
"Lei Eleitoral Autárquica prevê, claramente, os agentes com legitimidade
para intervir e o tempo próprio para a sua intervenção. No caso, nem uma nem a
outra estatuição legal foram respeitadas".
Apesar
disso, Sampaio Pimentel diz que quanto à matéria de fundo - a questão da
Limitação dos Mandatos- "ambos os tribunais apresentaram uma argumentação
muito sólida e bem fundamentada", indo ao encontro daquilo que defende há
muito, ou seja, "o impedimento da transumância autárquica ou, mais
claramente, o impedimento de um autarca que cumpra três mandatos consecutivos
poder candidatar-se a um quarto, numa outra autarquia."
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