O Ministro das Finanças aprovou um despacho que proíbe a
Administração Pública de assumir (e honrar) quaisquer compromissos, excetuando
despesas com pessoal, custas judiciais e execução de contratos cujo montante a
pagar não pudesse ser determinado aquando da celebração. Só uma autorização do
Ministro das Finanças permitirá furar tal bloqueio.
Invocando as dificuldades
resultantes do recente acórdão do Tribunal Constitucional que declarou inconstitucionais
quatro normas do Orçamento do Estado para 2013, o despacho procura corrigir a
execução orçamental fora do quadro de um orçamento retificativo. Assim, confere
ao Ministro das Finanças um poder discricionário para esse efeito.
Este despacho draconiano só pode ter como justificação algo de
muito próximo do estado de sítio ou do estado de emergência. Com efeito, o seu
regime afeta o regular funcionamento das instituições do Estado, esvaziando a
sua autonomia e pondo em causa a sua funcionalidade. Universidades, hospitais,
tribunais, polícias e forças armadas podem ficar paralisados.
É certo que a Constituição prevê os estados de sítio e de
emergência, que admitem a suspensão de certos direitos, liberdades e garantias.
Mas ambos pressupõem uma agressão externa, grave perturbação da ordem
democrática ou calamidade e só podem ser declarados pelo Presidente da
República, mediante audição do Governo e autorização da Assembleia da
República.
Um despacho tão amplo e impreciso corresponde a uma "lei em
branco" que dá ao Ministro das Finanças um poder ilimitado sobre os outros
ministérios e sobre a própria Presidência do Conselho de Ministros. Trata-se de
uma subversão da orgânica do Governo e do Orçamento do Estado, por uma via a
que o artigo 112º da Constituição não reconhece força normativa.
Na verdade, o despacho é da autoria do Ministro das Finanças e não
da Assembleia da República – o único órgão de soberania competente para aprovar
o Orçamento de Estado. Por outro lado, dada a sua natureza, não pode ser fiscalizado
pelo Presidente da República, a quem compete promulgar, vetar ou pedir a
fiscalização prévia da constitucionalidade das leis.
É legítimo questionar, ainda assim, se o Direito pode criticar,
continuamente, os atos políticos sem se imiscuir na Política. Porém, deve
reconhecer-se que o Estado de Direito pressupõe uma regulação da esfera
política pela esfera jurídica, exigindo que certos atos políticos assumam uma
forma jurídica e apresentem uma fundamentação explícita e compreensível.
Correio da Manhã
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