domingo, 14 de abril de 2013

Despacho em branco

Sentir o Direito
O Ministro das Finanças aprovou um despacho que proíbe a Administração Pública de assumir (e honrar) quaisquer compromissos, excetuando despesas com pessoal, custas judiciais e execução de contratos cujo montante a pagar não pudesse ser determinado aquando da celebração. Só uma autorização do Ministro das Finanças permitirá furar tal bloqueio.
Por: Fernanda Palma, Professora Catedrática de Direito Penal
Invocando as dificuldades resultantes do recente acórdão do Tribunal Constitucional que declarou inconstitucionais quatro normas do Orçamento do Estado para 2013, o despacho procura corrigir a execução orçamental fora do quadro de um orçamento retificativo. Assim, confere ao Ministro das Finanças um poder discricionário para esse efeito.
Este despacho draconiano só pode ter como justificação algo de muito próximo do estado de sítio ou do estado de emergência. Com efeito, o seu regime afeta o regular funcionamento das instituições do Estado, esvaziando a sua autonomia e pondo em causa a sua funcionalidade. Universidades, hospitais, tribunais, polícias e forças armadas podem ficar paralisados.
É certo que a Constituição prevê os estados de sítio e de emergência, que admitem a suspensão de certos direitos, liberdades e garantias. Mas ambos pressupõem uma agressão externa, grave perturbação da ordem democrática ou calamidade e só podem ser declarados pelo Presidente da República, mediante audição do Governo e autorização da Assembleia da República.
Um despacho tão amplo e impreciso corresponde a uma "lei em branco" que dá ao Ministro das Finanças um poder ilimitado sobre os outros ministérios e sobre a própria Presidência do Conselho de Ministros. Trata-se de uma subversão da orgânica do Governo e do Orçamento do Estado, por uma via a que o artigo 112º da Constituição não reconhece força normativa.
Na verdade, o despacho é da autoria do Ministro das Finanças e não da Assembleia da República – o único órgão de soberania competente para aprovar o Orçamento de Estado. Por outro lado, dada a sua natureza, não pode ser fiscalizado pelo Presidente da República, a quem compete promulgar, vetar ou pedir a fiscalização prévia da constitucionalidade das leis.
É legítimo questionar, ainda assim, se o Direito pode criticar, continuamente, os atos políticos sem se imiscuir na Política. Porém, deve reconhecer-se que o Estado de Direito pressupõe uma regulação da esfera política pela esfera jurídica, exigindo que certos atos políticos assumam uma forma jurídica e apresentem uma fundamentação explícita e compreensível.
Correio da Manhã

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